Que é a pedagogia de Deus.
Karen Bueno – Durante a manhã de quarta-feira, 24 de agosto, destaca-se no Congresso Internacional de Educação a série de reflexões sobre a Pedagogia de Schoenstatt. A primeira a compartilhar sua pesquisa e experiência na área é Ir. M. Dorothea Schlickmann, doutora em Pedagogia Kentenichiana e membro do IKF (Instituto Internacional José Kentenich para pesquisa e doutrina). Ela pertence ao Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt na Alemanha e é auxiliada, em sua palestra, pelo recurso de tradução simulatânea. Acompanhe alguns fragmentos de sua exposição:
Quando comecei a elaborar uma tese de doutorado sobre a pedagogia de Pe. José Kentenich em Munster – a segunda maior Universidade da Alemanha – alguns professores da nossa faculdade reagiram com a pergunta: ‘Aqui nós nem sabemos o que fazer com um sacerdote’. Quando o meu orientador, evangélico, começou a falar da vida e do atuar do Pe. Kentenich, os especialistas em ciências pedagógicas presentes mudaram de opinião: “Esse homem é um fenômeno, você não pode simplesmente apresentá-lo numa tabela de dados biográficos”
A maioria dos participantes do seminário de doutorados eram ateus ou situavam-se pelo menos a uma distância crítica da Igreja. Após alguns finais de semana em que havíamos apresentado uns aos outros nossas dissertações, os colegas disseram-me que na perspectiva da fé não podiam concordar com tudo, mas que achavam a pedagogia do Pe. Kentenich excelente.
“O Pe. Kentenich pensou, ao mesmo tempo, teologia, psicologia e pedagogia. Isso o torna singular” – essa frase provém de uma avaliação da Universidade de Munster sobre a minha dissertação.
À frente de seu tempo
José Kentenich via o ser humano como ‘microcosmo’, como um todo. Não o contemplava apenas sob determinados aspectos da natureza humana, como, por exemplo, a questão do sexo ou seu papel no processo econômico: não o via como um simples produto do ambiente ou como resultado dos seus instintos. É, pois, extremamente importante contemplar a sua imagem de homem, porque descreve o cosmo do ser humano como um todo em suas múltiplas relações.
José Kentenich não rejeitava categoricamente, como os teólogos do seu tempo, a novidade das correntes da filosofia moderna que surgiram há duzentos anos e hoje encontram a sua expressão na forma de vida das pessoas. Pelo contrário, ele via nas novas ideias filosóficas da nova época histórica um chamado de Deus, sem, no entanto, renunciar aos valores tradicionais da filosofia medieval e da filosofia que via o homem como um todo.
Da imagem do homem que José Kentenich apresentou desde o início aos seus alunos decorre uma série de notáveis e inovadoras indicações e propostas metódicas para a prática pedagógica, para a pessoa do educador e o modo de ver da criança. Ele não foi certamente o único a detectá-lo, mas a sua visão de conjunto parece-me espetacular.
Pedagogia de Deus
O estilo pedagógico dialogal de José Kentenich inclui vário princípios inovadores e novos:
– A mútua relação entre sujeito e objeto (professor e aluno): a educação deve ser entendida como caminho comum de mútuo enriquecimento.
– O primado da autoeducação no professor e no aluno enquanto expressão da dignidade e do direito à autodeterminação da pessoa humana. A educação é vista como um processo de toda a vida para ambos. A educação no sentido de impulsionar o aluno à autoeducação.
– A importância da vinculação autêntica para a realização da liberdade.
No decorrer das minhas pesquisas, deparei-me com uma notável frase de José Kentenich que se transformou, para mim, na chave para captar com uma palavra a sua concepção. Falando a educadores profissionais, ele afirmou, certa vez, que devemos esforçar-nos por “imitar a pedagogia de Deus”, ou seja, uma pedagogia do amor e da liberdade. Essas duas simples palavras não abrangem apenas toda a sua concepção pedagógica, mas também resgatam um cosmos de nossa existência humana e de suas relações fundamentais. Independentemente do ponto de partida que escolhamos, ou com o qual nos deparemos, temos sempre diante de nós pessoas humanas para as quais esses dois valores tem importância fundamental.
