Quem costuma ter formação de liderança, no Movimento Apostólico de Schoenstatt, volta e meia se depara com essa palavra como fonte de alguma citação de palavras do Pe. Kentenich – Brazilienterziat (Terciado no Brasil). Afinal, o que isso significa? A resposta a esta pergunta é a meta deste artigo:
Ir. M. Neiva Pavlak – “Brazilienterziat”, é o nome, em alemão, de um curso de formação que o Pe. José Kentenich deu aos Padres Palotinos da Argentina, Chile, Uruguai e Brasil, em Santa Maria/RS, de 16.02.1952 a 05.03.1952, na Casa de Retiros. Traduzido ao português: “Terciado do Brasil” ou, como se costuma dizer também, “Terciado de Santa Maria”. Infelizmente não temos ainda o curso traduzido em sua totalidade e tampouco publicado, o que esperamos que aconteça em algum momento.
Na época o Superior Provincial dos Palotinos, Pe. Benjamin Ragagnin, convidara o Pe. Kentenich a dar estes dias de formação, ou terciado, aos Palotinos, embora o Pe. Kentenich já estivesse separado da Obra de Schoenstatt, por ordem do Santo Ofício, e encaminhando-se para o lugar do seu exílio, a cidade de Milwaukee/EUA. Portanto, tratava-se de um momento histórico bastante tenso entre Schoenstatt, a Sociedade do Apostolado Católico (SAC) e a Igreja.
A última visita do Pe. Kentenich ao Brasil
Pe. Kentenich chega na estação ferroviária de Santa Maria no dia 14 de fevereiro de 1952, é recebido pelo Pe. Máximo Trevisan, e conduzido direto à Casa de Retiros. Não podia, como nas vindas anteriores, se hospedar com as Irmãs de Maria, pois o decreto romano restringia totalmente seu contato com a comunidade das Irmãs. Mas, acompanhado pelo Pe. Máximo, à noitinha foi até o Santuário, onde saudou os schoenstatianos ali presentes, entre eles, algumas Irmãs de Maria. Dirigiu-lhes umas palavras e Irmã M. Emanuele Seifried, então superiora provincial, traduziu-as, a pedido do Pe. Máximo:
“Minha querida Família de Schoenstatt! Esta vez é difícil para mim e para vós! Acho difícil dizer uma palavra de saudação (…) O melhor é que eu peça à Mãe de Deus, que Ela vos diga o que pretendo dizer. Até agora, os nossos encontros neste lugar sagrado sempre foram muito abençoados (…) Onde Deus exige os maiores sacrifícios do coração, aí ele prepara os maiores triunfos. (…) Agora devo proceder como se quisesse dizer: Afastai-vos de mim! Mas o bom Deus o quer assim, e nós fazemos sempre o que causa alegria ao Pai…”
Esta prontidão para realizar a vontade de Deus, expressa por meio das causas segundas, isto é, por pessoas que se apresentam como ‘mensageiros’ de Deus, ainda que lhe causem dor e sofrimento, foi uma característica constante na vida do nosso Pai e Fundador. Ele sempre anunciou e viveu a fé prática na Divina Providência como a cosmovisão de Schoenstatt.
A relação entre Schoenstatt e Paloti
Pe. Kentenich prega este terciado como membro da Sociedade do Apostolado Católico, portanto, a seus confrades de comunidade e de ministério sacerdotal. A temática do terciado não podia ser outra senão a relação entre Paloti e Schoenstatt e sua missão na e para a Igreja. Discorre sobre a realidade da Província brasileira dos Palotinos, com seus êxitos apostólicos e suas fragilidades, e compara o seu desenvolvimento com a vida de seu Fundador Vicente Paloti.[1]
Paloti não chegou a concluir sua Fundação, por um lado, porque morreu jovem ainda, aos 55 anos; por outro, porque, na visão do Pe. Kentenich, o tempo ainda não estava maduro para entendê-la. Então, o Espírito Santo suscita Schoenstatt para realizar ou completar a ideia de Paloti, da organização do Apostolado universal, que o Pe. Kentenich coloca como o terceiro objetivo de Schoenstatt: a confederação apostólica universal.
“Segundo minha opinião, Deus queria criar uma obra que fosse uma arca, capaz de vencer todas as dificuldades para os séculos. Por isso prorrogou a realização da Obra (de Paloti) para um tempo em que as dificuldades chegassem ao auge. Eu pessoalmente estou convencido de que Deus me levou para Dachau para que eu pudesse conhecer a humanidade na plenitude de sua doença, em sua raiz. Lá conheci o homem coletivista. Senti que vê como um ídolo o desenvolvimento futuro do tempo, seja na forma do nacional-socialismo, seja na forma do bolchevismo. Em ambos os tipos de homens dá-se o mesmo, apenas com um colorido diferente. Por isso, repito mais uma vez: eu devia ir a Dachau para me tornar capaz de construir a Obra que atravessaria todos os tempos. E vos devo dizer que tomei consciência dessa tarefa em Dachau e construí toda a organização, também a organização das Irmãs de Maria assim que elas fossem capazes de superar todos os tempos.”
