No Encontro de Outubro, em Schoenstatt, neste ano de 2020, Pe. Kurt Faulhaber deu uma palestra que colabora muito para uma reflexão objetiva sobre a situação atual em relação ao nosso Fundador, Pe. José Kentenich. Publicamos alguns recortes de sua palestra, devido ao texto ser longo. Mas, no final, encontra-se em PDF, para que se leia na íntegra toda essa parte que publicamos.
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Pe. Kurt Faulhaber – Nos últimos anos de sua vida, Pe. José Kentenich sempre esperou o momento no qual os conflitos pacificados (pelas acusações) começariam de novo, sim, ele queria “provocá-los”. Ainda não “amanhã ou depois de amanhã”, disse ele ao nosso Curso (de sacerdotes), quatro semanas antes da sua morte.[1] Agora – após decênios – parece ter chegado o “depois de amanhã”.
Por que ele permaneceu em silêncio depois do exílio? Após o seu regresso, ele experimentou que a Família de Schoenstatt ainda não estava madura para a continuação das lutas. Ela precisava primeiro ser “transformada interiormente” e, acima de tudo, primeiro tinha de ser novamente unida.
Deus quer que o que é atacado se torne tema principal. Isso é um princípio do nosso Pai. Agora temos o nosso tema! Parece ter terminado o tempo em que Schoenstatt gostaria de ser acariciado pelas autoridades da Igreja. Parece que nosso Pai quer conduzir-nos à discussão em todas as questões críticas que a Igreja enfrenta, pelo menos aqui na Alemanha, e que são suscetíveis de chegar a um ponto culminante e que são para a Igreja universal.
Antigamente, ele perguntou ao Padre Menningen: “Alex, vais comigo?” Hoje, ele pergunta para nós: “Minha Família de Schoenstatt, vais comigo?”
Nós perguntamos: Para onde? O que pretende nosso Pai com esta renovada discussão em torno da sua pessoa? Como seria este nosso ir com ele?
Naquele tempo, foi a luta de nosso Pai com a Igreja para encontrar o seu caminho. Ele quer continuar essa luta, porque na totalidade da Igreja irrompeu uma luta impetuosa para encontrar o seu caminho.
“Schoenstatt para a Igreja!”
“Dilexit Ecclesiam” – lemos sempre que estamos diante do sarcófago de nosso Pai. Não se trata, em primeiro lugar, de Schoenstatt, mas da Igreja. Quando nosso Pai lutou com os bispos alemães e com as autoridades em Roma, ele colocou em jogo a existência de Schoenstatt. Ele via a Igreja em perigo, de tal forma que estava pronto a sacrificar Schoenstatt.
Objeto do ataque: a relação Pai-filho
O que foi e o que é, portanto, atacado para que nos ocupemos com este tema como nossa tarefa?
O Pe. Kentenich é hoje novamente acusado de “abuso sistemático de poder e um caso de abuso sexual”. Assim os visitadores, em seu relatório para Roma, descrevem “a imagem de um fundador altamente manipulador que impede, sistematicamente, as Irmãs de exercer sua liberdade de consciência”.[2]
Qual é a realidade que há detrás desta distorção? Que o Pe. Kentenich doou-se completamente, como pai e deixou-se vivenciar como pai, que não só permitiu emoções e vinculações afetivas à sua pessoa, mas, as afirmou, promoveu e cultivou. Tudo isto, a partir da experiência de que essas emoções e vinculações à sua pessoa eram transferidas para Deus Pai e, por este meio, crescia nelas uma experiência vital de Deus Pai e uma indissolúvel vinculação a Deus.
Assim, as experiências filiais revitalizadas ou que não tinham sido experimentadas eram supridas, as pessoas adultas, neste relacionamento pai-filho, se vivenciam e se desdobram como filhos e nisto fazem uso de uma linguagem filial, desenvolvem imagens filiais, que nem sempre são tão perfeitas (isto é, que não são tão artísticas, como fazem as crianças), cantos e símbolos. E tudo isto está a serviço daquilo que Jesus diz para cada pessoa, quando ensina que para entrar no Reino dos céus é preciso tornar-se criança. (cf. Mt 18,2).
