Dom Jaime Spengler, presidente da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), é eleito também presidente da Conferência Episcopal da Igreja na América Latina e Caribe, o CELAM
Padre Modino – Dom Jaime Spengler foi eleito neste 17 de maio novo presidente do Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho para o quadriênio 2023-2027. Poucas horas depois de sua eleição, o arcebispo de Porto Alegre, que há 15 dias atrás foi eleito presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nos conta suas primeiras impressões diante da missão que a Igreja do continente está lhe confiando.
Uma novidade para o senhor assumir esta nova missão que a Igreja da América Latina e do Caribe está lhe confiando. Como o senhor se sente?
Eu chegue aqui em Porto Rico para essa assembleia totalmente inocente. Vim com dificuldade para conseguir o visto, mas ao mesmo tempo com um empenho muito grande por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, até porque nós tivemos as nossas eleições para a CNBB há quinze dias atrás, e também não esperava ser eleito, e diante da situação que se criou, nós tivemos que agilizar. Seja o processo para obter um visto para chegar aqui para essa assembleia, mas sem nenhuma expectativa. Para mim tudo isto é uma grande novidade.
Por tanto estamos aí para aquilo que a Igreja nos pede, e quando hoje me foi perguntado se aceitava a escolha, eu disse que eu fazia em nome da obediência. Uma obediência aos membros da Assembleia e disposição para servir da melhor forma possível o próprio Conselho Episcopal Latino-americano.
O senhor fala de surpresa, poderíamos dizer que essa surpresa é um sinal de Deus em sua vida que espera do senhor poder aportar a partir da sua caminhada, como frei franciscano, como bispo auxiliar de Porto Alegre, depois como arcebispo, sua bagagem à caminhada da Igreja da América Latina e do Caribe?
Quando eu assumi essa forma de vida, há mais de 30 anos atrás, eu prometi para mim mesmo jamais dizer não àquilo que a Igreja viesse a me pedir. E ao longo da minha caminhada, da minha história de vida consegui manter essa palavra. É verdade que teve momentos muito difíceis, e confesso também, com muita simplicidade, a causa de alguns pedidos que me foram feitos ao longo da vida, eu chorei, mas depois com o tempo, aquela solicitação se mostrou salutar. Então, é com essa disposição, com cordialidade, na fé, que nós acolhemos esta indicação agora para este serviço em favor da Igreja latino-americana e caribenha.
Antes da eleição, os participantes da assembleia conheceram os informes que relatam a caminhada realizada nos últimos quatro anos, marcados pelo processo de renovação e reestruturação do Celam. De cara ao futuro, para a nova presidência, é um desafio continuar esse caminho da renovação e reestruturação do Celam?
Nós não podemos não prosseguir com esse caminho, não podemos voltar atrás, e um processo inaugurado com tanto empenho por parte de muitos, precisa ter continuidade. O objetivo do conselho não é outro senão aquele de estar próximo das diversas conferências. Então o espírito de comunhão, de serviço, de apoio e, porque também não dizer, de inspiração para as diversas conferências que compõem o nosso Conselho Episcopal Latino-americano, esse é o objetivo.
A gestão anterior inaugurou um processo de renovação, que pelas relações que nós ouvimos aqui nesses dias, está num excelente caminho, e devemos sim dar continuidade a esse caminho inaugurado.
Dentre os elementos destacados nos informes está o papel que a Igreja da América Latina e do Caribe tem no atual processo sinodal. A Secretaria do Sínodo reconheceu os grandes aportes que a Igreja do continente fez no campo da sinodalidade. Como continuar potencializando isso no Celam, nas diferentes conferências episcopais que fazem parte dele, mas também nas Igrejas particulares, nas paróquias, nas comunidades?
Antes de tudo, eu diria que esse caminho inaugurado tem se mostrado benéfico e produzido frutos muito bonitos. Uma experiência realmente ousada por parte seja do Celam, mas também nesse processo, nesse caminho que o Papa está pedindo para nós nesse momento da caminhada da Igreja, é um caminho de aprendizado. Não que o que esteja em questão seja uma novidade na vida da Igreja propriamente dito, a Igreja traz na sua bagagem, na sua origem, na sua história esse espírito de sinodalidade que o Concílio Vaticano II sintetizou nessas duas palavras, comunhão e participação, certamente precisamos avançar, e podemos avançar e devemos avançar.