Carisma e Igreja oficial
Conhecemos a história de fundadores que enfrentaram provações severas por parte da Igreja, ao apresentarem o seu carisma, sua forma nova de viver o Evangelho de Cristo na Igreja, no plano das ideias e nos aspectos concretos da vivência do carisma. Lembrando que um carisma sempre é um dom ou chamado do Espírito Santo que nasce dentro da mesma Igreja, para enriquecê-la espiritualmente. E que necessariamente deve ser provado e aprovado pela Igreja oficial. Referindo-se à sua missão pessoal diz o Pe. Kentenich:
“É sempre assim: o verdadeiro cristão segue, em última análise, só a Deus. Mas, há homens que possuem também uma missão, ainda que não exerçam nenhum cargo oficial na Igreja. Também, atrás desses está Deus. São homens que possuem uma missão carismática. Entendeis por que? (…) Se tiverdes diante de vós minha própria vida: um eterno conflito com a Autoridade. Primeiramente conflito com a direção da casa de Schoenstatt, conflito entre ministério e carisma. Depois conflito entre mim e o provincialado, o conflito entre mim e o episcopado alemão. Entendeis o que significa? Conflito entre ministério e carisma. Compreendem que para mim seria mais fácil dizer: Senhor Deus, tira-me a missão, sem ela é mais cômodo. Não é uma humildade muito maior me inclinar ante a missão em vez de abandoná-la? Vejam, a grandeza de uma pessoa consiste sempre na obediência à sua missão. (…) Deve chegar o tempo em que autoridade e carisma se encontrem totalmente”[2]
Aos representantes da Igreja devemos obediência irrestrita, por exemplo, frente aos dogmas da nossa fé católica, a Igreja exige dos fiéis o obséquio da fé. Já um carisma novo, ainda que venha através de um ministro da Igreja, um presbítero, um bispo, ou mesmo de um leigo, não estamos obrigados a obedecê-lo, nem segui-lo. É um convite e uma oferta que nos é dada para o crescimento ou revigoramento da nossa fé e da vida da Igreja. Schoenstatt oferece uma espiritualidade e pedagogia marianas, através da Aliança de Amor com Maria, realizada no Santuário. O caráter mariano de Schoenstatt não é, em si, uma novidade na Igreja, visto que a Igreja é mariana desde o princípio. Mas, a pedagogia mariana que o Movimento desenvolveu e aplica na vida prática sim, é um novo aspecto que enriquece a Igreja e a santifica, porque a vida de Aliança de Amor não tem outro objetivo senão nos conduzir a Deus Pai, por Maria. A maior riqueza da Igreja não são seus bens materiais, nem as grandes bibliotecas com livros de ascese e teologia, mas são membros santos, filhos que seguem os ensinamentos de Cristo na vida diária, à luz de um carisma que os ajuda e os edifica. Para maior clareza, vejamos o que o próprio Pe. Kentenich expressou durante o curso:
“Vede, se tendes diante dos olhos toda história da Igreja, encontrareis uma eterna tensão entre carisma e hierarquia. A Igreja oficial, que exerce uma função pública, está em tensão contra o homem que possui uma missão carismática, e ambos vêm de Deus. Se houvesse unicamente cargos oficiais na Igreja, então, logo a Igreja estaria adormecida.
Para que entendais o sentido de Igreja oficial, dou um exemplo. O bispo possui, por força de seu ministério, uma tarefa. Se o bispo, como bispo, me diz algo, então eu devo seguir. O mesmo, se um sacerdote, dentro de seu direito, me diz algo, aqui se encontra a Igreja oficial e com a Igreja oficial Deus.”
Deixar-se conduzir pela Divina Providência
Cremos que a Divina Providência conduziu a história de modo que, ao final do Concílio Vaticano II, após longos debates e, inclusive mal-entendidos, a própria Igreja, na pessoa do santo Padre o Papa Paulo VI, declara a separação de Schoenstatt da Sociedade dos Palotinos. Desta forma, cada uma das partes têm sua autonomia, cada uma com seu carisma específico está a serviço da Igreja de Cristo.
[1]São Vicente Pallotti: * 21.04.1795 + 22.01.1850 Canonizado em 20.01.1963 Com a sua profunda vida espiritual, suas múltiplas atividades apostólicas e a realização profética do apostolado, São Vicente Pallotti influiu de modo relevante na história da Igreja no século XIX. (Wikipedia)
[2]17.02.1952 Brazilienterziat
Faço parte do Movimento de Schanstatt, e também da Liga das Mães. Gostei muito dessa reportagem me ajudou a conhecer mais o Movimento. Obrigada
Moro em BH. 🙏🙏🙏🙏🙏