
Credito: Divulgação Netflix
Pe. Kentenich, nosso Fundador, ensina-nos a estarmos atentos ao que move a sociedade e, sob as luzes do Espírito Santo, refletir sobre o que Deus quer de nós com essa situação.
Ana Beatriz B. M. Suzan – A nova série da Netflix, Adolescência, chegou com tudo. Ela não é baseada em fatos reais, mas foi inspirada em algumas histórias que aconteceram na vida real. (Veja no final uma sinopse da série)
Deus nos fala através dos sinais dos tempos e essa série serve como um alerta para pais, responsáveis, professores, terapeutas de adolescentes e adultos em geral. O Pe. Kentenich dizia que o meio social é um co-educador secreto, que exerce uma influência tão forte que torna difícil decidir frente à pressão do grupo. Hoje esses co-educadores são os influenciadores sem conteúdo algum, pouco preparados e que estão moldando toda uma geração. Os emojis dizem mais que conversas e conselhos, likes são mais importantes e selam a “autoridade” daquele influenciador e os reels estimulam comportamentos cada vez mais vazios.
O que fazer?
Então, o que precisamos fazer? Retroceder? O Pe. Kentenich nos ensina que jamais devemos retroceder; só nos resta avançar: “Quanto mais progresso exterior, tanto mais aprofundamento interior (autoconhecimento)… O grau de nosso progresso nas ciências tem de ser acompanhado de igual aprofundamento interior e crescimento espiritual. Do contrário, cavar-se-á em nossa alma imenso vazio, tremendo abismo que nos tornará imensamente infelizes. Por isso, autoeducação!”[1]
Mas o que isso significa? Que primeiro precisamos nos conhecer enquanto seres humanos e compreender a missão de ser pai e mãe. Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança e estabeleceu a ordem natural como meio, proteção e expressão da experiência do sobrenatural. Essa ordem nos orienta com segurança sobre o que devemos fazer, e, para isso, precisamos estar atentos ao que a vida nos chama. Pe. Kentenich ensina que “se há uma vivência real de filho e de mãe, o coração é marcado pela vivência do estar abrigado. Isto é de grande importância para os homens em tempos confusos, tão desamparados e tão inseguros. A característica de nosso tempo é certamente uma multiforme insegurança e um multiforme desamparo.”[2]
Fortalecer os vínculos na família
Para educar nossos filhos, é preciso entender toda a estrutura do seu ser. É necessário compreender que os modos de se relacionar, estudar e até se divertir mudaram. Devemos saber o que eles assistem, o que ouvem, trazer os amigos para perto. E também reconhecer que o ser humano possui uma capacidade infinita de desenvolvimento, apesar de suas limitações.
A série retrata bem a ausência de vínculos e de limites em nome de uma “liberdade” que, na verdade, é confundida com uma liberalidade exacerbada. Ainda que vivamos em tempos de falta de limites, os adolescentes precisam de regras bem estabelecidas, o que só acontece com uma educação voltada para a liberdade e a responsabilidade – sendo que uma não existe sem a outra.
Liberdade com responsabilidade
Educar para a liberdade é ensinar a fazer o que deve ser feito, seja na escola, em casa ou nas relações familiares e de amizade. É mostrar que não é preciso reprimir os instintos e impulsos – pois não somos livres deles –, mas sim aprender a direcioná-los com intencionalidade e responsabilidade.
Os adolescentes precisam ser ensinados a assumir a responsabilidade por suas vidas. Essa decisão é pessoal e deve ser orientada pela própria consciência, sem basear-se em falsos moralismos, pressões externas ou influências do mundo virtual. Eles precisam ter referências claras sobre o que é humano e o que não é, o que tem sentido e o que não tem, o que humaniza e o que desumaniza. Para isso, é essencial que se conheçam, saibam suas forças e fraquezas, qualidades e defeitos.
O ser humano é relacional: para ser pessoa, é necessário encontrar-se com o outro, reconhecendo-o como ser humano. O Pe. José Kentenich nos deixou um grande ensinamento sobre a importância dos vínculos. Vinculação é uma relação pessoal estável, baseada na acolhida e na conexão de coração. Ela cria laços de mútua pertença, amor e autonomia vinculada – solidária e livre ao mesmo tempo.
Ele fala sobre o perigo do “atrofiamento da capacidade de amar. Isto se aplica, em primeiro lugar às sempre crescentes tendências de massificação que arrancaram violentamente o homem das suas vinculações elementares e fundamentais a Deus e ao homem. E fora de dúvida que à medida que foge e desaparece o amor pessoal ao tu pessoal humano e divino, (a pessoa) torna-se ‘coisa’… liberando o caminho para o que é sem alma: o homem-massa desalmado, fatigado da liberdade e incapaz de tomar uma decisão… e onde o amor é dirigido com sábia e vigorosa disciplina, se está a caminho de fazer ‘do amor a lei fundamental do mundo’, a lei da vida e da educação e a dar à pessoa e à comunidade o valor desejado por Deus.”[3]
Como imagem e semelhança de Deus, somos chamados a amar e ser amados. É na experiência do amor em família, na presença dos pais, que se formam e se consolidam todas as atitudes pessoais – de forma positiva ou negativa. A vida se inflama com a vida!
