Entrevista do Papa Francisco à mídia vaticana sobre ser genitores em tempo de Covid e o testemunho de São José, exemplo de força e ternura para os pais de hoje
Por Andrea Monda e Alessandro Gisotti
Santo Padre, o senhor convocou um Ano especial dedicado a São José, escreveu uma carta, a Patris Corde, e está realizando um ciclo de catequeses dedicado à sua figura. Que representa São José para o senhor?
Nunca escondi a sintonia que sinto em relação à figura de São José. Creio que isto provenha da minha infância, da minha formação. Desde sempre cultivei uma devoção especial a São José porque creio que a sua figura represente, de maneira bela e especial, o que deveria ser a fé cristã para cada um de nós. Com efeito, José é um homem normal e a sua santidade consiste precisamente em ter se feito santo através das circunstâncias boas e ruins que teve que viver e enfrentar. Porém, não podemos nem mesmo esconder o fato de que encontramos São José no Evangelho, sobretudo nas narrações de Mateus e Lucas, como um protagonista importante do início da história da salvação. De fato, os eventos que viram o nascimento de Jesus foram eventos difíceis, repletos de obstáculos, de problemas, de perseguições, de escuridão, e Deus, para ir ao encontro do Seu Filho que nascia no mundo, colocou ao seu lado Maria e José. Se Maria é aquela que deu ao mundo o Verbo feito carne, José é quem o defendeu, quem o protegeu, quem o nutriu, quem o fez crescer. Nele, poderíamos dizer que existe o homem dos tempos difíceis, o homem concreto, o homem que sabe assumir sua responsabilidade. Neste sentido, em São José se unem duas características. De um lado, a sua acentuada espiritualidade, que é traduzida no Evangelho através das histórias dos sonhos; essas narrações testemunham a capacidade de José de saber escutar Deus que fala ao seu coração. Somente uma pessoa que reza, que tem uma intensa vida espiritual, pode ter também a capacidade de saber distinguir a voz de Deus em meio às muitas vozes que nos habitam. Ao lado desta característica, há depois outra: José é o homem concreto, isto é, o homem que enfrenta os problemas com extrema praticidade, e diante das dificuldades e dos obstáculos, ele jamais assume uma postura de vitimismo. Coloca-se, ao invés, sempre na perspectiva de reagir, de corresponder, de entregar-se a Deus e de encontrar uma solução de maneira criativa.
Esta renovada atenção a São José neste momento de tão grande provação assume um significado particular?
O tempo que estamos vivendo é um tempo difícil, marcado pela pandemia do coronavírus. Muitas pessoas sofrem, muitas famílias estão em dificuldade, tantas pessoas são assediadas pela angústia da morte, de um futuro incerto. Pensei que em um momento tão difícil tínhamos necessidade de alguém que pudesse nos encorajar, nos ajudar, nos inspirar, para entender qual é o modo correto para saber enfrentar esses momentos de escuridão. José é uma testemunha luminosa em tempos sombrios. Eis porque era correto dar-lhe espaço neste momento, para poder encontrar o caminho.
Seu ministério petrino começou precisamente em 19 de março, dia da festa de São José…
Sempre considerei uma delicadeza do céu poder iniciar meu ministério petrino em 19 de março. Creio que de alguma forma São José quis me dizer que continuaria a me ajudar, a estar ao meu lado, e eu poderia continuar a considerá-lo um amigo a quem posso recorrer, em quem posso confiar, a quem pedir para interceder e rezar por mim. Mas certamente essa relação que se dá na comunhão dos Santos não é reservada somente a mim, penso que poderá ser de ajuda para muitos. Eis porque espero que o ano dedicado a São José tenha despertado no coração de muitos cristãos o valor profundo da comunhão dos Santos, que não é uma comunhão abstrata, mas uma comunhão concreta que se expressa em uma relação concreta e tem consequências concretas.
Na coluna sobre a Patris Corde, apresentada pelo nosso jornal (L’Osservatore Romano) durante o ano especial dedicado a São José, entrelaçamos a vida do Santo com a dos pais, mas também com a dos filhos de hoje. O que os filhos de hoje, ou seja, os pais de amanhã, podem receber do diálogo com São José?
