O Pe. Kentenich se refere ao resgate da missão salvífica de Ocidente em um segundo sentido específico.
A espiritualidade cristã ocidental, afirma, em comparação com a espiritualidade cristã oriental, acentuou o caráter encarnatório do cristianismo, é dizer, a relação entre “natureza e graça”, entre “a Causa Primeira (Deus) e as causas segundas (as criaturas)”.
O característico do Oriente é uma concepção do mundo em que predomina a atitude do homem para com a divindade. É uma cultura que tende a desprender-se do terreno, para volver-se para o absoluto transcendente. Pensemos por exemplo no hinduismo.
No Ocidente, ao contrário, encontramos a tendência a acentuar mais o terreno, tudo o que o homem faz aqui na terra.
Nos últimos séculos, desde a Reforma e o Iluminismo, no âmbito cultural do Ocidente, se foi criando um pensamento separatista, que o Pe. Kentenich denomina “pensar mecanicista” e considera como uma enfermidade da alma ocidental. A este modo de pensar mecanicista, o fundador de Schoenstatt contrapõe o “pensar a mentalidade orgânica”.
Segundo o Pe. Kentenich, uma das grandes contribuições que o cristianismo surgido no âmbito de Ocidente, está chamado a oferecer para a evangelização dos povos, é este modo de pensar e ver a realidade. Isto significa, transmitir uma fé e uma espiritualidade que permite captar a relação harmônica do natural e o sobrenatural, de Deus e a criatura, segundo a qual, a natureza e a graça, Deus e homem, não se opõe mecanicamente nem são realidades justapostas, uma ao lado da outra.
Para compreender melhor esta visão, a mentalidade orgânica, é preciso ter presente as seguintes considerações que faz o Pe. Kentenich:
Santo Agostinho, a maior figura do cristianismo primitivo, teve a missão de destacar o lugar que correspondia a Deus dentro do mundo, como Causa Primeira. Agostinho viveu em um momento em que o cristianismo começa a penetrar no mundo dessa época e começava a chegar até aos círculos intelectuais. Daí sua preocupação em tornar a doutrina cristã compreensível e atraente para eles.
Para isto se apoiou na filosofia reinante, o neoplatonismo. Sabemos que o platonismo dava importância primaria às “ideias”. Estas eram o real e verdadeiro; em contradição, o mundo e as coisas são reflexo delas e só aparências. De este modo se restava valor ao terreno, o mundo como tal.
Santo Agostinho “cristianizou” o pensamento de Platão. A partir do platonismo olha a realidade primeiramente desde o ponto de vista sobrenatural. Sua conquista é precisamente haver reafirmado o lugar de Deus como Causa Primeira, como “o verdadeiro” e definitivo. (Analogicamente ao que Platão ensinava sobre as idéias). Seu pensamento gira em torno a Deus (não como ideia, senão como Deus pessoal, revelado por Cristo), sem destacar a importância e o valor a autonomia das criaturas.
A outra grande figura que ha influído extraordinariamente no Ocidente é São Tomás de Aquino.
São Tomás teve acesso, através dos filósofos árabes, aos escritos de Aristóteles, quem complementava a Platão, sua filosofia. Aristóteles dava importância preponderante a realidade, as coisas, ao homem, no que são elas por si mesmas.
Ele captou a doutrina aristotélica das causas segundas (de a realidade criada) e desenvolveu sua teologia a partir da base aristotélica. Não separa a causa segunda da Causa Primeira. Destaca o Deus como Causa Primeira, mas, vê as realidades criadas como causas segundas, afirmando sua autonomia e leis próprias.
As criaturas tem um valor em si mesmas e leis próprias que as regem. Afirma que as causas segundas não são independentes de Deus, já que Deus é o Criador, em quem as criaturas se sustentam e recebem seu sentido último. Deus mesmo lhe da uma natureza e originalidade próprias, e as resposta em sua ordem de ser natural.
Desta forma, São Tomás elaborou o que poderia chamar-se uma teologia a filosofia das causas segundas. É dizer, a propriedade de as criaturas em relação a Deus e as leis que regem a harmonia entre Deus e o mundo. Dos enunciados tomistas resumem sua visão:
“Deus governa o mundo por meio de causas segundas livres”. “A graça não destruiu a natureza senão que a supõe, a sana, eleva e perfecciona”.
