Veja o discurso do Papa na íntegra
No dia 3 de setembro de 2015, o Papa Francisco recebeu em audiência particular os Padres de Schoenstatt que participavam do V Capítulo Geral da comunidade. Nessa ocasião, apresentaram ao Santo Padre a nova direção geral do Instituto Secular, seus anseios e propostas para os próximos anos. O Papa Francisco agradeceu-lhes a visita e em discurso apresentou algumas reflexões e conselhos, como bom pastor.
“Nós ficamos muito felizes com a tranquilidade e a alegria com que o Papa nos recebeu. Sentimos a sua proximidade, por suas palavras, também nas palavras do Pe. Kentenich que ele mencionou, na forma com que valoriza o nosso Movimento, a nossa espiritualidade. Tivemos a alegria de poder entregar a ele um pequeno Santuário e entregar as chaves do Santuário Original, como símbolo, e até mesmo fazer um convite para que ele possa ir ao Santuário Original. Outro momento interessante foi quando o nosso superior geral, Pe. Juan Pablo, falou que queremos ser ‘Schoenstatt em saída’, e ele reagiu rapidamente com um sorriso, uma expressão de interesse”, conta Pe. Alexandre Awi Mello.
Em sua fala, o Papa Francisco se mostrou atento às questões da espiritualidade de Schoenstatt, dizendo que também se preocupa com que o carisma permaneça vivo e seja transmitido às próximas gerações, mas que ele precisa ser renovado. Baseado na frase do Pai e Fundador de Schoenstatt, Pe. José Kentenich, que diz que é preciso “ter o ouvido no coração de Deus e a mão no pulso do tempo”, o Papa apresentou algumas características que vê como essenciais aos sacerdotes: contemplação, serviço e fraternidade.
“Foi um momento que coroou o nosso Capítulo, um momento em que pudemos prometer ao Santo Padre a nossa proximidade como Movimento, nosso compromisso com o exemplo e a missão que ele vê para a Igreja nos dias de hoje. Nós queremos, como Padres de Schoenstatt, como Movimento de Schoenstatt, nos colocar a seu serviço”, afirma Pe. Alexandre.
Acompanhe o discurso do Papa Francisco aos Padres de Schoenstatt na íntegra:
Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Capítulo Geral do Instituto dos Padres de Schoenstatt
Sala do Consistório
Quinta-feira 3 de setembro de 2015
Queridos irmãos sacerdotes:
Estou contente de estar com vocês neste encontro. E agradeço a Juan Pablo [Pe. Juan Pablo Catoggio, novo superior geral] essas palavras, assim como o testemunho de afeto em nome dos membros do Movimento. Todavia eu também tenho vivo o encontro do ano passado.
O V Capítulo Geral que acabam de celebrar tem lugar no 50º aniversário de fundação do Instituto por parte do Pe. José Kentenich. E após esses anos recorridos lhes preocupa manter vivo o carisma fundacional e a capacidade de saber transmiti-lo aos mais jovens. A mim também me preocupa, que mantenham o carisma e o transmitam, de tal maneira que siga inspirando e sustentando suas vidas e sua missão. Vocês sabem que um carisma não é uma peça de museu, que permanece intacta em uma vitrine, para ser contemplada e nada mais. A fidelidade, o manter puro o carisma, não significa de nenhum modo encerrá-lo em uma garrafa selada, como se fosse água destilada, para que não se contamine com o exterior. Não, o carisma não se conserva tendo-o guardado; tem que abri-lo e deixar que saia, para que entre em contato com a realidade, com as pessoas, com suas inquietações e seus problemas. E assim, neste encontro fecundo com a realidade, o carisma cresce, se renova e também a realidade se transforma, se transfigura pela força espiritual que esse carisma leva consigo.
O Pe. Kentenich o expressava muito bem quando dizia que havia de estar “com o ouvido no coração de Deus e a mão no pulso do tempo”. Aqui estão os dois pilares de uma autentica vida espiritual.