Posso compreender a pessoa que fica chocada com isso. Após uma década de escândalos de abusos na Igreja, milhares de casos, todos esses processos de vida, aos olhos da publicidade, perdem a sua inocência, a sua pureza. Quer queiramos ou não, são associados a abusos espirituais.
Temos todos os motivos para esperar que as acusações de abuso sexual sejam esclarecidas. Porém, apenas começou a tarefa de distinguir este mundo espiritual pai-filho de abuso espiritual, sim, de mostrar a sua importância para a época e ajudar para que seja conhecido.
Família de Schoenstatt, vais comigo?
Os acontecimentos em torno da Causa Kentenich parecem-me ser o apelo de Deus a nós, pedindo a nossa contribuição para a Igreja hoje.
Novos alicerces da vida da alma[3]
A orientação nas vozes das almas é completamente indispensável para os tempos de uma nova fundação de Schoenstatt. Nosso Pai escreve sobre isso ao Pe. Menningen (abrevio o citado): “Deixa-me contar-te como… desde 1919, Schoenstatt formou-se. Depois de ter aberto os corações e criado certa atmosfera por meio de algumas palestras, minha atividade principal foi: dia e noite, estar à disposição de cada um, para ajudá-lo a resolver seus problemas psíquicos, para servi-lo… para resolver os complexos (conjuntos de fatores) psíquicos, especialmente as neuroses obsessivas intensificadas durante a guerra.”[4]
Minha experiência: respeito e dedicação
Em minha conversa pessoal com nosso Pai, que durou umas duas horas, à noite, chamou-me a atenção o seguinte: como eu não conseguia falar nada, ele teve que conduzir a conversa, fazendo perguntas. Não fez nem uma pergunta indiscreta, somente aquilo que se pode perguntar tomando um copo de cerveja e na presença de outros: como eu pagava meus estudos, quais eram meus temas preferidos, quem cozinhava para nós etc. Porém, seu interesse fez com que eu, aos poucos, começasse a contar-lhe, sempre mais, também sobre mim pessoalmente e, depois de aproximadamente uma hora e meia, consegui finalmente dizer-lhe porque eu estava ali, o que era importante para mim e o que me preocupava.
De um lado, experimentei a sua grande discrição e reserva, seu respeito por minha personalidade e liberdade. Por outro lado, como ele entrava nas profundezas da alma quando eu livremente a abria. Se faltasse esse respeito pela liberdade, se trataria de abuso espiritual. Conforme a minha experiência, não percebi nenhum sinal disto.
Estar atento às necessidades
Então, como se faz esse caminho a partir do exterior para o interior da vida, da superfície para a profundeza da alma? Como nosso Pai mesmo diz, quando ele se encontrava com uma pessoa, observava quais as necessidades[5] dela, mas não só pelo que era expresso, mas também pelo que não era expresso. Não só por aquilo que a pessoa estava consciente, mas também pelo que permanecia inconsciente.[6] O caminho das necessidades o conduziu a uma profundidade cada vez maior. Assim diz nosso Pai: “Com o tempo, vivenciei-me, cada vez mais, como um escavador de tesouros, que podia extrair dos secretos e mais secretos e profundos filões de ouro, de nobres almas femininas, abundante metal nobre que, naturalmente, em vários sentidos, necessitava de purificação e clareamento.”[7]
Amar e ser amado
Para continuar com esta imagem: ao descer às profundezas das necessidades, ele percebia como todas as necessidades se resumiam numa única: ser amado e poder amar. Esta é a raiz da qual provêm todas as necessidades. O insaciável desejo de amar e ser amado se manifesta de diversas formas: amor maternal, amor paternal, amor conjugal/matrimonial, amor fraternal, amor de amizade e – o mais profundo e mais original: amor filial.
Transmissão a Deus
Agora vem uma visão inovadora e de grande importância: aqui está o mais profundo da fonte da experiência de Deus e do relacionamento com Deus. A experiência básica, inteiramente humana da alma – ser desejado, amado, aceito, abrigado – pode ser transferida para Deus. Pode ser, não é que tem de ser – pois isso é graça. Com palavras bíblicas: aqui a Palavra se fez carne e habitou na alma do ser humano.