Sinopse da série: Adolescência
É uma série que prende bastante a atenção, justamente por ser muito realista e pesada. Além disso, é angustiante e indigesta em alguns momentos. Se você tiver o mínimo de sensibilidade, ainda que não tenha filhos, a série irá mexer com você.
É uma trama bem escrita, os atores foram excelentes e a forma como foi filmada é envolvente, quase imersiva, o que faz com que o espectador se perca em divagações. Porém, não é uma série com resoluções; ela nos deixa sem muitas respostas, assim como acontece na vida real. Muitas coisas acontecem, aconteceram e continuarão acontecendo, sem que tenhamos respostas para tudo. Outras são mistérios.
Quero ressaltar não a trama em si, pois sabe-se que um menino de 13 anos cometeu um crime e está sendo investigado por isso, mas sim o cotidiano que se destaca. A série nos convoca para um debate profundo sobre a adolescência, a partir da perspectiva dos adultos, e alguns aspectos me chamaram a atenção.
Diferentes gerações e a autoridade
Ela retrata muito bem a diferença entre gerações, que sempre existiu, mas que hoje parece estar ainda mais evidente. Na série, os adultos são incapazes de compreender todo o vocabulário utilizado pelos adolescentes, tanto no mundo real quanto no virtual. A barreira é geracional e contextual. Existe uma dificuldade em conhecer e compreender o que se passa na adolescência e na realidade dos filhos e alunos, e isso só faz com que essa barreira aumente.
A crise de autoridade foi outro ponto que observei na série. O Pe. José Kentenich dizia que a autoridade parental desapareceu progressivamente: “As crianças foram instigadas a se oporem aos pais, influenciadas por ideias revolucionárias. Os pais precisaram dedicar-se mais à profissão e, consequentemente, não podiam exercer a autoridade no seu verdadeiro sentido.”[4]
As cenas da escola – nas relações entre alunos e professores, alunos e policiais, e entre o menino e a psicóloga – me fizeram refletir: onde está a autoridade? A autoridade no seu verdadeiro sentido, ou seja, aquela que gera crescimento e conduz filhos e alunos ao amadurecimento e à superação de si mesmos.
Relação familiar
A relação entre pais e filhos também ganha destaque, especialmente na interação entre o detetive e seu filho adolescente, que estudava na mesma escola dos envolvidos no crime. Além disso, os pais do menino acusado sentem culpa e se questionam sobre onde falharam, levantando uma questão importante: até que ponto o respeito à privacidade dos filhos deve ir? Será que liberdade significa deixar que façam o que quiserem, sem horário e sem limites? A série chama a atenção para um drama silencioso: ao perceberem a desconexão entre adultos e adolescentes, todos levam um choque de realidade.
Agora, falando da adolescência propriamente dita, há aspectos que se destacam na série.
A adolescência e a era digital
A velocidade da era digital e tecnológica é algo que não conseguimos acompanhar. Com o advento das redes sociais e dos jogos de realidade virtual, tudo se mistura, e essa nova forma de se relacionar e enxergar o mundo muitas vezes dessensibiliza e distância da realidade. Do ponto de vista das neurociências, o cérebro não distingue o que é real do que é imaginário, em qualquer fase da vida. O perigo desse excesso de jogos virtuais, redes sociais e streamings na adolescência é que o córtex pré-frontal – região responsável pela capacidade de planejar e tomar decisões – ainda não está totalmente desenvolvido. Assim, o virtual e o real se confundem, embora a série mostre que o menino sabia discernir entre certo e errado.
Outro aspecto da adolescência é a vulnerabilidade dessa fase, que se entrelaça com a busca pela identidade e pelo pertencimento, a falta de autoconhecimento e a ausência de valores, fatores que contribuem para a banalização da vida e a relativização dos atos, sem consideração pelas consequências.
Enfim, a série mostra que a vida é dura, que os atos têm consequências e que não é possível voltar no tempo ou olhar para o presente ignorando o passado.
* Ana Beatriz pertence a União de Famílias de Schoenstatt e é logoterapeuta
[1] Kentenich, Pe. José, (conferência de 1912) em Sob a Proteção de Maria, 2012, p. 27
[2] Kentenich, Pe. José, Que se faça o Homem Novo, 1950, p. 71
[3] Kentenich, Pe. José, em Carta para Outubro 1949
[4] Kentenich, Pe. José. Proposta Pedagógica para um Educador Católico, 1950, p. 57..