O que podemos aprender dessa guerra? A convivência pacífica pressupõe que ambas as partes estejam dispostas a dialogar quando surgem pontos de vista diferentes.
Pe. Bernd Biberger – A notícia de que a Rússia atacou a Ucrânia afetou profundamente muitos de nós. Experimentamos que a ordem de paz na Europa foi abalada em seus alicerces. Esta guerra não deve ser considerada de forma isolada, mas no contexto de outros acontecimentos recentes: a pandemia, os desastres naturais cada vez mais violentos, o debate massivo sobre a imagem futura do homem e sobre as formas de relacionamento humano na Igreja e na sociedade. Foi abalada não apenas uma das pedras angulares de nossa convivência humana, mas todo o edifício da comunidade humana foi abalado, em sua essência. Vivemos uma época de profunda turbulência. Esta guerra também prova isso. O que podemos aprender com isso?
A convivência requer disposição para o diálogo
A convivência pacífica pressupõe que ambas as partes estejam dispostas a dialogar, quando são revelados pontos de vista diferentes. Se uma das partes insiste em sua posição e não está disposta a reconsiderá-la, ou se quer impor seus próprios interesses, com todos os meios à sua disposição, o diálogo não é possível. O diálogo pressupõe que se esteja fundamentalmente disposto a questionar a minha própria posição e, se necessário, mudá-la. Se não houver vontade de mudar, desde o início, ou se a própria posição for baseada na teimosia, o diálogo não pode levar a um resultado consensual. Em certo sentido, o diálogo requer uma certa abnegação. Se eu entro em um diálogo, apenas para convencer a outra pessoa de minha posição, e, ao mesmo tempo, me recuso desde o princípio a me convencer de uma posição diferente, então estou tornando em vão o diálogo, que deveria ser fundamentalmente aberto.
O diálogo requer tentar entender o que move o outro
O diálogo pressupõe também a disponibilidade para se escutar mutuamente. Eu escuto o que a outra pessoa tem a dizer, sem interromper. Se não entendo alguma coisa, pergunto. Deixo que o outro me explique como pensa. Ao fazer isso, não apenas assimilo os argumentos, mas tento perceber o que move a outra pessoa: suas experiências, seus sentimentos, sua história.
Não é incomum que as posições estejam marcadas por seus próprios antecedentes inabaláveis, que sejam sustentados por argumentos verdadeiros. Se eu não levar a sério a preocupação pessoal de meu interlocutor, não consigo entender sua posição. Diálogo significa não apenas ouvir o outro, mas também tentar compreendê-lo.
Para dialogar não devemos avaliar imediatamente
Isso significa que não avalio imediatamente o que a outra pessoa me diz, especialmente, não condeno imediatamente do ponto de vista moral, mas primeiro absorvo tudo. Uma vez feito um julgamento, pelo menos algumas possibilidades são descartadas. Quanto mais firme for o julgamento, menor será a chance de se chegar a um resultado comum. Há também o perigo de eu me colocar como juiz sobre o outro, mas, sem levar em conta que também não estou isento de falhas.
Ao mesmo tempo, tenho que dar à outra pessoa a chance de me entender. Isso requer uma certa abertura da minha parte. Se não digo nada sobre mim ao outro ou se apenas revelo parte da minha posição, privo-o da possibilidade de me entender. Se os interlocutores não se entenderem, será difícil chegar a um resultado que satisfaça a ambos.
Criando um espaço de confiança
O pré-requisito para esta abertura é a confiança mútua. Quanto menos confiança houver, menos permitirei que minhas cartas sejam vistas, porque quero me proteger de que se aproveitem de mim. A desconfiança significa que eu não tenho certeza que a outra pessoa é honesta comigo. Mas, se um dos interlocutores desconfia, também é impossível que o outro tenha confiança. É por isso que, para que haja um verdadeiro diálogo, primeiro temos que construir a confiança entre nós. Quanto melhor nos entendermos, em um diálogo, tanto mais próximos estaremos.
O que nos é estranho muitas vezes nos dá medo. Mas, se entendermos melhor o outro, o medo diminui.
A melhor forma de diálogo: a três
De uma perspectiva cristã, um diálogo deve ser sempre em três. Não são apenas duas pessoas falando uma com a outra, mas sempre há uma terceira pessoa presente: Deus. Ao contar com Deus, como terceiro interlocutor, o diálogo torna-se uma forma de tentar descobrir juntos o que Deus quer dizer. Se, pelo contrário, sempre nos fechamos e nos isolamos do outro, muitas vezes também nos isolaremos de Deus. Se nos escutarmos abertamente, pouco a pouco, também ouviremos a voz de Deus e reconheceremos como Ele quer nos guiar. Assim, quando ambas as partes entendem o diálogo como um caminho pelo qual Deus pode guiar, elas se desvinculam de si mesmas e se abrem à Providência Divina.
Pode ser surpreendente falar de diálogo, em vista da guerra na Ucrânia. A guerra ocorreu porque não houve um verdadeiro diálogo entre os diferentes interlocutores, talvez também porque não houve uma verdadeira vontade de dialogar. No entanto, se formos honestos, perceberemos que processos semelhantes também ocorrem em contextos políticos e eclesiásticos em nossa sociedade, embora os conflitos que surgem da falta de vontade de diálogo não sejam realizados com armas. Mas, a rejeição mútua ou mesmo a hostilidade também podem ser sentidas nesses contextos. Nesse sentido, a guerra na Ucrânia é a ponta simbólica de muitos conflitos, que estamos enfrentando atualmente: sobre as decisões políticas, sobre o debate em torno da vacinação, sobre a conservação efetiva da natureza, sobre o caminho da Igreja para o futuro.
Portanto, esta guerra pode ser um lembrete para quebrarmos as linhas duras e nos encontrarmos de novo e com maior abertura.
Fonte: sch.com