Inicia hoje, 6 de outubro de 2019, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que foi convocada pelo Papa Francisco.
Até o dia 27 de outubro, 250 pessoas estarão reunidas em Roma. Entre elas estão diversos bispos, chefes de Dicastérios da Cúria Romana, membros nomeados diretamente pelo Papa, superiores gerais de algumas comunidades, especialistas, auditores, delegados fraternos e convidados especiais.
O Pe. Fabio Siqueira, sacerdote da Arquidiocese do Rio de Janeiro/RJ e vice-diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida, doutorando em Teologia Bíblica, explica mais detalhes sobre o Sínodo. O texto foi publicado pelo site de notícias do Vaticano (vaticannews.va/pt) em língua portuguesa.
1) O que significa a palavra “sínodo”?
O termo “sínodo” deriva do grego “sýnodos”, que significa “reunião”. O termo é composto pelo prefixo “syn” (junto com/junto de/junto a) e pelo substantivo “hodós” (caminho). O verbo grego synodéo significa “fazer um caminho com alguém”.
2) O que é o “Sínodo dos Bispos”?
A Constituição Dogmática Lumen Gentium (n. 22) apresenta o episcopado como um “Colégio” que tem à sua frente o sucessor de Pedro, o Papa. Assim procedendo, o documento deixou claro que cabe aos bispos, sempre em união com o Romano Pontífice, em virtude do múnus de ligar e desligar que também receberam, enquanto sucessores dos Apóstolos, participar ativamente nas decisões que afetam a vida eclesial.
A constituição, de fato, deste Sínodo se deu em 15 de setembro de 1965, pelo Papa Paulo VI, através da Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Apostolica Sollicitudo”. Ali se define o que é o Sínodo dos Bispos, de acordo com o pensamento dos padres conciliares expresso na Lumen Gentium. A função do sínodo é “consultiva” (edocendi et concilia dandi se afirma no original latino). Contudo, o Sínodo pode ter uma função deliberativa, sendo que esta precisa ser ratificada pelo Romano Pontífice.
O decreto Christus Dominus, sob o múnus pastoral dos bispos na Igreja, assim se exprime no seu n. 5 com relação ao Sínodo dos Bispos recém instituído: “Alguns Bispos das diversas regiões do mundo, escolhidos do modo e processo que o Romano Pontífice estabeleceu ou vier a estabelecer, colaboram mais eficazmente com o pastor supremo da Igreja formando um Conselho que recebe o nome de Sínodo Episcopal. Este Sínodo, agindo em nome de todo o Episcopado católico, mostra ao mesmo tempo que todos os Bispos em comunhão hierárquica participam da solicitude por toda a Igreja”.
3) Por que um Sínodo sobre a Amazônia?
Em primeiro lugar, porque a Igreja se preocupa com todos os fiéis e, também, com os problemas do mundo em geral. Existem muitos cristãos na Amazônia que estão desassistidos: passam meses, senão anos, sem os sacramentos. Existe uma enorme escassez de clero naquela região. E, além disso, existem problemas sociais gravíssimos em todas áreas: educação, saúde, mobilidade etc. Um outro problema que assola a região amazônica é a questão ecológica.
A preocupação com a ecologia não é uma novidade do ministério do Papa Francisco. O apelo a que se cuide do planeta tem ecoado no Magistério dos últimos Papas. Aqui recordamos o ensinamento de Paulo VI; São João Paulo II; o Papa Emérito Bento XVI e, por último, o atual Pontífice, Francisco:
Papa Paulo VI (Carta Apostólica Octogesima Adveniens, 21 – 14/05/1971)
“À medida que o horizonte do homem assim se modifica, a partir das imagens que se selecionam para ele, uma outra transformação começa a fazer-se sentir, consequência tão dramática quanto inesperada da atividade humana. De um momento para outro, o homem toma consciência dela: por motivo da exploração inconsiderada da natureza, começa a correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente, poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é mesmo o quadro humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global, que poderá tornar-se-lhe insuportável. Problema social de envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana”.Papa São João Paulo II (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1990)
“Perante a difusa degradação do ambiente, a humanidade já se vai dando conta de que não se pode continuar a usar os bens da terra como no passado. A opinião pública e os responsáveis políticos estão preocupados com isso; e os estudiosos das mais diversas disciplinas debruçam-se sobre as causas do que sucede. Está assim a formar-se uma consciência ecológica, que não deve ser reprimida, mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas”.Papa Emérito Bento XVI (Carta Encíclica Caritas in Veritate, n. 48 – 29/06/2009)
“O tema do desenvolvimento aparece, hoje, estreitamente associado também com os deveres que nascem do relacionamento do homem com o ambiente natural. Este foi dado por Deus a todos, constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira”.Papa Francisco (Carta Encíclica Laudato Sì, n. 14 – 24/05/2015)
“Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas, dizem respeito e têm impacto sobre todos nós”.
