Flávia C. Ghelardi* – Continuando nosso estudo sobre o capítulo VI da Amoris Laetitia vemos o cuidado e algumas orientações do Papa Francisco sobre as crises e dificuldades matrimoniais.
O desafio das crises
As crises fazem parte da vida matrimonial. “Cada crise implica uma aprendizagem, que permite incrementar a intensidade da vida comum ou, pelo menos, encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial” (AL 232). O momento de crise deve ser um estímulo para o casal se unir, beber da fonte do seu amor e da graça recebida no sacramento do matrimônio e assim superarem juntos essa dificuldade. Os casais mais experientes devem ajudar os mais jovens nesses momentos críticos.
O Papa ensina que é preciso encarar a crise de frente, com coragem, sem dissimulação. Adiar a resolução ou fingir que o problema não existe, pode causar um dano maior, principalmente na comunicação entre os cônjuges, pois o outro passa da pessoa que se ama, para um companheiro, depois para simplesmente pai ou mãe dos filhos e por fim se torna um estranho.
Para enfrentar a crise, “é necessário criar espaços para comunicar de coração a coração” (AL 234) e esse tipo de comunicação deve ser treinada em momentos de calmaria. O casal que não está acostumado a dialogar, mas apenas conversa sobre as questões práticas do dia a dia da família, sofre muito mais durante uma crise.
Há crises que são comuns a todos os matrimônios, como a de aprender a se desligar dos pais, ou quando chega o primeiro filho, a crise de como educar os filhos; tem ainda a crise da adolescência dos filhos, uma fase de grandes desafios e depois a crise do “ninho vazio”, quando os filhos saem de casa e ainda a crise da velhice dos pais de cada um dos cônjuges, que exige mais presença e algumas decisões difíceis. É importante o casal saber que essas crises se apresentarão, para já se prevenirem de como lidar com cada uma delas.
Outras crises decorrem de questões pessoais de cada cônjuge, podem ter origem financeira, de trabalho, afetivas, sociais, espirituais. “Algumas famílias sucumbem, quando os cônjuges se culpam mutuamente, mas a experiência mostra que, com uma ajuda adequada e com a ação de reconciliação da graça, uma grande percentagem de crises matrimoniais é superada de forma satisfatória. Saber perdoar e sentir-se perdoado é uma experiência fundamental na vida familiar” (AL 236).
O Santo Padre ressalta que não haverá matrimônio que resista se o cônjuge resolver desistir quando sente que não recebe aquilo que deseja. “Há situações próprias da inevitável fragilidade humana, a que se atribui um peso emotivo demasiado grande. Por exemplo, a sensação de não ser completamente correspondido, os ciúmes, as diferenças que podem surgir entre os dois, a atracção suscitada por outras pessoas, os novos interesses que tendem a apoderar-se do coração, as mudanças físicas do cônjuge e tantas outras coisas que, mais do que atentados contra o amor, são oportunidades que convidam a recriá-lo uma vez mais” (AL 237).
A solução é encarar a crise com maturidade e voltar a afirmar o “sim” dado ao outro no altar. “A partir duma crise, tem-se a coragem de buscar as raízes profundas do que está acontecendo, de voltar a negociar os acordos fundamentais, de encontrar um novo equilíbrio e de percorrer juntos uma nova etapa” (AL 238).
Velhas feridas
É importante que cada cônjuge busque sanar as feridas que possam ter trazido de alguma etapa de sua vida. Essas feridas antigas podem causar muito dano ao matrimônio. A realidade atual é que muitas pessoas têm dificuldade de amadurecer. “Às vezes ama-se com um amor egocêntrico próprio da criança, fixado numa etapa onde a realidade é distorcida e se vive o capricho de que tudo deva girar à volta do próprio eu. É um amor insaciável, que grita e chora quando não obtém aquilo que deseja. Outras vezes ama-se com um amor fixado na fase da adolescência, caracterizado pelo confronto, a crítica ácida, o hábito de culpar os outros, a lógica do sentimento e da fantasia, onde os outros devem preencher os nossos vazios ou apoiar os nossos caprichos” (AL 239).
Outra ferida pode ser nunca ter se sentido verdadeiramente amado por seus pais ou irmãos e isso causa danos no relacionamento conjugal. “Então é preciso fazer um percurso de libertação, que nunca se enfrentou. Quando a relação entre os cônjuges não funciona bem, antes de tomar decisões importantes, convém assegurar-se de que cada um tenha feito este caminho de cura da própria história. Isto exige que se reconheça a necessidade de ser curado, que se peça com insistência a graça de perdoar e perdoar-se, que se aceite ajuda, se procurem motivações positivas e se tente sempre de novo. Cada um deve ser muito sincero consigo mesmo, para reconhecer que o seu modo de viver o amor tem estas imaturidades. Por mais evidente que possa parecer que toda a culpa seja do outro, nunca é possível superar uma crise esperando que apenas o outro mude. É preciso também questionar-se a si mesmo sobre as coisas que poderia pessoalmente amadurecer ou curar para favorecer a superação do conflito” (AL 240).
Quando a morte crava seu aguilhão
A vida familiar pode ver-se desafiada pela morte de um ente querido. “A viuvez é uma experiência particularmente difícil (…). Alguns, quando têm de viver esta experiência, mostram que sabem fazer convergir as suas energias para uma dedicação ainda maior aos filhos e netos, encontrando nesta experiência de amor uma nova missão educativa. (…) Aqueles que já não podem contar com a presença de familiares a quem se dedicar e de quem receber carinho e proximidade, a comunidade cristã deve sustentá-los com particular atenção e disponibilidade, sobretudo se vivem em condições de indigência” (AL 254).
O período de luto em cada família é variável e pode durar um certo tempo. É preciso um olhar atento para ajudar a família a passar por essa fase difícil. “Com um caminho sincero e paciente de oração e libertação interior, volta a paz. No luto, há momentos em que é preciso ajudar a descobrir que, embora tenhamos perdido um ente querido, existe ainda uma missão a cumprir e não nos faz bem querer prolongar a tristeza, como se isto fosse uma homenagem” (AL 255).
O consolo maior é saber que a morte não é o fim, mas o início da vida eterna: “os nossos entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus” (AL 256). O Papa recomenda que devemos rezar por aqueles que morreram: “rezar por eles pode não só ajudá-los, mas também tornar mais eficaz a sua intercessão em nosso favor” (AL 257).
É preciso aceitar a morte para também nos prepararmos para ela. Encerrando esse capítulo, o Santo Padre aconselha: “Não gastemos energias, detendo-nos anos e anos no passado. Quanto melhor vivermos nesta terra, tanto maior felicidade poderemos partilhar com os nossos entes queridos no céu. Quanto mais conseguirmos amadurecer e crescer, tanto mais poderemos levar-lhes coisas belas para o banquete celeste” (AL 258).
Este artigo faz parte da série de artigos que sintetizam a Exortação Apostólica Pós-Sinodal, Amoris Laetitia do Santo Padre Papa Francisco
*Flávia e seu esposo Luciano são membros da União de Famílias de Schoenstatt