Não nascemos pais, mas certamente todos nascemos filhos. Esta é a primeira coisa que devemos considerar, isto é, cada um de nós, para além do que a vida lhe reservou, é antes de tudo um filho, foi confiado a alguém, vem de uma relação importante que o fez crescer e que o condicionou no bem e no mal. Ter essa relação, e reconhecer a sua importância na própria vida, significa entender que um dia, quando tivermos a responsabilidade pela vida de alguém, ou seja, quando tivermos que exercer uma paternidade, levaremos conosco antes de tudo a experiência que tivemos em nível pessoal. E, portanto, é importante poder refletir sobre essa experiência pessoal para não repetir os mesmos erros e valorizar as coisas belas que vivemos. Estou convencido de que a relação de paternidade que José tinha com Jesus influenciou de tal modo sua vida, a ponto de a futura pregação de Jesus estar repleta de imagens e referências retiradas precisamente do imaginário paterno. Jesus, por exemplo, diz que Deus é Pai, e esta afirmação não nos pode deixar indiferentes, sobretudo pensando no que foi a sua experiência humana pessoal de paternidade. Isso significa que José foi um pai tão bom, que Jesus encontrou no amor e na paternidade deste homem a mais bela referência a dar a Deus. Poderíamos dizer que os filhos de hoje, que se tornarão os pais de amanhã, deveriam perguntar-se que pais tiveram e que pais querem ser. Não devem deixar que o papel paterno seja fruto do acaso ou simplesmente da consequência de uma experiência feita no passado, mas que conscientemente possam decidir como querer bem alguém, como assumir a responsabilidade por alguém.
O último capítulo da Patris Corde fala de José como um pai na sombra. Um pai que sabe como estar presente, mas deixa seu filho livre para crescer. Isso é possível em uma sociedade que parece recompensar apenas aqueles que ocupam espaço e visibilidade?
Uma das mais belas características do amor, e não apenas da paternidade, é precisamente a liberdade. O amor sempre gera liberdade, o amor nunca deve se tornar uma prisão, uma posse. José nos mostra a capacidade de cuidar de Jesus sem nunca tomar posse dele, sem nunca querer manipulá-lo, sem nunca querer distrai-lo da sua missão. Creio que isto seja muito importante como um teste à nossa capacidade de amar e também à nossa capacidade de saber dar um passo atrás. Um bom pai é assim quando sabe se retirar no momento certo para que seu filho possa emergir com a sua beleza, com a sua singularidade, com as suas escolhas, com a sua vocação. Neste sentido, em todo bom relacionamento, é necessário renunciar ao desejo de impor do alto uma imagem, uma expectativa, uma visibilidade, para preencher a cena completamente e sempre com um protagonismo excessivo. A característica de José de saber se colocar de lado, sua humildade, que é também a capacidade de ocupar um lugar secundário, talvez seja o aspecto mais decisivo do amor que José demonstra por Jesus. Neste sentido, ele é um personagem importante, ousaria dizer essencial na biografia de Jesus, justamente porque em determinado momento ele sabe como se retirar de cena para que Jesus possa brilhar em toda sua vocação, em toda sua missão. Na imagem de José, devemos nos perguntar se somos capazes de saber dar um passo atrás, de permitir que outros, e sobretudo aqueles que nos são confiados, encontrem em nós um ponto de referência, e nunca um obstáculo.
O senhor já denunciou várias vezes que a paternidade hoje está em crise. O que pode ser feito, o que a Igreja pode fazer para restaurar a força da relação pai-filho, que é fundamental para a sociedade?
Quando pensamos na Igreja, sempre pensamos nela como Mãe, e isto certamente não está errado. Ao longo dos anos, eu também tenho tentado insistir muito nesta perspectiva porque a maneira de exercer a maternidade da Igreja é através da misericórdia, ou seja, é aquele amor que gera e regenera a vida. Não é o perdão, a reconciliação, um modo através do qual somos recolocados em pé? Não é uma maneira através da qual recebemos novamente a vida porque recebemos outra chance? Não pode existir uma Igreja de Jesus Cristo a não ser através da misericórdia! Mas creio que devemos ter a coragem de dizer que a Igreja não deve ser apenas materna, mas também paterna. Ou seja, ela é chamada a exercer um ministério paterno, não paternalista. E quando digo que a Igreja deve recuperar este aspecto paterno, estou me referindo precisamente à capacidade inteiramente paterna de colocar os filhos em condições de assumir suas próprias responsabilidades, de exercer a própria liberdade, de fazer suas escolhas. Se por um lado a misericórdia nos cura, nos consola e nos encoraja, por outro o amor de Deus não se limita simplesmente a perdoar e curar, mas o amor de Deus nos leva a tomar decisões, a tomarmos o nosso caminho.