Basta uma breve pesquisa pelas notas de rodapé da Laudato Sí, e dos outros documentos citados acima, para percebermos que o discurso cristão católico sobre o meio ambiente já dura décadas e já se tornou parte integrante do que chamamos Doutrina Social da Igreja. Portanto, não deveria causar tanta estranheza nos fiéis um Sínodo que fale sobre a Amazônia, que se preocupe com questões relativas à ecologia.
Contudo, os mais acalorados debates não têm sido somente sobre o envolvimento da Igreja no desejo de dar o seu parecer a respeito do cuidado devido ao planeta, enquanto casa comum. A grande sombra que se lança no sínodo da Amazônia vem de uma das propostas que foram recolhidas no Instrumentum Laboris que diz respeito à ordenação de homens casados para o ministério presbiteral.
4) O que é um Instrumentum Laboris?
Antes de entrar nesse tema do celibato, vale ressaltar que o Instrumentum Laboris é o que o seu nome diz: um “instrumento de trabalho”. Fruto de uma larga consulta, feita a todos os estamentos da Igreja, o “instrumento” tem como função mostrar os diversos aspectos do problema que se quer tratar, suas nuances, o modo como isso afeta a vida da Igreja e quais as propostas que vêm das bases para serem discutidas pelos bispos e APROVADAS OU NÃO. Isso mesmo: APROVADAS ou NÃO.
Quem vai decidir se tais propostas são válidas ou não, são os bispos juntamente com o Papa, que ratificará ou não suas decisões, uma vez que o Pontífice está acima do Sínodo e de qualquer colégio no que diz respeito ao seu tríplice múnus. O Sínodo pode aproveitar propostas, melhorar outras, rejeitar as que não forem convenientes e elaborar outras que melhor correspondam à fé e ao momento eclesial atual.
5) Ordenar homens casados é uma “heresia”?
Em primeiro lugar, devemos entender o que é “heresia”. O conceito de heresia está no n. 751 do Código de Direito Canônico: Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do Batismo, de qualquer verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela. Não pode haver heresia se não há negação de uma “verdade de fé”, ou seja, de um “dogma”. Ora, o celibato não é um dogma, mas uma disciplina eclesiástica, que pode mudar ou não, de acordo com o juízo do magistério eclesial.
As Igrejas ortodoxas e mesmo as Igrejas católicas de rito oriental possuem uma disciplina diferente. Os padres casados dessas Igrejas seriam “hereges”? Seria um absurdo fazer tal afirmação. Lembremo-nos que, antes do Concílio Vaticano II, não se ordenavam homens casados para o diaconato e agora se ordenam os viri probati. Seriam os diáconos casados “hereges”? Querer intitular como heresia uma simples proposta que ainda não foi nem discutida e nem, muito menos, aceita, pode ser um absurdo. Isso só pode se dar por puro desconhecimento de conceito ou, na pior das hipóteses, por má fé.
6) O que devemos fazer?
Devemos, em primeiro lugar, rezar com respeito filial pelos bispos e pelo Santo Padre, para que o Espírito Santo do Senhor os ilumine na sua jornada sinodal. Lembremo-nos de At 12,5: “Mas, enquanto Pedro estava sendo mantido na prisão, fazia-se incessantemente oração a Deus por parte da Igreja, e favor dele.” A Igreja primitiva “rezava por Pedro”. Vemos muitos que se dizem cristãos manchando o bom nome de Pedro, defraudando a imagem de nosso querido Papa Francisco.
Depois, devemos nos recordar do que ensina o Código de Direito Canônico no cânon 753: “Os Bispos, que se acham em comunhão com a cabeça e os membros do Colégio, quer individualmente, quer reunidos nas Conferências dos Bispos ou em concílios particulares, embora não gozem da infalibilidade do ensinamento, são autênticos doutores e mestres dos fiéis confiados a seus cuidados; os fiéis estão obrigados a aderir, com religioso obséquio de espírito, a esse autêntico Magistério dos bispos”.
Se um clérigo isolado ou determinado grupo ou associação de fiéis manifesta claro desprezo pelo Pontífice e incita o povo a deixar de seguir seus ensinamentos, os fiéis em comunhão com o Papa não devem se deixar influenciar por estas opiniões pessoais ou ataques, pois um bom católico não segue quem busca dividir a Igreja de Cristo.
Fonte: vaticannews.va/pt
Foto: synod.va