Ele reconhece: se o relacionamento com Deus não for alimentado desta fonte humana, que permite que se torne vital, emocional e possa penetrar a pessoa até as profundezas inconscientes da alma, então Deus permanece uma ideia sem experiência; uma prática sem alma, a qual se pode facilmente abandonar. Atualmente, estamos experimentando isso como um fenômeno das massas.
Experimentar Deus no pai humano
Pe. Kentenich, durante décadas, colocou sua pessoa quase excessivamente em segundo plano. Mas, mudou radicalmente sua atitude, quando chegou ao reconhecimento da importância da experiência de Deus por meio de um pai humano: então permitiu que nele, como um ser humano paternal, Deus tornasse vivenciável a Sua paternidade e Sua atuação divinas, permitiu que se desenvolvessem vínculos espirituais com sua pessoa (do Pe. Kentenich) e, por estes vínculos, atraísse a Si, como Deus Pai, os corações humanos.[8]
E ainda: nosso Pai consentiu que as pessoas expressassem, desenvolvessem, externassem de diversas formas suas necessidades de se doarem como filho. Na confiança de que, também na imaturidade, no exagero, se oculta ouro verdadeiro. Ele fez tudo o que era necessário para esse ouro ser purificado
Ele aceitou incompreensões
Permitam-me falar de maneira bem humana: tudo isto se tornou o infortúnio do Pe. Kentenich. Com isto, ele se ofereceu como alvo para ser mal-compreendido, atacado, suspeito, insuportável – até hoje! Assumiu tudo isso de olhos bem abertos. Por amor a Deus: para abrir um caminho para Ele na alma das pessoas.
Por amor à humanidade de hoje: para mostrar-lhe um caminho que leva a Deus, enquanto o coração humano O procura. Por amor a Igreja: para desenvolver para ela uma evangelização correspondente a pedagogia e a psicologia adequadas para o ser humano de hoje.
Como reagimos a ela, no espírito de nosso Pai?
Repito: Tomemos como nossa tarefa o que é atacado! Este é o caminho da vida da alma, a orientação nas vozes das almas. Prossigamos seu caminho! E para dentro da publicidade da Igreja!
LEIA AQUI o texto acima sem recortes
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[1] “Devem, portanto, tomar isto por certo, também devem esperar que talvez amanhã ou depois de amanhã ainda não. Em todo o caso, eu pessoalmente farei tudo para não iniciar uma luta no âmbito público da Igreja, com fiz no passado. Isto virá um dia, mas agora ainda não. Agora, temos de ver que estejamos unidos, que nos tornemos mais coesos… Primeiro temos de representar uma potência, então, será o momento de ousar subir ao palco da luta, para dali promover uma discussão com a Igreja… primeiro temos que nos consolidar, que nos unir, para que nenhum poder do mundo, mas também nenhum poder do inferno consiga nos separar… Preparar-nos para representar uma torre, uma torre indestrutível nos conflitos não insignificantes com os quais podemos e devemos contar.” (Aus der Ansprache zur Kursweihe des Pilgerkurses am 17. 08. 1968)
[2] Die Tagespost vom 14. 10. 2020
[3] “Ter o olhar sempre voltado para a vida espiritual dos seguidores… Quem quiser ler a vontade e o desejo de Deus nas almas precisar estar em permanente contato com eles, precisa entender como abrir as almas, ler nelas e, aos poucos, passar para toda a Família o que leu.” Brief an P. Menningen zu Fragen der Neugründung vom 9. 12. 1953
[4] Brief vom 9. Dezember 1953 aus Milwaukee
[5] Pe. Kentenich wörtlich: „alle Regungen und Wünsche“
[6]. Apologia pro vita mea, Milwaukee 1960 S. 90 (099)
[7] Apologia pro vita mea, Milwaukee 1960, S. 105 (117)
[8] vgl. Hos 11,4: „Mit menschlichen Fesseln zog ich sie, mit Banden der Liebe.“