Thainá Belo – Tão comum quanto presenciar as crianças passando horas inventando brincadeiras, é se deparar com crianças brigando. Parece que é só virar as costas que em poucos minutos a brincadeira dá lugar a chateações e caras feias.
Por mais desafiador que seja lidar com essas situações é importante fazer um esforço para compreender o porquê acontece tanto, qual a sua função (será que são úteis?), para conseguirmos intervir de forma a estimular o desenvolvimento de virtudes e diminuir a frequência das confusões e principalmente, os danos.
Tanto nos evangelhos quanto nas cartas bíblicas, a criança é símbolo da inocência e simplicidade, mas também é conhecida a imaturidade para lidar com temas profundos. Um exemplo é a exortação de São Paulo à igreja da cidade de Corinto ao dizer “Irmãos, não pensem como crianças. Sejam como crianças para o que é mau, mas sejam adultos no seu modo de pensar” (1 Co 14,20). Assim como o apóstolo Paulo conhecia sobre os limites do pensamento infantil, também os pais conseguirão colher bons frutos na educação dos filhos através da compreensão da cabecinha das crianças.
Por que crianças brigam?
Ao chegarmos à vida adulta parece que a nossa forma de pensar sofre um pouco de amnésia e esquecemos dos gostos, passatempos e especialmente de como nos sentíamos quando tínhamos, por exemplo, nossos 8 anos. Isto é, esquecemos como era ter “cabeça de criança”. Conhecer algumas características do cérebro infantil nos ajudará a intervir de forma assertiva nessas situações.
Crianças são movidas por pura emoção, porque a sua razão ainda está sendo desenvolvida, sendo assim, é comum ouvir frases e ver atitudes um tanto egocêntricas ou egoístas, no qual as coisas precisam ser do seu jeito. Além disso, a imaturidade e falta de senso de responsabilidade fará com que dificilmente cumpram alguma obrigação sem algum tipo de contra gosto.
Portanto, se é uma tarefa árdua para os pequenos colocar-se no lugar no outro e abrir mão de seus próprios interesses é fácil perceber porque os conflitos são tão frequentes.
As brigas infantis tem alguma utilidade?
Jamais pais responsáveis e amorosos desejariam ou incentivariam que seus filhos brigassem entre si ou com os colegas. Porém, se é impossível evitar por completo que ocorram, de forma inteligente, é possível aproveitá-las para gerar bons frutos para o desenvolvimento, até que as brigas se tornem apenas inevitáveis desentendimentos de rápida solução.
Existe jeito certo de intervir em uma briga?
A alternativa mais usada e difundida pelos pais ou cuidadores é também a menos eficaz, que é a de ser “juiz da partida”. Ela pode ser resumida em negar, tomar partido e mandar esquecer. É uma forma tentadora de solucionar as brigas, pois cessa imediatamente o conflito, no entanto, pouco ensina e não impede repetições.
A melhor forma de intervir nos conflitos infantis precisa ter como propósitos gerar empatia, ensinar sobre perdão e promover a reparação. Assim, será possível ajudar as crianças a crescerem em virtudes e serem capazes de se resolverem sozinhas a partir dos valores da própria família.
Primeiros passos:
- Mudar a perspectiva: queira ensinar os filhos a resolver problemas.
- Acolher e manter a neutralidade, isto é, as duas crianças do conflito precisam se sentir ouvidas e compreendidas, de forma a sentir que seus sentimentos foram reconhecidos, mas nenhuma delas se sentir escolhida, a princípio, como a certa.
- Em situações de briga física ou gritaria, as crianças precisam ser afastadas até se acalmarem, sendo o adulto a figura de autocontrole e de limite na qual as crianças poderão se apoiar.
- É importante buscar a resolução do conflito o mais breve possível.
- Evitar dar as soluções prontas, mas auxiliá-los a tentar uma resolução justa. Exemplo: “Estou vendo que vocês estão chateados um com outro por causa do tempo andando na bicicleta. Uma bicicleta para duas pessoas é difícil, qual opção vocês acham justa para os dois? Pensem e me digam depois”.
- Para crianças menores, os pais podem sugerir ideias de resolução, mas é importante deixar que os pequenos escolham uma de comum acordo.
Ensinando sobre reconciliação:
- Ensinar os filhos sobre compreensão é uma tarefa ativa da nossa parte. Precisamos estimulá-los verbalmente, para aprenderem a sair de si mesmo e pensar no sentimento do outro, por exemplo: “Filho, como você se sentiria se quebrassem o seu carro de controle remoto? E o que faria você se sentir melhor?”.
- Ajudá-los a encontrar alguma alternativa para reparar os danos da forma mais proporcional possível, a partir da resposta dada pela criança. Por exemplo: “Ótima ideia, emprestar o seu carrinho de controle remoto para seu amigo enquanto tentamos consertar o dele”.
Perceba a transformação na personalidade da sua criança através dessa forma de intervenção. Uma vez que abafar as brigas e usar o castigo como primeira alternativa não corrige, na medida em que não ensina sobre empatia, responsabilidade e consequências, mas provocam um sentimento de injustiça, revolta e até apatia.
Inspire-se no mais perfeito dos modelos educativos:
Imagine a família mais santa do mundo, no qual o seu único filho saiu da vista dos pais e passou três dias, sem permissão, em um lugar desconhecido. Se fossem pessoas comuns e sem sabedoria, teriam colocado O menino de castigo após o susto que os causou, talvez na tentativa de evitar repetições, mas, o exemplo que nos dão é de acolhimento e compreensão.
A resposta de sua mãe foi “Meu filho, por que foi que você fez isso conosco? O seu pai e eu estávamos muito aflitos procurando você.” (Lc 2,48) e os frutos que colheram são de santa obediência e amorosa submissão, segundo o evangelho “Então Jesus voltou com os seus pais para Nazaré e continuava a ser obediente a eles. E a sua mãe guardava tudo isso no coração.” (Lc 2,51).
Corrigir significa ensinar, não punir. Ter em mente esse ponto de vista os ajudará a transformar os conflitos na criação dos filhos em oportunidade de crescimento, de reparação, de frutificação de virtudes. Pois a nobreza dessa missão não se caracteriza pelo peso de um fardo repetitivo, mas em assumir de todo o coração o dom confiado aos pais, seguindo o exemplo da Sagrada Família de Nazaré.
* Thainá Belo é pedagoga e educadora parental.
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REFERÊNCIAS:
Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas Editora, 2011. 1054 p.
DAVIES, Simone. A Criança Montessori: Guia para educar crianças curiosas e responsáveis. 1. ed. São Paulo: Nversos Editora, 2021. 312 p.
NEGROMONTE, Mons. Álvaro. Corrija o seu filho. Edições Rumo S.A. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1961. 195 p.
SIEGEL, Daniel J. O cérebro da criança: 12 estratégias revolucionárias para nutrir a mente em desenvolvimento do seu filho e ajudar sua família a prosperar. 1. ed. São Paulo: Nversos Editora, 2015. 237 p.