Flávia Nunes Costa Ghelardi – O quarto capítulo da exortação apostólica Amoris Laetitia pode ser considerado o ponto central desse documento. Nele, o Papa Francisco aborda as características do amor matrimonial, tendo como base o Capítulo 13 da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios. São reflexões muito ricas que iremos analisar mais detalhadamente nesse artigo. A segunda parte do quarto capítulo, sobre como crescer na unidade conjugal, analisaremos no próximo.
Paciência
A primeira característica do amor verdadeiro é a paciência. “Uma pessoa mostra-se paciente, quando não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir” (AL 91). Somos chamados a amar como Deus nos ama e Ele sempre demonstra uma paciência infinita conosco.
O Papa nos ensina que não podemos exigir que as pessoas ao nosso redor sejam perfeitas ou nos colocarmos no centro esperando sempre que se faça a nossa vontade. Esse tipo de expectativa pode levar a agirmos com impaciência, reclamando de tudo. É preciso nos esforçar para fazer crescer nossa paciência, lembrando que o outro também tem o direito de viver comigo nessa terra. “O amor possui sempre um sentido de profunda compaixão, que leva a aceitar o outro como parte deste mundo, mesmo quando age de modo diferente daquilo que eu desejaria.” (AL 92)
Atitude de serviço
- Paulo, ao dizer que o amor é bondoso, quer complementar a qualidade da paciência, esclarecendo que a paciência não é uma postura passiva, mas deve ser acompanhada de uma reação dinâmica e criativa frente ao outro. Ele insiste que o amor não é apenas um sentimento, mas tem que ser entendido no sentido de fazer o bem. Como dizia Santo Inácio de Loyola, “o amor deve ser colocado mais nas obras do que nas palavras” (AL 94)
Curando a inveja
Afirmar que o amor não tem inveja significa que, no amor, não há espaço para sentir desgosto pelo bem do outro. “A inveja é uma tristeza pelo bem alheio, demostrando que não nos interessa a felicidade dos outros, porque estamos concentrados exclusivamente no nosso bem-estar. (…) O verdadeiro amor aprecia os sucessos alheios, não os sente como uma ameaça, libertando-se do sabor amargo da inveja.” (AL 95)
O amor deve nos levar ao pleno cumprimento dos dois últimos mandamentos, que nos ensina a não querer cobiçar o cônjuge e as coisas do próximo. “O amor leva-nos a uma apreciação sincera de cada ser humano, reconhecendo o seu direito à felicidade.” (AL 96)
Sem ser arrogante, nem se orgulhar
Amar significa colocar o outro em primeiro lugar, assim, quem ama, evita falar muito de si mesmo ou se colocar no centro. É importante ter essa atitude de humildade principalmente com os familiares que são pouco formados na fé ou menos firmes sem suas convicções. Quem tem a graça de ter um conhecimento maior sobre a fé não pode ser arrogante. “A atitude de humildade aparece aqui como algo que faz parte do amor, porque, para poder compreender, desculpar ou servir os outros de coração, é indispensável curar o orgulho e cultivar a humildade. (…) Na vida familiar, não pode reinar a lógica do domínio de uns sobre os outros, nem a competição para ver quem é mais inteligente ou poderoso, porque esta lógica acaba com o amor.”
Amabilidade
Quem ama age de maneira agradável, não é duro no trato, nem áspero ou rígido; detesta fazer o outro sofrer. “Ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor, por isso ‘todo o ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam’. (…) olhar amável faz com que nos detenhamos menos nos limites do outro, podendo assim tolerá-lo e unirmo-nos num projeto comum, apesar de sermos diferentes. O amor amável gera vínculos, cultiva laços, cria novas redes de integração, constrói um tecido social firme. D”. (AL 99-100)
Desprendimento
Aqui o Santo Padre explica que o amor a si mesmo deve ser entendido como uma condição psicológica para ser possível amar ao próximo; quem não se ama, não consegue amar outra pessoa. Porém, o que é próprio do amor, é querer mais amar do que ser amado, “por isso o amor pode superar a justiça e transbordar gratuitamente ‘sem nada esperar em troca’ (Lc 6, 35), até chegar ao amor maior que é ‘dar a vida’ pelos outros (Jo 15, 13).” (AL 102)
Sem violência interior
A irritação é um tipo de violência interior causada por alguma atitude de outra pessoa, fazendo a pessoa reagir como se a outra fosse uma inimiga a ser combatida. “A indignação é saudável, quando nos leva a reagir perante uma grave injustiça; mas é prejudicial, quando tende a impregnar todas as nossas atitudes para com os outros” (AL 103).
