“A sociedade humana prospera mais, sente-se mais feliz e realizada, antes com o excesso do que com a falta de trabalho,” diz o Pe. Kentenich e Ir. M. Annete Nailis registra em seu livro: Santidade de todos os dias. Ele continua: “Isto nos convence de que o trabalho deve ser realmente uma fonte insubstituível de felicidade. Mas, o mais conveniente é alternar com prudência o trabalho e o descanso.”
Este é o tema desse artigo escrito por Ana Paula Paiva, esposa do Guilherme Paiva, e pertencem juntos ao Instituto de Famílias de Schoenstatt. Leia o que ela diz:
“Nunca estive tão cansado como agora”
Esta parece ser a queixa mais comum dos consultórios de psiquiatria e de problemas laborais. A taxa de doenças relacionadas ao excesso de trabalho, aliado às funções que exigem muitas horas de trabalho dentro e fora do posto de trabalho tem aumentado, o que – aliado à tendência home office e a falta de costume cultural em lidar com essa forma de trabalho (que exige conscientização quanto aos horários e limites de atendimento de demandas profissionais) têm dificultado ainda mais os tempos sadios de descanso. E então, com uma alegria contagiante…
…chegam as férias e … não sabemos o que fazer com elas.
Quando pensamos em descanso, o primeiro e mais forte impulso que temos é pensar que, para usufruí-las é preciso nada fazer, como se o descanso fosse a ausência de atividade completa. Mas, na realidade, descansar – realizar uma pausa criadora em nossas atividades habituais – pode significar pausa no trabalho e nos estudos, continuando a ser ativo em campos importantes e essenciais na condução de toda a nossa vida. Ninguém tira férias da família ou da vida espiritual, não é mesmo?
Aliás, essa era uma preocupação importante de Pe. Kentenich, quando os seminaristas deixavam Schoenstatt para retornar às suas casas durante as férias: que não se perdessem na ausência de atividades formais de espiritualidade e que mantivessem acesos os impulsos aos altos ideais. Exatamente o mesmo se passa conosco: descansar não significa deixar de cuidar da vida espiritual, de rezar com vigilância, de frequentar os sacramentos. Descansar não é uma pausa de quem somos chamados a ser, de olhar para os altos montes e lutar contra nossas baixas tendências.
Descansar é pausar o trabalho e o estudo para refazer as energias, aproveitar o tempo livre para passar mais tempo com os filhos, ler aquele livro super bacana que está na gaveta ao lado da cama há meses, desligar-se das obrigações laborais, e conectar-se a algum hobby ou atividade de lazer. Afinal de contas, todas as nossas ações cansam, pois dispensam energia: estudar cansa; trabalhar cansa; mas assistir televisão o dia todo também cansa, assim como cuidar dos filhos (atividade para a qual não se tira férias nunca). Não fazer nada cansa, do mesmo modo que ter um dia atarefado o faz.
Férias não é o hakuna matata
E se é assim é preciso escolher com o quê queremos nos cansar, não é verdade? Pelo quê eu quero esgotar todas as minhas energias ao final do dia? Por quem?
As férias apresentam ocasiões para estreitar vínculos familiares, acompanhar os filhos nos acontecimentos mais corriqueiros de suas vidas – e exatamente por isso mais propícios aos vínculos e à educação, passar mais tempo com o cônjuge e nutrir a conjugalidade. As possibilidades são infinitas, porque o amor é criativo e encontra formas sempre novas de amar.
Férias, contudo, não é justificativa para falta de ordem e organicidade na vida familiar. Até se pode, e deve – em muitos casos -, abrandar algumas normas familiares em nome justamente da organicidade (e para o bem e alegria geral da nação), mas isso não significa que o lar deve se tornar caótico, as crianças sem rotina e a organização doméstica imprevisível. Em parte, o sentimento de que precisamos de férias das férias vem, justamente, dessa compreensão equivocada de que férias é ausência de qualquer ordenamento de vida. Pelo contrário, a virtude da ordem é a garantidora da liberdade e da tranquilidade, não porque a forma estanca e paralisa, mas porque, justamente, possibilita a ação serena e atenta. Com ordem podemos fazer, conscientes e de coração, tudo aquilo a que nos propomos, na certeza de que estamos onde deveríamos estar, inclusive quando estamos, despreocupados, tomando sorvete e andando de bicicleta com os amigos (normalmente não ao mesmo tempo).
Férias não é o hakuna matata da ausência de responsabilidade e consciência de missão – como se fossemos Simba que se esquece da sua herança (e da majestade que foi chamado a vivenciar) para enfiar-se em buracos e comer insetos. Férias é o tempo propício para descansar, sem a pressão do trabalho e dos estudos – entregar-se à ocupações de lazer e vínculos, conscientes de quem somos e de que o podemos ser, atarefados ou não.