Pedagogia da liberdade
Realizar uma pedagogia da liberdade supõe uma profunda reflexão sobre o que a liberdade realmente é. José Kentenich defendia apaixonadamente a liberdade humana: “Essa foi sempre a ideia da minha vida: ser e formar pessoas a partir do interior, no espírito da verdadeira liberdade”. Assim descreve o eixo da sua pedagogia, o ponto ao redor do qual tudo gira.
Kentenich partilha a opinião otimista sobre o homem de Rosseau, que o homem em princípio é bom, que tem em si muito de bom e favoreceu durante toda sua vida essa fé no que há de bom na criança. Em muitos congressos pedagógicos, encoraja os professores a partirem sempre do bem que existe na criança. Porém o otimismo antropológico de José Kentenich permanece realista. Ele toma em conta a assim chamada natureza humana afetada pelo pecado original. A primeira rebeldia do homem contra Deus teve consequências para a condição humana: a desarmonia interior. Kentenich explica frequentemente que quando a relação entre Deus e o homem é perturbada, a harmonia na relação do homem consigo mesmo e com os outros também é perturbada.
No processo dialógico, José Kentenich compreendeu a si mesmo, durante toda a vida, como alguém que continua sempre aprendendo com seu interlocutor, que é enriquecido pelos alunos e caminha com eles, colocando-se ao seu nível sem deixar de encarnar ao mesmo tempo a autoridade. “Nós queremos aprender. Não somente vocês, eu também. Queremos aprender uns com os outros, porque nunca terminamos de aprender, sobretudo na arte da autoeducação que representa a obra, a ação, o trabalho de toda nossa vida” (1912).
Já cedo José Kentenich não refere a educação somente a jovens, a pessoas em fase de crescimento, portanto mais fracas, inexperientes, ignorantes, mas também a adultos, interpretando a educação como um processo que dura a toda a vida. Corrige, assim, um erro comum segundo o qual o adulto está pronto e conduz a criança ou o jovem ‘a partir de cima’.
Educadores educados
A intenção pedagógica de José Kentenich permanece, desde o início, em educar personalidades livres. Isso se refere tanto a professores como a alunos.
Durante toda a vida exigiu muito do educador: este deve trabalhar continuamente a própria personalidade. Frequentemente a reação da turma só é positiva porque eu, professor, estou bem preparado para a aula. O aluno quer ver em mim a encarnação dos valores que anuncio. Este é o único caminho à autenticidade. Assim adquiro credibilidade como professor.
O educador precisa ser interiormente livre para capacitar à ‘liberdade’ o interlocutor, assim José Kentenich costumava designar o ‘tu’ no processo educativo. Além disso, necessita possuir determinadas qualidades que deveria desenvolver ao máximo: paciência, perseverança, reserva, capacidade de escutar, o devido equilíbrio entre proximidade e distância e, sobretudo, um elevado grau de desprendimento de si e capacidade de sacrifício e de amar.
Isso não se aprende na faculdade de pedagogia. Assim, José Kentenich aponta caminhos que permitem adquirir este perfil, inserindo neles a força formadora sobrenatural e, sobretudo, Maria como educadora carismática.
Praticamente nenhum elemento fortalece a personalidade como a experiência individual de valorização que José Kentenich transmitia. Ele assume como princípio a rara atitude de amar incondicionalmente, sem segundas intenções, desprendidamente. Valorização autentica e amor despertam no aluno algo essencial que o motiva à autoeducação: “Tu és importante para mim. Mereces honra e dignidade. És original e ímpar”.
*Trechos resumidos e isolados da palestra.
O Congresso é uma oportunidade única e singular para mostrar ao mundo e, de forma particular, ao mundo acadêmico a força, a atualidade da Pedagogia Kentenichiana para a educação atual.
A doutora Ir. M. Dorothea apresenta um texto claro, objetivo, onde pinça com propriedade os pontos fortes e marcantes do pensamento pedagógico do Pe Kentenich. Parabéns Irmã, quiça possamos vitalizar nas nossas salas de aula o dito, vivido e apresentado no Congresso.