O Papa Francisco nos ensina que uma coisa é sentir a irritação, e outra é consentir e agir de acordo com esse impulso, deixando que seja uma atitude permanente. Por isso é muito importante nunca terminar o dia sem fazer as pazes na família.
Perdão
O contrário de guardar rancor, do ressentimento, é o perdão. “Perdão fundado numa atitude positiva que procura compreender a fraqueza alheia e encontrar desculpas para a outra pessoa.” (AL 105) Se um cônjuge ficar procurando mais culpas, imaginando mais maldades, o ressentimento cria raízes e qualquer erro ou queda do outro, pode danificar o vínculo do amor e a estabilidade familiar.
Perdoar não é fácil, mas é imprescindível para uma saudável harmonia familiar. “Para se poder perdoar, precisamos de passar pela experiência libertadora de nos compreendermos e perdoarmos a nós mesmos. (…) Mas isto pressupõe a experiência de ser perdoados por Deus, justificados gratuitamente e não pelos nossos méritos.” (AL 107-108) Somente conseguiremos amar os outros sem limites, se experimentarmos que somos amados incondicionalmente por nosso Pai do Céu.
Alegrar-se com os outros
“Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade”. A atitude de quem ama é aquela de alegrar-se com o bem do outro, reconhecendo a sua dignidade e apreciando suas boas obras. “A família deve ser sempre o lugar onde uma pessoa que consegue algo de bom na vida, sabe que ali se vão congratular com ela.” (AL 110)
Tudo desculpa
Essa característica do verdadeiro amor implica conter a inclinação de se emitir uma dura condenação ao outro, não querer danificar a sua imagem. “Os esposos, que se amam e se pertencem, falam bem um do outro, procuram mostrar mais o lado bom do cônjuge do que as suas fraquezas e erros. Em todo o caso, guardam silêncio para não danificar a sua imagem” (AL 113)
Para conseguir essa atitude, os esposos devem se lembrar que os defeitos do outro são apenas uma parte e não a totalidade da pessoa e que também possui defeitos. Não se exige a perfeição do outro para amá-lo; aceita-o como ele é, com suas luzes e sombras.
Confia
“O amor confia, deixa em liberdade, renuncia a controlar tudo, a possuir, a dominar.” (AL 115) Essa liberdade que um dá ao outro permite um enriquecimento dos dois, que quando se encontram, podem partilhar o que experimentaram ao longo do dia. A pessoa, num ambiente em que sabe que confiam nela, tem mais liberdade para mostrar como realmente é, sem dissimulações. “Uma família, onde reina uma confiança sólida, carinhosa e, aconteça o que acontecer, sempre se volta a confiar, permite o florescimento da verdadeira identidade dos seus membros, fazendo com que se rejeite espontaneamente o engano, a falsidade e a mentira” (AL 115)
Espera
É a esperança de quem confia que o outro pode mudar, amadurecer, crescer. É a esperança no sentido pleno, que sabe que a vida não acaba nessa terra, mas continua na eternidade. “Aquela pessoa, com todas as suas fraquezas, é chamada à plenitude do Céu: lá, completamente transformada pela ressurreição de Cristo, cessarão de existir as suas fraquezas, trevas e patologias; lá, o verdadeiro ser daquela pessoa resplandecerá com toda a sua potência de bem e beleza” (AL 117). Contemplar o outro com essa visão sobrenatural de eternidade, em meio aos infortúnios dessa vida, nos traz a tranquilidade de saber que no Paraíso, ele será perfeito e que juntos caminhamos para lá.
Tudo suporta
Significa manter-se firme num ambiente hostil, suportar com espírito positivo todas as contrariedades. É um tipo de resistência dinâmica capaz de superar qualquer desafio. “Manifesta uma dose de heroísmo tenaz, de força contra qualquer corrente negativa, uma opção pelo bem que nada pode derrubar”. (AL 118). Para conseguir vencer o mal que ameaça a família, é preciso cultivar dentro dela essa força do amor. “O ideal cristão, nomeadamente na família, é amor que apesar de tudo não desiste”. (AL 119)