Flávia C. Ghelardi* – No artigo de hoje iniciaremos a análise do capítulo VII da Amoris Laetitia, que trata da educação dos filhos e veremos como as orientações do Papa Francisco se assemelham muito aos ensinamentos do Pe. José Kentenich.
Onde estão os filhos?
O Santo Padre salienta o papel fundamental dos pais no desenvolvimento moral de seus filhos, seja para o bem ou para o mal. A família tem responsabilidade sobre aquilo que os filhos são expostos, que tipo de diversão é mais saudável, quem se relaciona com eles, sempre com um olhar atento e vigilante.
Mas é importante saber que não é possível ter um controle completo sobre o que faz ou onde está cada filho e uma obsessão nesse sentido não faz bem. “O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia. Só assim este filho terá em si mesmo os elementos de que precisa para saber defender-se e agir com inteligência e cautela em circunstâncias difíceis. Assim, a grande questão não é onde está fisicamente o filho, com quem está neste momento, mas onde se encontra em sentido existencial, onde está posicionado do ponto de vista das suas convicções, dos seus objetivos, dos seus desejos, do seu projeto de vida”. (AL 261)
Interessante que nesse ponto, o Pe. Kentenich falava exatamente a mesma coisa: a importância da liberdade, de ensinar as pessoas a fazerem um bom uso do seu livre arbítrio, sendo a responsabilidade de cada um se tornar livre de tudo aquilo que afasta de Deus a fim de estar livre para tudo aquilo que é de Deus.
O Papa explica que a maturidade não é um processo automático, como é o amadurecimento do corpo que está em nossos genes. A maturidade tem que ser conquistada e o centro do processo de amadurecimento está na liberdade, no livre arbítrio. “É inevitável que cada filho nos surpreenda com os projetos que brotam desta liberdade, que rompa os nossos esquemas; e é bom que isto aconteça. A educação envolve a tarefa de promover liberdades responsáveis, que, nas encruzilhadas, saibam optar com sensatez e inteligência; pessoas que compreendam sem reservas que a sua vida e a vida da sua comunidade estão nas suas mãos e que esta liberdade é um dom imenso.” (AL 262)
A formação ética dos filhos
A formação moral dos filhos não pode ser delegada para ninguém. O desenvolvimento afetivo e ético de uma pessoa depende requer a experiência fundamental de acreditar que os pais são dignos de confiança. “Quando um filho deixa de sentir que é precioso para seus pais, embora imperfeito, ou deixa de notar que nutrem uma sincera preocupação por ele, isto cria feridas profundas que causam muitas dificuldades no seu amadurecimento. Esta ausência, este abandono afetivo provoca um sofrimento mais profundo do que a eventual correção recebida por uma má ação.” (AL 263)
Aqui, mais uma vez, vemos a semelhança na pedagogia do Pe. José Kentenich, pois uma das estrelas condutoras é justamente a “pedagogia da confiança”. Através dessa pedagogia, o educador deve demonstrar um profundo respeito pela pessoa do educando, pois cada pessoa é um ser único e irrepetível, desejado e amado por Deus e com uma missão própria a cumprir. Demonstrar a confiança no bem do outro é uma chave para conquistar o coração de quem se quer educar.
O Santo Padre segue falando da importância de educar a vontade dos filhos para que desenvolvam bons hábitos e possuam um maior controle de si mesmos. “A formação moral deveria realizar-se sempre com métodos ativos e com um diálogo educativo que integre a sensibilidade e a linguagem própria dos filhos. Além disso, esta formação deve ser realizada de forma indutiva, de modo que o filho possa chegar a descobrir por si mesmo a importância de determinados valores, princípios e normas, em vez de lhes impor como verdades indiscutíveis.” (AL 264)
É importante demonstrar a necessidade de se agir sempre pensando no bem, mesmo que a atitude, aquilo que é preciso fazer ou deixar de fazer, não seja bom. Aquilo que é bom, que é gostoso e agradável para os sentidos, nem sempre é um bem naquele momento. Para o filho conseguir agir assim é fundamental que os pais mostrem claramente o bem que pode ser alcançado com cada atitude e não simplesmente lhes imponham o modo de agir.
Criar bons hábitos deve ser uma das prioridades na educação dos filhos. “Uma pessoa pode possuir sentimentos sociáveis e uma boa disposição para com os outros, mas se não foi habituada durante muito tempo, por insistência dos adultos, a dizer «por favor», «com licença», «obrigado», a tal boa disposição interior não se traduzirá facilmente nestas expressões. O fortalecimento da vontade e a repetição de determinadas ações constroem a conduta moral; mas, sem a repetição consciente, livre e elogiada de determinados comportamentos bons, nunca se chega a educar tal conduta.” (AL 266)
O Papa encerra esse tópico fala do perigo de se perder a liberdade, se tornando escravo dos instintos, se não houver uma educação firme para a conquista das virtudes. “A educação moral é cultivar a liberdade através de propostas, motivações, aplicações práticas, estímulos, prémios, exemplos, modelos, símbolos, reflexões, exortações, revisões do modo de agir e diálogos que ajudem as pessoas a desenvolver aqueles princípios interiores estáveis que movem a praticar espontaneamente o bem. A virtude é uma convicção que se transformou num princípio interior e estável do agir.” (AL 267)
No próximo artigo continuaremos o estudo sobre esse capítulo tão interessante e prático da Amoris Laetitia.
Este artigo faz parte da série de artigos que sintetizam a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia do Santo Padre, o Papa Francisco
*Flávia e seu esposo Luciano são membros da União de Famílias de Schoenstatt