“Do altar à arena”, falava-se no cristianismo primitivo. A nossa arena – assim nos ensinou o Pe. Kentenich – é o dia útil. Gostava de falar muitas vezes na “Missa da vida” que, por assim dizer, é a continuação da Missa do dia. Ela inicia com o “Vamos em paz…” do sacerdote, no final da Celebração Eucarística.
A Missa da vida
segundo o Pe. Kentenich – também tem três partes principais: Ofertório, consagração e comunhão.
Em suas instruções sobre a liturgia, muitas vezes dava indicações práticas quanto à “celebração” da missa da vida. Assim como na santa Missa, o Ofertório precede à consagração, tal também sucede na Missa da vida. Da teoria, Pe. Kentenich partia para a prática: quando Deus exige de nós algo difícil, quando exige algum sacrifício, é a hora que em nossa Missa da vida, por assim dizer, toca o sino do Ofertório (outrora, ao Ofertório, na missa, tocava-se a sineta). Depende de nós darmos atenção a este silencioso toque do sino e fazer nossa oferenda. E isto acontece-nos freqüentes vezes no dia.
A Consagração, isto é, a transformação, Deus mesmo se encarrega de realizá-la em nós. E a profunda união com o grande Deus – a Comunhão – nos é concedida como fruto da graça.
Ofertório vivido pelo Padre Kentenich
Consideremos, agora, o Ofertório da Missa da vida do Pe. Kentenich. Incondicionalmente e sem hesitar, ao sinal do “sino” do Ofertório, ele pronunciou sempre o seu “Sim, Pai!” Em sua “arena”, não o aguardavam feras; porém, muitas estações duma dolorosa via-sacra.
Ele estava consciente de que o cume do amor para ele, como pai sacerdotal, consistia em seguir Àquele que, por nós, carregou a pesada cruz e, por nós, morreu na cruz. Mas sabia também que o caminho de cruz é um caminho de bênçãos. Ele o trilhou sempre que Deus lhe manifestou o seu desejo.
E quando este se lhe tornou difícil? Pe. Kentenich permaneceu firme!
Não agiu como aqueles que sabem dizer coisas muito lindas sobre a cruz e o amor à cruz, mas quando eles mesmos são chamados a trilhar o caminho da cruz, “vão buscar todos os cavalos do mundo”, para que puxem o carro de sua vida novamente para um caminho mais fácil! Esta imagem o próprio Pe. Kentenich a usou numa de suas cartas da prisão.
Quando obteve clareza sobre algum desejo de Deus, não hesitou em aceitá-lo nem mesmo à custa do sacrifício da própria vida, ou de sua honra, ou de seu “filho”, isto é, de suas fundações. Por suas orações – como lemos no “Rumo ao Céu” (livro de orações compostas em Dachau): “Senhor, se queres tira-me este filho…” e: “Eu peço, então, realiza os teus planos…” – “Qual Moisés, no Monte ficarei…” – ele nos permite lançar um olhar profundo à sua alma sacerdotal, disposta ao sacrifício.
Igualmente no-lo revela a oração do “Adsum”, aqui citada, no capítulo II. Com a palavra “Adsum”(“eis-me aqui”), ele colocou sobre o altar do Sacrifico tudo aquilo diante do qual sua natureza quisera recuar.
Na escuridão da fé, como a Mãe de Deus
Como a Mãe de Deus e as grandes personalidades na história da Igreja foram conduzidas por caminhos marcados pela escuridão da fé e por sacrifícios do coração, semelhante aconteceu com o Pe. Kentenich. Ele os trilhou desde cedo e com toda a prontidão. Uma tal “dedicação aos homens e à Obra, que consome espírito e cérebro”, fez com que sacrificasse todos os desejos pessoais até o ultimo momento de sua vida – tal atitude é, para nós , incompreensível. Podemos somente admirá-la.
Quando uma vida existente se entrega para que surja vida nova, deve sempre contar com muitos sacrifícios e, por vezes, os maiores sacrifícios. Em sua incumbência a atividade como Fundador, Pe. Kentenich entendeu-o muito bem e contou com esta realidade.
Iniciou para ele um caminho especialmente difícil, quando foi chamado pela policia secreta do “Terceiro Reich” a responder um interrogatório, em Coblença. Antes de encaminhar-se para lá, disse ao Pe. Kolb, seu colaborador: “Alegro-me que agora posso também sofre pela Obra para a qual tanto trabalhei”.