Como fazer isto, é no desenvolvimento do processo que nós vamos captando o que é necessário fazer para que esse espírito se implante cada vez mais em nossas comunidades. Talvez no momento, nós estejamos falando sobre sinodalidade, comunhão e participação no nível bastante elevado. Precisamos trazer isso para as nossas comunidades, para as nossas bases, para as nossas comunidades do interior, para as nossas paróquias, e porque não dizer para as nossas dioceses. Temos realidades muito distintas no continente, realidade muito vigorosas, muito vivas, mas também temos realidades muito frágeis, que precisam, necessitam e merecem o apoio, a orientação e o acompanhamento.
Uma Igreja que escuta é um dos grandes desafios que o Papa Francisco está propondo para a atual caminhada da Igreja, evidentemente também na Igreja da América Latina e do Caribe. Como a Igreja do continente pode aprender a escutar ainda melhor?
Se faz necessário sempre de novo retornar ao Evangelho, é a partir do Evangelho, com o Evangelho na mão, que nós vamos percebendo, resgatando e tomando sempre mais ciência da atitude própria de Nosso Senhor. E quando nós lemos e rezamos o Evangelho, nós vemos que essa atitude de escuta, de proximidade, de acolhida, está por assim dizer, na base do próprio anúncio. Se nós queremos avançar no processo de evangelização da América Latina, não podemos não estar atentos a essas indicações que nos vem do próprio Evangelho.
É com o Evangelho na mão, promovendo espírito de comunidade, promovendo processos de iniciação à vida cristã que nós poderemos promover certamente a obra da evangelização neste momento histórico da caminhada da Igreja no continente.
Como presidente do Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho, o que o senhor pede dos bispos do continente para poder realizar melhor essa missão que a Igreja está lhe confiando?
Em primeiro lugar, é realmente o cultivo, a promoção do espírito de comunhão. Nós somos um corpo, e nós temos uma missão específica como bispos: proximidade com o nosso povo, disposição para escutar o nosso povo, a nossa gente, o tempo atual, a cultura, e ao mesmo tempo, a atenção ao Evangelho e à rica e bela Tradição da Igreja. Se nós conseguirmos manter em sincronia esses dois aspectos, certamente nós podemos avançar.
Me recordo de uma figura usada num curso de Teologia, onde dizia que a caminhada da Igreja e nossa de bispos, é semelhante a um andar de bicicletas, a roda da frente é o tempo, a cultura, o momento que nós estamos vivendo, as nossas realidades. A roda de trás da bicicleta é a Sagrada Escritura, a Tradição Bíblica, a Tradição da Igreja. Na medida em que estas duas rodas podem desenvolver o que lhes é próprio de forma sincrónica, ela avança. Esse é o grande desafio, como conjugar esses dois aspectos. Para nós bispos, isso nos toca de uma forma toda particular.
O senhor fala de conjugar, como conjugar a Presidência da CNBB, o maior episcopado do mundo, com a Presidência do Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho, que engloba 22 conferências episcopais?
Se alguém tivesse uma resposta objetiva, eu pediria até que me ajudasse a compreender, mas eu acredito que quando nós nos dispomos a realizar um caminho na fé, não nos falta também a graça necessária. O empenho pessoal, a disposição pessoal, o espírito de colaboração e a abertura para a graça de Deus, certamente haverão de nos dar o vigor, a força, a iluminação, o discernimento necessário para desenvolver o trabalho que nos é pedido.
É um grande desafio, eu fui eleito para a Conferência brasileira duas semanas atrás, também uma grande surpresa. É verdade que estava como primeiro vice-presidente na gestão anterior, mas não esperava a eleição para a presidência, e muito menos a eleição aqui agora no Celam. Como conjugar essas duas presidências, com o apoio dos irmãos, a oração e a graça de Deus.
A gente perguntava o que pede para os irmãos bispos, mas o que o Senhor pede para Deus, qual será sua oração nos próximos dias?
O dom do discernimento. O dom do discernimento para mim é algo fundamental, e o dom do discernimento segundo a tradição pressupõe ao menos três coisas: primeiro ter presente o que está em jogo, aquilo que envolve propriamente o nosso trabalho; segundo, a disposição para rezar isto; o terceiro aspecto a abertura para o diálogo entre irmãos. Quando temos esses três aspectos, conseguimos desenvolver esses três aspectos, nós encontramos os caminhos certamente que o Espírito de Deus inspira e pede de nós para o tempo presente.
Fonte: VaticanNews