A Quaresma, um dos ciclos da liturgia anual, nos convida a percorrer um caminho de espiritualidade, a qual nos fornece fermento para nossa fé diária
Pe. Vandemir Jozoé Meister – Tem um ditado popular que diz: “Se quiseres chegar rápido, corra sozinho; se quiseres chegar longe, vá acompanhado”. Este adágio serve para nós neste tempo. A Quaresma não é um tempo de assumir atitudes e fazer o caminho sozinho. Isso somente corresponderia a uma espiritualidade individualista. A Quaresma nos convida a tomarmos atitudes individuais para vivermos uma maior plenitude comunitária. O comunitário é o meio para chegarmos à meta última, que é o Deus Trino.
Somos convidados a fazer o caminho da Quaresma “juntos” para chegarmos longe. “A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai. Sucede às vezes, no meio destes pequenos detalhes, que o Senhor, por um dom do seu amor, nos presenteie com consoladoras experiências de Deus.” [1]
Caminho comunitário
Este tempo quaresmal, imediatamente, nos leva a pensar em penitência, renúncias, sacrifícios, etc. De que adianta isso, se não estiver integrado com a fé comunitária para alcançarmos aquilo. O destino da minha fé está entrelaçado com a do outro. Aqui, então, se vislumbra a importância de uma preparação pessoal para fazer juntos o caminho comunitário. Uma preparação pessoal para tornar a jornada da caminhada comunitária mais suave e juntos ir longe.
A renúncia terá sentido assim, se me capacita à austeridade, fortaleza da alma, para enfrentar, na jornada, as dificuldades que advirão sem oscilar minha fortaleza interior. Me capacito para peregrinar junto com meus irmãos, este caminho de fé proposto pelo tempo quaresmal. E tudo que faço, faço pensando no Senhor.
“Aquele que distingue os dias, é para o Senhor que os distingue, e aquele que come, é para o Senhor que o faz, porque ele dá graças a Deus. E aquele que não come, é para o Senhor que não come, e ele também dá graças a Deus. Pois ninguém de nós vive e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos… Com efeito, Cristo morreu e reviveu para ser o Senhor dos mortos e dos vivos. Por que julgas teu irmão? E tu, por que o desprezas? Pois todos nós compareceremos ao tribunal de Deus” (Rm 14, 6-10).
Cruz da Unidade
O tempo de Quaresma me traz à contemplação a imagem da Cruz da Unidade. Maria junto com Cristo na Cruz. Vejo, nesta imagem estática, toda uma atitude dinâmica de vida, a atitude de Maria acompanhando a missão do seu Filho. Maria faz um caminho de fé comunitária. Sabendo-se Mãe do Salvador, partilhou essa missão com sua prima Isabel, com São José, com sua família, com os discípulos e apóstolos, com todas aquelas pessoas que a rodeavam. O maior testemunho foi seu olhar de fé no alto do Calvário, no sofrimento do Filho.
Somente um olhar de fé poderia compreender a missão do Filho e aquele sofrimento no alto da cruz. Maria contempla os olhos sofredores de Cristo desde a fé, e não com um rosto de indignação e resignação.
Caminho da Quaresma
Maria também quer nos ensinar a percorrer o caminho da Quaresma com sua atitude de fé. Mostrar-nos, a partir de sua experiência, que fazemos todas as atividades para o Senhor. Ela quer nos educar à imagem de seu Filho.
Sua experiência de Educadora quer nos presentear, para que nos aproximemos mais como filhos e filhas do Senhor. “A face que a Cristo mais se assemelha é Maria”, dizia Dante Alighieri. Nada menos que Ela, para indicar o que melhor nos aproxima de seu Filho. Ela, toda Mãe, toda Educadora. Ela nos precedeu na Fé em Jesus Cristo. Ela sabe o caminho. Ela é a “Odigitria“, aquela que indica o caminho – seu Filho.
Não vamos optar por um chegar rápido, mas vamos optar por um chegar longe, acompanhados por Maria, que melhor nos indica o caminho, e aprendendo uns com os outros a caminhar. O caminho da Quaresma não é símbolo de rosto fechado, de cara “amarrada” ou, ainda, de cara de sofrimento, em função das renúncias quaresmais. É um caminho de alegria. De alegria porque estamos com o Senhor.
Alegria interior
O Pe. José Kentenich fala da alegria interior, invocada por Maria ao Espírito, para Ela e para nós. “Reportemo-nos espiritualmente até a sala da Última Ceia, ao Cenáculo. ‘Et erant omnes perceverantes unanimiter in oratione cum Maria, Matre Jesu (At 1,14). Estavam todos reunidos unanimemente em oração com Maria, Mãe de Jesus’. Sabemos que um profundo espírito mariano, um profundo espírito de oração e um profundo espírito de solidão nos deve acompanhar. A Mãe de Deus junta as mãos conosco. Formamos com Ela uma família. ‘Emitte Spiritum tuum – envia o vosso Espírito’, o espírito da perfeita alegria…, e nossa vida haverá de passar por uma transformação nova, intensa e interior!”. [2]
Papa Francisco nos remete também a uma realidade cotidiana da alegria. “O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espirito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’ (Rm 14,17), porque, ‘do amor de caridade, segue-se necessariamente a alegria. Pois quem ama sempre se alegra na união com o amado. (…) Daí que a consequência da caridade seja a alegria’. Recebemos a beleza da sua Palavra e abraçamo-la ‘em plena tribulação, com a alegria do Espírito Santo’ (1Ts 1,6) Se deixarmos que o Senhor nos arranque da nossa concha e mude a nossa vida, então poderemos realizar o que pedia São Paulo: ‘Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: Alegrai-vos!’ (Flp 4,4)” [3].
As cinzas que recebemos, na Quarta-feira, seja o símbolo de nossa pequenez diante do Deus Altíssimo, sinal de uma vida alegre no Senhor que ressuscita para nos mostrar o caminho da plenitude de vida.
Pe. Vandemir Jozoé Meister, ISch.
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[1] Papa Francisco: Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, n◦ 145.
[2] Pe. Kentenich: Viver com Alegria
[3] Papa Francisco: Exortação Apostólica Gaudete et Exultate, n◦ 122
Foto: Actualidade Religiosa