O Papa Francisco pede-nos que cuidemos não somente da saúde física, mas, também dos vínculos, no acompanhamento dos enfermos.
Leia aqui a mensagem do Papa
Karen Bueno conversa com a Ir. M. Teresa Olivares, do Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt, que é médica especialista em cuidados paliativos e trabalha em um hospital público, de Santiago, no Chile.
Irmã, o que significa, segundo seu ponto de vista, cuidar dos enfermos a partir da Aliança de Amor? Como o vínculo com a Mãe influencia no cuidado dos pacientes?
Eu creio que cuidar das pessoas, a partir da Aliança de Amor, recorre ao termo “cuidar” propriamente. Para mim, trata-se, em primeiro lugar, de poder olhar a pessoa pelos olhos de Maria. Eu me recordo de algo, de quando estava estudando Medicina: evidentemente, todo sofrimento faz com que se questione muitas coisas. Também surge a pergunta: onde está Deus em meio a todo esse sofrimento? E me lembro que, num processo de olhar tudo o que isso significa, me dei conta de que Deus está em cada um de nós. Ele cuida daqueles que sofrem, não somente dos médicos e dos profissionais da saúde, mas de todos aqueles que são testemunhas, por assim dizer, do sofrimento e da dor do outro.
Evidentemente, o cristianismo tem em seu centro o cuidado pelo mais vulnerável e pelo enfermo. Mas, creio que Schoenstatt tem, em seu carisma, ver todo o sofrimento com os olhos e o coração de Maria. É uma forma diferente de ver, não é melhor nem pior que outras, simplesmente é uma forma diferente de poder olhar. Isso faz uma grande diferença na vida prática.
A partir desse olhar – que vale também para os [profissionais] homens – podemos buscar a delicadeza, a dignidade… Por exemplo, descobrir o paciente, para examiná-lo, só se for necessário, ou, não descobri-lo se não for necessário, na limpeza do ambiente… Claro, tudo isso falando sobre o ambiente mais técnico. Mas, não se trata de dedicar-se apenas às pequenas coisas e esquecer-se do motivo para qual se está ali efetivamente, que é para implementar um tratamento, fazer um diagnóstico. Essas coisas, que parecem detalhes, para alguém que olha com os olhos de Maria, não são insignificantes.
Preocupar-se não só pelo entorno físico, como também pela família, pelos seres queridos, pelos aspectos sociais, psicológicos e espirituais do paciente. Essa é uma forma de olhá-lo e ao seu sofrimento por meio dos olhos de Maria. E, por último, olhar o sofrimento pelos olhos de Maria é também essa forma crente, ao pé da cruz do Senhor, que nunca cai no desespero, no pessimismo absoluto, ou no niilismo mais terrível, porque sempre sabe que o Pai sustenta os braços da cruz de seu Filho.
Em resumo, podemos dizer: é ter a fé de Maria, o coração de Maria, os olhos de Maria, as mãos de Maria… tudo isso somos nós, quando estamos frente ao nosso trabalho.
O que a senhora diria a uma pessoa enferma e às pessoas que a acompanha?
Eu lhes diria, em primeiro lugar, que isso não é um castigo e não se trata de buscar algo como: “fiz algum mal em minha vida para estar passando por isso?”. Eu sei que, num primeiro momento, sempre nos perguntamos: por que essa dor e sofrimento para mim? O que eu fiz para merecer isso? Surgem muitas perguntas como: eu me cuidei tanto, então, por que isso aconteceu? Acredito, e também sob o ponto de vista psicológico, que isso ajuda pouco. Isso não nos ajuda a crescer e nem a superar. Creio que são essas duas coisas [que podem ajudar]:
– Primeiro, a fé crente em um Deus que é bom, que não quer meu mal, que não está me castigando, mas que efetivamente está me sustentando. Eu acredito que essa é uma das primeiras coisas.
– Em segundo lugar, captar que uma enfermidade, um sofrimento, sempre implica um processo, um processo que é lento, que não acontece de uma hora para outra, mas, que necessita ir avançando e crescendo nele e ir descobrindo o porquê das coisas.
Eu conversava com uma paciente, que apresenta um quadro muito difícil, pois ela tem uma enfermidade que compromete todo o seu intestino, desde a boca até embaixo, e não poderá voltar a comer nunca mais. Terá que se alimentar sempre por uma sonda direto ao intestino ou por uma veia. Justamente eu tive que fazer todo um processo em relação a isso. Então, começamos: isso é assim, esse é o seu sofrimento. Você não poderá voltar a comer as coisas que gostava e também as que não gostava tanto. Mas, é uma dor, é algo que tem que fazer. Por outro lado, nós conversamos e estamos fazendo muitos esforços para que ela possa se alimentar por outras vias e continuar se nutrindo. Então, a pergunta é: por que vamos fazer isso? Há muito que não se pode fazer. Mas, há também tanto que, ao mesmo tempo, se pode fazer, por quem se entregar, tantas coisas que se abrem em uma situação como essa.
O Papa Francisco nos diz que “cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde – com a criação, consigo mesmo”.
Que motivação isso traz para a Família de Schoenstatt?
Um dos vínculos mais relevantes é efetivamente o vínculo às pessoas. O que celebramos no 31 de Maio são as pessoas como mediação que, em primeiro lugar, nos levam a Deus, que nos possibilitam amar a Deus com nosso coração plenamente humano. Essa é uma das primeiras coisas. Nesse sentido, tanto o enfermo, como quem cuida dele, pode se sentir como mediação e como ponte ao coração de Deus. Eu, como enfermo vulnerável, que necessito dos cuidados de outro, sou uma ponte para que aqueles que cuidam de mim possam chegar ao coração de Deus – e essa é, provavelmente, minha tarefa mais importante. O cuidado, minha vulnerabilidade, meu sofrimento, tudo isso pode ser um caminho para que outros possam chegar ao coração de Deus e amar a Deus com todo seu coração. Isso implica muita humildade, não estou dizendo que seja fácil.
Gosto de pensar no mundo dos vínculos como uma rede. Nós necessitamos dos vínculos ao que foi criado, à natureza, às pessoas, às coisas, às ideias, ao trabalho… todos aqueles vínculos e todas aquelas relações, que para nós são relevantes, vão se constituindo como uma rede, oferecendo suporte ao nosso eu mais autêntico, mais verdadeiro, aquilo que em nós é como luz que nos dá vida e dá vida a outros. Portanto, (é importante) fortalecer todos esses vínculos, em todos os sentidos, da maneira como fazemos em Schoenstatt. E, com o ardor do nosso coração, saber renunciar, pois, isso também é parte do fortalecimento dos nossos vínculos.
Tudo o que significa a educação nas relações humanas e com todas as coisas que foram criadas vai fortalecendo essa rede, que sustenta quem somos. Isso é, claramente, muito atual, não somente de modo geral, nas relações com os enfermos. Mas, em Schoenstatt há uma transcendência e uma profundidade que se arraigam na Aliança de Amor e no Santuário.
Fonte: sch.com