O que é a cruz para nós? Como a recebemos em nossa vida?
Juliana Gelatti Lovato – Hoje a Igreja celebra a Exaltação à Santa Cruz, festa que busca atrair nossos olhares para o santo madeiro que nos trouxe a Salvação Eterna. À época de Jesus, a cruz era apenas um instrumento de tortura, e dos mais cruéis, reservado aos piores criminosos. Olhar para a cruz na qual alguém havia sido morto era lembrar-se dos pecados e crimes que aquela pessoa cometeu e merecidamente pagou. Para os cristãos, por outro lado, a cruz tem o sentido oposto: aquele que não tinha pecados carregou-a voluntariamente para expiar os erros da humanidade inteira. Em vez de instrumento de tortura é, para nós, escada para o Céu.
Esse entendimento, contudo, não vem por “osmose” quando contemplamos um crucifixo. Pelo contrário, se distraídos, a imagem dolorosa pode gerar em nós sentimentos de repulsa. É necessário meditar sobre o mistério da cruz e da nossa redenção. Esse mistério está embebido no amor infinito de Deus, que por sua bondade deu “o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
Meditar sobre os sofrimentos de Cristo em sua Paixão e morte leva-nos a refletir sobre as nossas pequenas cruzes, que carregamos durante a vida. Nossos sofrimentos pessoais, que não escolhemos e tentamos evitar, mas que cabe a nós abraçar e carregar pelo tempo necessário. Ser contemplado com um sofrimento em vida é, dizem os santos, um sinal da predileção do amor de Deus por nós, que busca aproximar-nos de Seu Filho pela dor.
Ao passar por um momento doloroso, de doença própria ou na família, de morte, de incertezas, dívidas e tantos outros exemplos, muitas vezes vem o questionamento: por que eu? Por que agora? Para que tanto sofrimento? Nessas horas, é necessário que voltemos nosso olhar para a Cruz, tirando-o de nós mesmos. Ao contemplar as dores físicas e espirituais de Jesus desde a sua agonia até sua morte, vemos o quão pequena é a lasca da cruz que nos coube.
Somos também pequenos, e custa carregar esse fragmento, mas tudo que Deus permite em nossa vida deve ser aproveitado para nossa própria santificação. Não é que aquele sofrimento seja necessário para que nós nos santificássemos. Deus não quer o sofrimento para nós, Ele nos ama e reservou toda a punição para Seu Filho. Mas cada pequeno e grande acontecimento em nossa vida deve ser abraçado como um sinal do amor de Deus por nós, deve ser superado como um pequeno degrau que nos aproxima Dele.
Pe. José Kentenich ensinou-nos a buscar viver os desafios da vida com liberdade interior. Não sentir-nos como condenados quando uma cruz é colocada sobre nossos ombros. Mas reconhecê-la e abraçá-la voluntariamente, como se tivéssemos, sim, escolhido viver esse momento doloroso por amor a Deus.
É necessário, também, crer que Deus não nos desampara. Mas concede as graças e a força que precisaremos para enfrentar as situações difíceis, basta pedirmos e acreditarmos. Talvez você tenha testemunhado alguém que enfrentou um grande sofrimento: a doença de um filho, a morte prematura de um familiar… e talvez tenha até comentado “como ele é forte, está enfrentando isso com uma força muito grande”. Mas se conversar com a pessoa talvez ouça que ela se sentiu fraca e pequena o tempo todo, amparada com uma força que não era sua. É exatamente isso que acontece quando buscamos unir nossa dor à Cruz de Cristo, sofrer com Ele, buscar em Deus o consolo e a fortaleza para superar nosso sofrimento.
“Não vos inquieteis com nada!”, diz-nos São Paulo, “Em todas as circunstâncias apresentai a Deus as vossas preocupações, mediante a oração, as súplicas e a ação de graças. E a paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo Jesus. (…) Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 6-7.13). Portanto, se um sofrimento inquieta-me a ponto de eu perguntar: o que Deus quer com isso? A minha primeira resposta deve ser de humildade, de buscar ajuda, aumentar nossas súplicas e orações, e não tentar vencer por nós mesmos, pois sem Deus, nada podemos fazer. Ele enviou Seu Filho para ser crucificado, mas também mandou-nos o Espírito Santo, o consolador, aquele que infunde em nós a Fé, a Esperança, o Amor – inclusive o amor à cruz –, a paciência, a perseverança, a fortaleza… todos os dons e virtudes necessários para a nossa vida. Minha primeira resposta, portanto, deve ser de reaproximar-me, reconciliar-me com Deus. Para que Ele habite em mim e, assim, conceda as graças e as forças de que preciso.
História
A tradição de celebrar a Santa Cruz teve origem no ano de 335, quando a Santa Cruz, que havia sido encontrada por Santa Helena, foi apresentada aos fiéis. A pedido dela, seu filho, o imperador Constantino, construiu duas importantes basílicas em Jerusalém: uma no Monte do Gólgota, local da crucificação, e outra em Anástasis, onde fica o Santo Sepulcro.
Séculos mais tarde, os persas roubaram a Santa Cruz durante a conquista de Jerusalém e o imperador Heráclio recuperou-a em 628, carregando-a às costas até Jerusalém. Por isso, a partir do século VII, comemora-se o seu resgate, com a Festa da Exaltação da Santa Cruz.
“Nós, porém, pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos” (I Cor 1,23).