Leia a primeira parte do texto
Sabe como funciona a participação da Igreja Católica nas Nações Unidas? Pedro Paulo Weizenmann, que atualmente faz um estágio na missão da Santa Sé, nos explica os detalhes, acompanhe…
A presença da Santa Sé na ONU
A Santa Sé atua como um “estado observador permanente” na ONU e está presente desde 1964 nesta capacidade. Os papas que passaram pela sede, em Nova York – Paulo VI, João Paulo II (duas vezes), Bento XVI, Francisco – sempre enfatizaram a necessidade de uma organização como essa e o bem que ela pode trazer à humanidade. Mas eles também sempre apontaram que a ONU está em constante necessidade de reforma, para seguir mais de perto os ideais pelos quais ela foi fundada. A Igreja sempre viu com bons olhos essa Organização, mas também nunca deixou de criticar os pontos nos quais ela falha ao cumprir os seus ideais – como, por exemplo, não representar igualmente os países, ou não colocar em prática as resoluções que adota.
O Papa Paulo VI mencionou algo interessante, que eu acho muito bonito, quando ele visitou a sede. No seu discurso para a ONU, disse: “Vós existis e trabalhais para unir as nações, para associar os Estados […] para harmonizar uns com os outros. Vós sois uma associação. Vós sois uma ponte entre os povos. Vós sois uma rede de relações entre os povos. Estaríamos tentados a dizer que a vossa característica reflete, de certa maneira, na ordem temporal, o que a nossa Igreja católica quer ser na ordem espiritual: única e universal” [1]. Então, a organização que mais perto se parece com a Igreja Católica Universal, na sua catolicidade, são as Nações Unidas, na qual cada nação do mundo está representada numa forma ou noutra.
Membro observador
Como estado observador permanente, a Santa Sé faz parte de todas as negociações que se dão na ONU. O fato de sermos um estado observador permanente – e não um Estado Membro – significa que nós não podemos votar ou nos candidatar para algumas posições oficiais da ONU ou introduzir resoluções na Assembleia Geral. Somos “observadores” por escolha própria, foi uma opção que a própria Santa Sé, sob São João Paulo II, fez para garantir a neutralidade da Igreja em certos tópicos. Mas, apesar disso, participamos de todo o resto e de todas as negociações que desejamos. E o fato de não poder votar, para falar a verdade, não faz tanta diferença, porque a maioria das decisões são tomadas por consenso. Então, o que realmente importa são as negociações – e aí a Santa Sé é uma das delegações que participa muito ativamente.
Uma das questões que nos é colocada, às vezes, diz respeito aos ideais católicos, que podem parecer difíceis de se aplicar na realidade da Organização. Eu acredito que a Santa Sé está aqui justamente para isso, para conectar os nossos grandes ideais da Igreja (a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a defesa da vida e da família, etc.), com os problemas fundamentais que são tratados. Assim, muitas vezes os ideais da ONU estão muito próximos daquilo em que a Igreja Católica acredita, em termos de desenvolvimento econômico, de direitos humanos, de segurança, de direito internacional… Os ideais católicos contribuíram bastante, na época da fundação da ONU, para inspirar essas questões. Mas, na prática do dia a dia, às vezes pode acontecer desses ideias serem esquecidos, então acredito que a Santa Sé esteja aqui justamente para lembrar a todas as delegações sobre os ideais primordiais e conectá-los com os problemas fundamentais, em vez de resolver as coisas apenas superficialmente.
Pautas atuais
Em termos práticos, algo em que a Santa Sé atua muito firmemente na ONU é o combate à ideologia de gênero, por exemplo. Outro ponto é aquilo que algumas delegações tentam avançar com o rótulo de “direitos reprodutivos”; isso, grande parte das vezes, faz referência ao aborto. Algumas delegações tentam colocar o aborto como um direito humano, ao invés de reconhecer que o direito humano primordial é a vida. A Santa Sé é uma grande defensora dos direitos humanos e tem uma profunda fundamentação para isso. Nesse sentido, outra pauta muito presente, hoje em dia, é a promoção dos direitos dos imigrantes e refugiados. A Santa Sé teve um papel essencial nas negociações do Pacto Global para Migração e tem se posicionado muito fortemente em favor dos imigrantes e refugiados. Essas são algumas das questões práticas que são bem fortes para a atuação da Igreja atualmente.
Acredito que a Santa Sé esteja numa situação especial na ONU por não representar um interesse nacional por si só, mas por representar justamente os ideais em que a gente acredita. Por causa disso, a Santa Sé, me parece, é também muito respeitada, porque as nossas posições são embasadas em questões que literalmente têm mais de 2 mil anos de fundamentação.
[1] Discurso do Papa Paulo VI na sede da ONU, 4 de outubro de 1965. Disponível em: w2.vatican.va