No 4º Domingo do Tempo Comum, a Igreja nos recorda das bem-aventuranças. O que significa ser pobre em espírito para alcançar o Reino dos Céus?
Pe. Nicolás Schwizer – As bem-aventuranças de Jesus apresentam-nos o programa do Reino de Deus. São como as condições de entrada naquele novo Reino, que Cristo já inaugura na terra. Sobretudo a primeira, a da pobreza, é muito decisiva para ser um cristão autêntico. É por isso que agora refletimos sobre a atitude evangélica de pobreza.
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”. Não há entrada para nós no Reino de Deus, se não formos pobres de espírito. Porque a pobreza é a primeira condição para ser acessível, “permeável” a Deus. Ela é o ponto de partida da vida cristã. Se não somos pobres espiritualmente, não estamos na fé.
Sabemos que a pobreza de alma não é uma questão de dinheiro, mas uma questão do coração. O fato de não ter dinheiro não é em si uma virtude. Não se deve não possuir um centavo, tendo a atitude dos ricos. Também é possível – embora raramente – possuir muitos bens e ter atitude de pobre.
A pobreza evangélica é uma atitude espiritual, e a ela todos somos convidados – independente de nossos bolsos.
Qual é, então, a atitude de pobreza espiritual?
O pobre está disposto a colocar-se em dúvida, a ser questionado por Deus, sempre de novo. Ele aceita ser tirado de suas posições, de suas estruturas, de seus princípios, de tudo o que lhe é próprio. Felizes são aqueles que estão convencidos de que ninguém é senhor de si mesmo e que Deus pode pedir tudo.
Só os pobres saem de si mesmos, colocam-se a caminho. O pobre é aquele que não se resigna a ficar sossegado, aquele que aceita ser incomodado pela palavra de Deus. Portanto, Abraão foi o primeiro pobre, o primeiro fiel à voz de Deus, quando Deus lhe disse: “Sai da tua terra, de tua pátria e da casa de teu pai para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12,1).
Abraão ouviu a Palavra de Deus, acreditou nela, deixou seu país, o lugar confortável onde morava, deixou seus bens, seus hábitos, seu passado, e pôs-se a caminho. E partiu “sem saber para onde ia” (Hb 11,8) – “sinal infalível de que estava no caminho certo”, como indica São Gregório, um dos Padres da Igreja.
Somos todos pobres diante de Deus
Os pobres percebem que são totalmente dependentes de Deus. Eles têm noção de sua limitação humana. No fundo, todo homem – talvez sem saber – é um pobre.
E a pobreza material é abençoada porque é o sinal visível de uma pobreza mais profundas e universais: nossa pobreza moral, nossa fé miserável, nossa amor raquítico. Somos todos pobres diante de Deus, com nossas culpas, nossas misérias, nossa deficiência – mas nem todos nós o reconhecemos diante Dele.
Só quem conhece e reconhece a sua fraqueza e pequenez diante de Deus põe toda a sua confiança Nele, espera tudo Dele, busca Sua poderosa proteção. Nessa atitude de pobreza espiritual, esvazia-se de si mesmo. E porque está aberto e disponível para Deus, há lugar para a ação divina. Assim nos promete o profeta Sofonias no primeiro leitura (Sofonias 2,3;3,12-13): “Deixarei no meio de ti um povo pobre e humilde, e esse resto de Israel colocará sua confiança no nome do Senhor”.
Abrir-se a Deus e aos irmãos
E quando imaginamos que não precisamos mais de Deus, quando estamos satisfeitos conosco mesmos, com nossos conhecimentos, com nossas práticas religiosas, quando não queremos mais nada, quando já não esperamos mais nada de Deus – então agimos como ricos. Creio que não há pecado maior do que não esperar nada de Deus. Porque se não esperamos nada de Deus, é porque não acreditamos mais Nele, é porque já não O amamos.
O homem rico acredita que pode viver sem Deus. Ele coloca toda a sua confiança em suas posses. Corta todas as suas relações com a Divina Providência. Ele acredita que sua riqueza lhe permite deixar a Deus. Espera continuar sozinho, por seus próprios meios, sem ter que recorrer a Deus.
O rico se afasta de Deus, mas também se afasta de seus irmãos. Ao contrário, o pobre é fraterno: abre-se aos outros como se abre a Deus, partilha com eles suas coisa. Ele sabe bem que nossos bens são bens de família, o serviço de todos membros. O pobre não é aquele que nada tem, mas aquele que faz servir tudo que tem. Ele percebe que é melhor dar do que receber.
Peçamos, então, a graça de ter uma alma de pobre, para que – segundo a promessa de Cristo – também a nós pertença o Reino do Céus.
Preciso tornar estes conhecimentos ao mundo, ou a tanto quanto Deus me permitir! Antecede em mim o desejo de tornar conhecido a todos quanto o Senhor me enviar!
Pobre de espírito é pejorativo. Pobre EM espírito seria mais correto, não?
Resposta: As duas versões são corretas, considerando que pobres de espírito não significa com pouco Espírito Santo, mas, com um espírito de pobre e considerando também que ser pobre em espírito não significa permanecer apenas no espírito, mas, ser pobre em espirito e também em ações.