Agora bem, nos últimos 400 anos, pouco a pouco o Ocidente foi perdendo a visão dessa harmonia que São Tomás elaborou doutrinalmente. O Ocidente chegiu a separar quase de modo absoluto, mecanicista, o natural do sobrenatural, tanto na teoria como na prática. Nega o mundo do além e toda transcendência, encerrando-se no aquém, professando um ateísmo prático e teórico.
Neste contexto, Pe. Kentenich desenvolveu, complementando a visão doutrinal de São Tomás de Aquino, uma espiritualidade e pedagogia da harmonia entre a natureza e a graça. Se São Tomás elaborou uma teologia das causas segundas, era necessário elaborar uma psicologia, ascética e pedagógica das causas segundas.
Com isso, Pe. Kentenich responde a um profundo problema do mundo atual e da Igreja: a relação Deus-mundo; a relação do sobrenatural com o natural, da ação de Deus e a liberdade do homem; a autonomia e importância do criado em relação ao Criador. O Concilio Vaticano II expressou mais tarde assim esta problemática: “O divórcio entre Evangelho e cultura é o drama de nosso tempo”.
Neste contexto, Pe. Kentenich destaca o segundo objetivo de Schoenstatt: resgatar a missão salvífica de Ocidente, responsabilizando-se por salvar a harmonia entre a natureza e a graça, tanto no pensar, amar como no atuar e viver do homem moderno.
Portanto, assumir esta missão redentora significa para Schoenstatt:responsabilizar-se pela harmonia entre o sobrenatural e o natural;
- pela união harmônica entre a Causa Primeira e as causas segundas livres;
- pelo cultivo do pensar, amar e viver orgânicos
- tudo isto, em relação a todas as realidades, tanto na teoria como na prática.
“Percebem que, analisando Schoenstatt, a partir do ponto de vista da convulsão espiritual que hoje existe, rapidamente se darão conta que (a doutrina das causas segundas) é o maior, o mais original, o mais amplamente elaborado que podemos oferecer ao tempo e ao mundo atual” (Pe. Kentench, 1967)
Pe. Kentenich anuncia este segundo objetivo de Schoenstatt, especialmente em 31 de Maio de 1949, a partir do santuário Cenáculo de Bellavista:
“Vemos como o Ocidente caminha para a ruína e cremos que somos chamados a partir daqui para realizar um trabalho de salvação, de construção e de edificação” .
Toda a vida e missão de Schoenstatt estão traspassados por seu caráter essencialmente mariano. Também o está em relação ao resgate da missão redentora do Ocidente. O Pe. Kentenich vê em Maria a encarnação preclara da harmonia entre o sobrenatural e natural, o lugar de convergência de Deus e a humanidade. Nela, Deus mostra que é valoriza a criatura e a associa a sua obra salvífica.
Sim, esta é a realidade de Maria, e se compreende então que sua missão vai na mesma direção. Para o Pe. Kentenich, Maria é mais que uma devoção, é um programa de evangelização.
Ele considera, que Maria quis empreender, a partir de Schoenstatt, uma luta contra as “heresias antropológicas” de nosso tempo, conferindo a Schoenstatt a responsabilidade pela missão redentora do Ocidente:
“Sim, pelo Primeiro Documento de Fundação – afirma o 31 de Maio de 1949 – Ela aceitou a tarefa de manifestar-se na Alemanha, a partir de nosso Santuário, de modo preclaro como a Vencedora dos erros coletivistas, então Ela, e me expresso de maneira humana, Ela busca ansiosa com seu olhar instrumentos que lhe ajudem a realizar esta tarefa.
O que nos resta, senão colocar-nos sem reservas à sua disposição – continua – no sentido de nossa consagração, aceitar seus desejos, novamente entregar-nos a Ela e entregar-lhe a responsabilidade por sua grande Obra, na qual nós, dependendo dela e por interess de sua missão, queremos cooperar, sofrer, sacrificar-nos e rezar? A Santíssima Virgem está desvalida. Ela sozinha nada pode. É uma honra para nós podermos ajudá-la. A Santíssima Virgem tem uma grande tarefa para o Ocidente. E uma vez que me fez compreender isto, me pediu que eu também lhe entregasse tudo!” (1949).
Veja também:
A missão redentora do Ocidente em sentido amplo
Tradução: Lucis e Nelci F. Moraes
1 comentário