Por um lado, o contato com Deus. Ele tem a primazia, nos amou primeiro; antes que nos ocorra algo, Ele já nos precedeu com seu amor imenso. E São Paulo nos adverte que não atribuamos coisa alguma a nós, como se fora nossa, senão que a capacidade nos vem de Deus (cf. 2 Co 3,4-6). Hoje, no Ofício Divino, a leitura de São Gregório Magno nos falava do sacerdote que está posto como torre de vigia em meio ao povo, para ver desde longe o que se aproxima (cf. Homilia sobre Ezequiel, Lib.1,11,4). Assim é o sacerdote. Refiro-me ao sacerdote desperto, porque o adormecido, por mais elevado que esteja, não vê nada. Assim é o sacerdote. Como o resto de seus irmãos, também ele está na planície de sua debilidade, de suas poucas forças. Mas o Senhor o chama para que se eleve, para que suba à torre de vigia da oração, à altura de Deus; o chama a entrar em diálogo com ele: diálogo de amor, de Pai para filho, de irmão para irmão, diálogo no qual se sente o pulsar do coração de Deus e se aprende a ver mais longe, mais profundamente. Sempre me impressionou a figura de Moisés, que estava em meio ao povo, em meio das desordens, das lutas com o faraó, problemas graves por resolver. Como quando estava na beira do mar e viu o exército do faraó vindo: “Que faço agora?”. Um homem a quem Deus chamava a ser torre de vigia. Levou-o acima e falava face a face. Que “tipaço”! [Qué tipazo!], nós teríamos dito. E o que diz a Bíblia: era o homem mais humilde que havia sobre a terra. Não houve homem tão humilde como Moisés. Quando nos deixamos elevar à torre da oração, à intimidade com Deus para servir aos irmãos, o sinal é a humildade. Não sei, meçam-se com isso. Na mudança, quando são meio “gallitos”, meio suficientes, é porque estamos à metade do caminho e cremos que nós nos valemos.
O Senhor nos espera na oração – por favor, não a deixem –, na contemplação de sua Palavra e na oração da Liturgia das Horas. Não é um bom caminho descuidar da oração ou, pior ainda, abandoná-la com a desculpa de um ministério absorvente, porque “se o Senhor não edifica a casa, em vão se cansam os pedreiros” (Sal 127, 1). Seria um grande erro pensar que o carisma se mantém vivo concentrando-se nas estruturas externas, nos esquemas, nos métodos, na forma. Deus nos livre do espírito do funcionalismo! A vitalidade do carisma se enraíza no “primeiro amor” (cf. Ap 2,4). Do segundo capítulo de Jeremias: “Eu me recordo dos anos de tua juventude, quando me seguias contente pelo deserto”. O primeiro amor, voltar ao primeiro amor. Esse primeiro amor renovado dia a dia, na disposição a escutar e responder com generosidade apaixonada. Na contemplação, ao nos abrirmos à novidade do Espírito, às surpresas, como vós dissestes, deixamos que o Senhor nos surpreenda e abra caminhos de graças em nossa vida. E se opera em nós essa sã e necessária descentralização, no que nós nos afastamos para que Cristo ocupe o centro de nossa vida. Por favor, sejam descentrados. Nunca no centro.
O segundo pilar está constituído pela expressão: “tomar o pulso do tempo”, da realidade, das pessoas. Não há que ter medo à realidade. Há que tomar a realidade como ela vem, como o goleiro quando chutam a bola e dali, dali, de onde vem, trata de agarrá-la. Ali nos espera o Senhor, ali ele se comunica e se revela a nós. O diálogo com Deus na oração nos leva também a escutar sua voz nas pessoas e nas situações que nos rodeiam. Não são dois ouvidos distintos, um para Deus e outro para a realidade. Quando nos encontramos com nossos irmãos, especialmente com aqueles que a nossos olhos ou aos olhos do mundo são menos agradáveis, que vemos? Damo-nos conta de que Deus os ama, de que têm a mesma carne que Cristo assumiu ou fico indiferente ante seus problemas? Que me pede o Senhor nessa situação? Tomar o pulso à realidade requer a contemplação, o trato familiar com Deus, a oração constante e tantas vezes chata, mas que desemboca no serviço. Na oração aprendemos a não passar distantes ante Cristo que sofre em seus irmãos. Na oração, aprendemos a servir.