Algumas informações obtidas do Pe. Kentenich, após o seu retorno de Dachau nos dão idéia desta sua etapa de vida. Nelas, vemos descrita a primeira estação de sua longa via-sacra, que perdurou de 1941 a 1945. Poderíamos intitulá-la: Quatro semanas na masmorra do edifício da Gestapo. Ouçamos:
Eu rezei incontáveis rosários!
“O porão no qual Pe. Kentenich viveu de 20 de setembro até o sábado, 18 de outubro, em ‘prisão preventiva’, era tão pequeno que o catre, quando aberto, quase o preenchia. O atual edifício da Gestapo, era antigamente um Banco; e as celas no porão, repartições que serviam de cofre-forte para o dinheiro ou documentos de importância. Portanto, não eram próprias para acolher pessoas humanas. Eram muito pequenas! Tinham paredes de metal e assoalho de cimento armado. Não havia nenhuma janela. De cima, por uma área interna, apenas penetrava um pouco de luz e ar na cela.
Durante o dia, o catre (cama que consistia só de algumas tábuas) tinha que ser tirado do chão. Não havia cobertor nem colchão de palha nem travesseiro. O prisioneiro devia deitar-se como que sobre o chão nu. Em 20 de setembro, quando o Pe. Kentenich foi conduzido para lá, pediu um cobertor ao guarda e o recebeu. Na cela não havia cadeira nem banquinho. Quando o prisioneiro estava cansado, devia sentar-se no chão. Na parte superior da porta havia uma grade, pela qual a sentinela que andava de cá para lá, no corredor, podia olhar dentro da cela a qualquer momento; e por onde o prisioneiro podia ouvir os ruídos das celas vizinhas…”
Perguntei, certa vez, ao Pe. Kentenich, como passara essas quatro semanas na prisão. Ele respondeu: Oh! Eu rezei incontáveis rosários!”
Pe. Kentenich aproveitara a ausência da sentinela para rezar, em voz alta, alguma dezena do terço ou cantar algum cântico mariano. Pela participação dos prisioneiros das celas vizinhas, ele podia constatar o quanto isto lhes agradava e proporcionava consolo.
Queria partilhar da sorte dos demais prisioneiros
Em 18 de outubro de 1941, Pe. Kentenich foi tirado do porão do edifício da Gestapo e mandado para o prédio de Coblença. E continuou também ali como prisioneiro preventivo. Como tal, tinha o direito de receber o almoço por outras vias. No tempo da guerra, a alimentação era muito deficiente, tanto em qualidade como em quantidade. As Irmãs de Maria do Hospital São José, de Coblença, prontificaram-se a prestar-lhe este serviço de amor e enviaram-lhe diariamente o almoço. Mas o Pe. Kentenich se recusou a aceitá-lo, pois queria partilhar da sorte dos demais prisioneiros. Esta sua decisão causou sofrimento aos que queriam proporcionar-lhe alívio, mas ao mesmo tempo, tal atitude foi foi-lhes motivo de admiração e orgulho.
Pe. Kentenich considerou as troca de prisão como “subida ao céu”. E a este “céu”, após alguns meses seguiu o “inferno de Dachau”, que o prendeu por mais três anos. Ser prisioneiro no campo de concentração significa, para milhares de pessoas, enfrentar terrível morte. A primeira carta que o Pe. Kentenich escreveu de Dachau revela claramente sua atitude sacerdotal de prontidão ao sacrifício: “A semente deve, primeiro, ser lançada na terra e morrer; só então produzirá muito fruto.”
Não raro pertence aos maiores sacrifícios inerentes à incumbência de vida dos fundadores a aceitação da cruz imposta pela própria Igreja. O Pe. Kentenich também foi onerado com ela e carregou-a numa atitude exemplar, durante quatorze longos e difíceis anos.
Nós, seus seguidores, somos testemunhas do “toque do sino” em sua Missa da vida, indicando a hora do ofertório. O que o Pe. Kentenich falou no final dum sermão de primícias, de um neo-sacerdote, em fevereiro de 1965, em forma de pedido a Deus, brotou do fundo de sua alma sacerdotal. Iniciou uma oração, recordando que o primiciante era tão introduzido na vida sofredora do Salvador moribundo e vitima de expiação. E rezou: “Eterno Deus Pai, cuida que ele seja capaz e esteja pronto, como o Filho Unigênito de Deus, a oferecer diariamente toda a sua vida, em sacrifícios, por amor aos seus seguidores”.
Texto do livro: Pe. José Kentenich como nós o conhecemos