Nair Pozzobon nos conta como era a vida com seu Pai
Meu pai era um homem bondoso
Na hora em que ele devia chamar a atenção pelas as coisas que não eram bem feitas, ele o fazia com firmeza, mas com bondade. Ele nunca nos bateu. O carinho dele era discreto. Não era um carinho de abraços, porém, mais de palavras.
O ritmo familiar era normal. Ele nos fazia levantar cedo, fazíamos as orações e depois cada um ia para o seu trabalho. As crianças iam para a escola e os outros filhos, como o Ary, que era o mais velho, ajudavam no armazém. Nós, também, quando crescemos e paramos de estudar, íamos trabalhar no armazém.
O pai brincava conosco
Enquanto éramos crianças, o pai brincava conosco, principalmente à noite, enquanto a mãe preparava o jantar. Nós brincávamos com ele na sala, onde depois passou a estar a Imagem da Mãe e Rainha. Certa vez, no meio da brincadeira, ele ergueu alto demais uma das filhas e ela bateu com a cabeça no teto da casa. Ele, então, ficou muito chateada com isso.
Na época em que a rua tinha muitas valetas e chovia, nós gostávamos de brincar na água. Ele, então, ia até nós e nos chamava de volta. Apenas dava um estalo na língua e nós já corríamos para dentro de casa.
Nas refeições com a família
Na mesa nunca nos obrigou a comer de tudo, porque nós já o fazíamos, espontaneamente. Como éramos de origem italiana, comíamos polenta, arroz, carne e verduras. Estas, meu pai plantava.
Ele era um homem dinâmico. Além de ter o armazém, também cultivava a horta. Ali tinha de tudo: verduras, tomates, ervilhas, cenouras, repolho…
A gente rezava à mesa e não me lembro de discussões durante as refeições como hoje se vê em algumas famílias.
No relacionamento com a minha mãe
O relacionamento entre meu pai e minha mãe era normal. Nós não os víamos se dando abraços, mas ele era bondoso com ela e ela, também, com ele. Tanto é, que ele levava o cafezinho para ela na cama. E, no tempo da Campanha da Mãe e Rainha, ela o esperava à noite, para dar-lhe um cafezinho quente em sua chegada.
Ela também ajudava no armazém até certa idade. Depois, os filhos passaram assumir o armazém. Ela, então, ficava mais nos afazeres da casa.
O pai que cuida da casa
Ao redor da casa havia um ambiente bem cultivado. As flores, as verduras e os legumes eram plantados por meu pai e por minha mãe. Com isso, não era preciso comprar as verduras, mas apenas as batatinhas. De resto, os pais cultivavam mandioca, batata doce e milho. A gente se deliciava com isso. Uma das hortas ficava, aqui, no fundo de minha casa.
Havia, também, plantas frutíferas: bergamotas, laranjas, pêras e pêssegos. Era meu pai que podava as árvores e cuidava das plantas. Ele tinha uma mão para toda obra.
No relacionamento com os filhos casados
Meu pai tratava todos os filhos de maneira igual. Mas, depois de casada, eu me sentia privilegiada por ele, porque ele era muito voltado à família e as vocações. Como eu tive oito filhos, ele me chamava de “rosa” e ao Jaime meu marido de “cravo”.
A participação da família nos terços
Na nossa família rezávamos o Terço com os pais. À noite, quando ele saía para rezar nas famílias, a gente ia com ele para ler os mistérios e começar os cantos. Meu pai quase não lia, por causa do seu problema de visão. Nós achávamos isso normal. Minha irmã Otília acompanhava mais meu pai na Campanha do Terço.
Os nossos passeios eram para a Igreja. Ali participávamos das festas, dos teatros e daquilo que, hoje, chamamos de festivais. Eram representadas as histórias dos Santos e outras coisas.
Os domingos da família
Aos domingos, a gente levantava cedo e, todo mundo ia para a Missa. Isso não era difícil para nós, porque era um costume. Meu pai nos levava em sua aranha. Um dia, com a aranha cheia, o cavalo tropeçou e minha irmã Petrolina caiu e a roda passou por cima dela. Mas nada aconteceu com ela.
Na distribuição de sua herança
Na distribuição da herança, meu pai queria fazer o testamento ainda em vida. Minha mãe não tinha esta vontade. Talvez tivesse medo de que alguma coisa não desse certo. Mas ele a convenceu e, então, fizeram o testamento em vida. Ele doou um terreno para cada filho. Porém, houve alguns que não quiseram o terreno porque precisavam do dinheiro. Foi, então, que meu pai vendeu os terrenos destinados a eles e deu-lhes o dinheiro.
A família ajuda na Vila Nobre
Meu pai, também, me pediu para ajudá-lo na Vila Nobre da Caridade. Como viu a necessidade de dar instrução àquelas famílias pobres, que não tinham formação familiar e nem religiosa, então, ele e o Pe. Gabriel Bolsan tiveram a idéia de me tornar professora da Vila. Eu não era formada, mais tinha condição de dar aulas. Fui, então, registrada como professora da Prefeitura, na 8ª Delegacia de Ensino.
Eu dava as aulas do primeiro ao quarto ano. Além disso, também ensinava religião. Eram 16 alunos, às vezes um pouco mais ou menos. Eram as crianças da Vila Nobre da Caridade.
Eu lecionei só um ano. Depois arrumei um namorado, noivei e casei. Foi, então, que ele me disse: “Agora, tu não precisas mais lecionar”.
O educador dos pobres
Na Vila havia um regulamento. Se alguém não o observasse, devia deixar a Vila. As famílias também tinham um tempo para ficar lá. Depois, meu pai dava um jeito de arrumar um outro lugar para morar. Isso, para que, realmente, aprendessem a viver. Por isso, a Vila era um tipo de escola, onde as famílias carentes aprendiam a viver. Quando uma família saía, vinha outra tomar conta da casa desocupada.
Meu pai era uma espécie de educador dos pobres. Ali na Vila eles aprendiam, com ele, a trabalhar e a valorizar a vida. Eram pessoas que não tinham noção do trabalho. Outras tinham noção, mas faltava-lhes vontade de trabalhar. Ele lhes dava muito estímulo e muitas pessoas se fizeram ali dentro da Vila. Ensinadas por meu pai, elas aprendiam a cultivar as suas pequenas hortas, atrás das casinhas. As pessoas tinham que andar na linha, ou então, sair da Vila. Meu pai observava muito a moral. Se houvesse coisas erradas lá dentro, ele não tolerava.
Essa era a nossa vida em família e a gente achava tudo muito normal. Hoje, quando as pessoas me perguntam se consigo imaginar meu pai canonizado, respondo que vejo isso tão normal, a ponto de achar que todos os cristãs deveriam viver assim. Sinto-me feliz, mas acho que todos deveríamos viver desta forma.
Fonte: Revista “Tabor em Páginas”, Ano X, nº 37
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