O serviço, essa nota dominante na vida de um sacerdote! Não em vão o nosso é um sacerdócio ministerial, a serviço do sacerdócio batismal. Vocês são, praticamente, a última comunidade do Movimento fundado pelo Pe. Kentenich; e isso contém uma grande lição, é algo bonito. Este ser os “últimos” reflete de modo claro o posto que ocupam os sacerdotes em relação a seus irmãos: o sacerdote não está mais acima, nem adiante dos demais, mas caminha com eles, amando-os com o mesmo amor de Cristo, que não veio para ser servido mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos (cf. Mt 20,28). Creio que aqui está em essência o que o Fundador de vocês quis para os sacerdotes: servir desinteressadamente a Igreja, a todas as comunidades, o Movimento, para manter sua unidade e sua missão. O sacerdote, por um lado, há de subir à torre da contemplação para entrar no coração de Deus e, por outro lado, há de abaixar-se – progredir é abaixar-se na vida cristã –, há de abaixar-se no serviço, e lavar, curar e colocar vendas nas feridas de seus irmãos. Tantas feridas morais e espirituais, que o tem prostrado fora do caminho da vida. Peçamos ao Senhor que nos dê costas como as suas, fortes para carregar nelas aos que não têm esperança, aos que parecem estar perdidos, àqueles que ninguém dedica sequer um olhar…e, por favor, que nos livre do “escalafonismo” em nossa vida sacerdotal.
Certamente é uma tarefa exigente, que se faz suportável e até bela com a fraternidade sacerdotal. Por favor, sozinhos nunca. O ministério presbiteral não se pode conceber de uma maneira individual ou, pior ainda, individualista. A fraternidade é grande escola de discipulado. Supõem muita entrega de si a Deus e aos irmãos, nos ajuda a crescer na caridade e na unidade, e faz que nosso testemunho de vida seja mais fecundo. Não somos nós os que elegemos nossos irmãos, mas sim somos nós que podemos fazer a opção consciente e fecunda de amá-los assim como são, com defeitos e virtudes, com limites e potencialidades. Por favor, que em suas comunidades nunca haja indiferença. Comportem-se como homens; se surgem discussões ou diferenças de parecer, não se preocupem, melhor o calor da discussão que a frieza da indiferença, verdadeiro sepulcro da caridade fraterna. Ao final, com o amor, a compreensão, o diálogo, o afeto sincero, a oração e a penitência, tudo se supera, e a fraternidade recobra nova força, novo impulso, enchendo de alegria seu sacerdócio. Aprendam a suportarem-se, a discutirem e a perdoarem-se. Sobretudo, aprendam a querer-se.
Contemplação, serviço, fraternidade. Queria compartilhar com vocês essas três atitudes que podem ser de ajuda na vida sacerdotal.
Ao final de nosso encontro, permitam-me que lhes encomende humildemente três coisas. Em primeiro lugar, acompanhar e cuidar das famílias, elas necessitam ser acompanhadas, para que vivam santamente sua aliança de amor e de vida, especialmente aquelas que atravessam momentos de crises ou dificuldades. Em segundo lugar, e pensando no próximo jubileu da misericórdia, que dediquem muito tempo ao sacramento da reconciliação. Sejam grandes perdoadores, por favor. Faz bem para mim, recordar um frade de Buenos Aires, que é um grande perdoador. Tem quase minha idade e, às vezes lhe agarram escrúpulos, de ter perdoado demais. E um dia lhe perguntei: “E vós, que fazes quando te agarram os escrúpulos?” – “Vou à capela, olho o sacrário, e lhe digo: ‘Senhor, perdoa-me, hoje perdoei demasiado, mas que fique claro que o mau exemplo me destes vós’”. Que em suas comunidades sejam testemunhas da misericórdia e da ternura de Deus. E em terceiro lugar, lhes peço que rezem por mim, porque o necessito. Os recomendo com afeto ao cuidado de nossa Mãe Três Vezes Admirável. E que Deus os abençoe. Obrigado.
Fonte: w2.vatican.va (tradução livre)
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