Às vezes, o medo, ainda mais neste momento de pandemia, parece paralisar este impulso…
Sim, este período da história é marcado por uma incapacidade de tomar grandes decisões na própria vida. Nossos jovens muitas vezes têm medo de decidir, de escolher, de se envolver. Uma Igreja é Igreja não só quando diz sim ou não, mas sobretudo quando encoraja e possibilita grandes escolhas. E toda escolha tem sempre consequências e riscos, mas às vezes por medo das consequências e riscos, ficamos paralisados e somos incapazes de fazer algo ou escolher algo. Um verdadeiro pai não diz a você que tudo vai sempre correr bem, mas que mesmo se você se encontrar em uma situação em que as coisas não vão bem, você será capaz de enfrentar e viver com dignidade esses momentos, também os fracassos. Uma pessoa madura se reconhece não por suas vitórias, mas pela forma como sabe viver um fracasso. É precisamente na experiência da queda e da fraqueza que se reconhece o caráter de uma pessoa.
Para o senhor, a paternidade espiritual é muito importante. Como os sacerdotes podem ser pais?
Dizia antes que a paternidade não é algo óbvio, não se nasce pai, no máximo torna-se pai. Do mesmo modo, um sacerdote não nasce já padre, mas deve aprender um pouco de cada vez, começando, antes de tudo, por se reconhecer como filho de Deus, mas depois também como filho da Igreja. E a Igreja não é um conceito abstrato, é sempre o rosto de alguém, uma situação concreta, algo a quem podemos dar um nome preciso. Recebemos sempre a nossa fé através de uma relação com alguém. A fé cristã não é algo que se possa aprender nos livros ou através de simples raciocínios, mas é sempre uma passagem existencial que passa através de relações. Assim, a nossa experiência de fé nasce sempre do testemunho de alguém. Devemos, portanto, perguntar-nos como vivemos a nossa gratidão para com estas pessoas e, sobretudo, se conservamos a capacidade crítica para sermos capazes de discernir o que não é bom daquilo que elas nos transmitiram. A vida espiritual não é diferente da vida humana. Se um bom pai, humanamente falando, é pai porque ajuda o seu filho a tornar-se si mesmo, tornando possível a sua liberdade e encorajando-o a tomar grandes decisões, igualmente um bom pai espiritual é pai não quando se substitui à consciência das pessoas que confiam nele, não quando responde às perguntas que essas pessoas carregam em seus corações, não quando domina a vida daqueles que lhe são confiados, mas quando de forma discreta e ao mesmo tempo firme é capaz de mostrar o caminho, fornecer diferentes chaves de interpretação e ajudar no discernimento.
O que é hoje mais urgente para dar força a esta dimensão espiritual da paternidade?
A paternidade espiritual é muitas vezes um dom que nasce sobretudo da experiência. Um pai espiritual pode partilhar não tanto os seus conhecimentos teóricos, mas sobretudo a sua experiência pessoal. Só desta forma pode ser útil a um filho. Há uma grande urgência neste momento histórico de relações significativas que poderíamos definir como paternidade espiritual, mas – permitam-me dizer – também maternidade espiritual, porque este papel de acompanhamento não é uma prerrogativa masculina ou apenas dos sacerdotes. Há muitas boas religiosas, muitas consagradas, mas também muitos leigos e leigas que têm uma bagagem de experiência que podem partilhar com outras pessoas. Neste sentido, a relação espiritual é uma daquelas relações que precisamos redescobrir com mais força neste momento histórico, sem nunca a confundir com outros caminhos de natureza psicológica ou terapêutica.
Entre as dramáticas consequências da Covid está também a perda do emprego de muitos pais. O que gostaria de dizer a estes pais em dificuldade?
Sinto-me muito próximo ao drama daquelas famílias, daqueles pais e mães que estão vivendo uma dificuldade particular, agravada sobretudo pela pandemia. Acredito que não seja um sofrimento fácil de ser enfrentado, o de não conseguir dar pão aos filhos e de se sentir responsável pela vida dos outros. Neste sentido, a minha oração, a minha proximidade, mas também todo o apoio da Igreja é para estas pessoas, para estes últimos. Mas também penso em tantos pais, tantas mães, tantas famílias que fogem das guerras, que são rejeitadas nas fronteiras da Europa e não somente, e que vivem em situações de dor, de injustiça e que ninguém leva a sério ou ignora deliberadamente. Gostaria de dizer a estes pais, a estas mães, que para mim eles são heróis, porque encontro neles a coragem daqueles que arriscam as suas vidas por amor aos seus filhos, por amor às suas famílias. Também Maria e José experimentaram este exílio, esta provação, tendo de fugir para um país estrangeiro por causa da violência e do poder de Herodes. Esse sofrimento deles os torna próximos destes irmãos e irmãs que hoje sofrem as mesmas provações. Estes pais se dirigem com confiança a São José, sabendo que, como pai, ele viveu a mesma experiência, a mesma injustiça. E a todos eles e às suas famílias, gostaria de dizer que não se sintam sós! O Papa sempre se lembra deles e, na medida do possível, continuará a dar-lhes voz e a não se esquecer deles.
Fonte: vaticannews.va/pt