Pela salvação que se aproxima
Pe. Carlos Padilla – Às vezes, quando as circunstâncias da vida não nos agradam, nós queremos mudar tudo. Vemos aspectos do quadro que não nos agradam e queremos borrá-lo. Um imprevisto, umas palavras desnecessárias, um tumor, uma morte inesperada, um defeito reincidente, uma queda surpresa que nos desconcerta, um atraso. Queríamos retirar tudo para deixar a vida como nós gostaríamos de pintá-la, em um quadro ideal que realmente não existe.
Queremos borrar a tristeza de um acidente e deixar somente os sorrisos. Dizem que hoje em dia, com o Photoshop, é possível consertar todas as fotos. Os feios aparecem mais bonitos e os gordos mais magros. Muda-se a luz, a intensidade das cores, inclusive os defeitos que não gostam em nosso rosto. E assim podemos mudar a realidade, mas só na foto.
Desta forma, podemos inventar uma vida feita à nossa medida. Uma vida de cores e cheia de luz. Custa-nos tanto aceitar as circunstâncias adversas que não podemos mudar nem controlar! Por isso perdemos a paz com frequência. Já dizia John Locke: “A felicidade humana é uma disposição da mente e não uma condição das circunstâncias”. A psicóloga Pilar Sordo comentava faz algum tempo: “Ante as circunstâncias da vida tenho duas opções, ou me coloco de mau humor ou me coloco contente! Pudéramos entender esse conceito de felicidade baseado na decisão. Só depende de nós. O que temos é sempre muito mais do que aquilo que nos falta”.
Custa-nos muito carregar nossa cruz e viver as circunstâncias difíceis com um sorriso. Não nos agradam as manchas na toalha branca nem os borrões de tinta na história de nossa vida. É como se, subitamente, tudo parecesse ir contra nossa felicidade. Nos revelamos sentindo-nos feridos por qualquer motivo. A vida parece-nos injusta, pensamos e seguimos tristes. Assim nunca conseguiremos olhar para o alto e confiar. Como disse Bernabé Tierno: “Ante a adversidade, quando as coisas não acontecem como esperamos, perdemos facilmente o controle de nós mesmos e convertemos em problema o que deveria ter sido uma experiência de autodomínio e habilidade para gerir nossas emoções, impulsos e atitudes”.
A felicidade é fruto da confiança
Ou a adversidade converte-se em um trampolim que nos faz subir mais alto, ou nos arrastamos nos queixando pela vida e pensando que temos muita má sorte. Porque, na realidade, trata-se de algo muito simples: nós confiamos ou nós não confiamos em Deus. Se nós confiamos de verdade no amor de Deus e em sua condução, acreditamos que por detrás daquilo que nos ocorre está sua mão bondosa conduzindo nossa vida, conseguiremos entender que Deus desenhará sempre o melhor de nós nessas circunstâncias; então sorriremos e esperaremos.
Mas se, pelo contrário, não confiamos, como ocorre muitas vezes, caminharemos pensando que Deus nos tem retirado sua graça e nos afastaremos ranzinzas. Porque, a verdade é que nós temos complexo de perseguição. Em seguida pensamos que as estrelas se alinharam para desencadear sua fúria sobre nós. E, entretanto, vemos como os demais são felizes em suas vidas sem problemas. É o que dizia Montesquieu: “Se nos bastasse ser felizes, as coisas seriam facílimas, mas nós queremos ser mais felizes que os demais, e isso é quase sempre impossível, porque cremos que os demais são bem mais felizes do que são na realidade”.
Comparamo-nos muito e pensamos que somos menos afortunados, menos queridos e valorizados que os outros. Encerramo-nos, então, em nossa torre defensiva e nos conformamos em não sermos felizes. As circunstâncias adversas nos superam, nos limitam e impedem nossa luta. Sentimo-nos frustrados ente a cruz e a dor. Experimentamos a impotência e a desesperança. Bloqueamo-nos em nossa tentativa de lutar e não avançamos. Queremos ser felizes, mas a vida frustra nossos sonhos.
Hoje é o Domingo da Alegria
Hoje a Igreja celebra o Domingo “Laetare”, domingo da alegria nesse caminhar da Quaresma. Caminhando com a cruz até o Calvário, o Senhor nos pede que permaneçamos alegres, que nada tire nossa felicidade e que as circunstâncias adversas não nos desanimem. Parece-nos quase impossível. Mas as palavras de Bento XVI explicam: “Hoje a liturgia nos convida a alegrar-nos porque aproxima-se a Páscoa, o dia da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte”.
Cristo já venceu sobre o pecado e a morte. Essa vida temporária e breve é só um passo rumo à eternidade. O que ocorre é que nós, os cristãos, não temos pressa para chegar ao céu. Não podemos exclamar com Santa Teresa: “Morro porque não morro”. A morte e o fracasso de nossos planos humanos parecem-nos um final muito triste. Por isso é que, ao caminhar até a Páscoa, a Igreja nos pede que estejamos alegres, porque se aproxima o dia de nossa libertação. É o principal motivo de nossa alegria, Deus já nos libertou. Por isso brota a felicidade do coração, essa verdadeira alegria que todos ansiamos.
Da fonte desse amor crucificado brota nossa alegria. O amor de Deus se comunica a nós para que possamos presentear essa alegria que não nos pertence. O Pe. Kentenich dizia: “Se quero chegar a ser um mestre da alegria, um apóstolo da alegria, um artista da alegria, devo ser então, um artista, um apóstolo, um mestre de um amor a Deus de fundação profunda e elevada aspiração ”.
A alegria mais autêntica é um dom que nos é presenteado do alto, que vem do amor de Deus. O homem não pode inventar a alegria, a recebe de forma gratuita. Podemos mudar nossa forma de pensar, podemos ter uma disposição positiva ante a vida e as circunstâncias e assim sofrer menos, tudo isso ajuda; contudo, a alegria que ansiamos, a que sacia nossa sede mais profunda, o anseio de infinito que todos temos na alma, é uma alegria que vem do alto. Trata-se de um dom que recebemos e não merecemos, uma graça que só suplicamos.
Um paradoxo da fé
Hoje Deus nos pede para enfrentarmos cara a cara esse mal que, às vezes, tira nossa esperança. Quer que enfrentemos nossos medos e nossa cruz. Assim ocorreu com o povo de Israel no deserto, quando umas serpentes causavam feridas de morte. Santo Agostinho comenta: “Muitos morriam no deserto pelas picadas das serpentes. E por eles Moisés, por ordem de Deus, levantou no alto uma serpente de bronze no deserto; quantos olhavam para ela, ficavam curados no ato”.
Paradoxalmente, o que era causa de morte se converte em causa de esperança. O pedido de Deus a Moisés parece quase absurdo. Como é possível que essa mesma serpente que causa a morte possa dar a vida? Como pode ser nosso pecado, essa debilidade que detestamos, causa de nossa salvação? Pensar que basta olhar cara a cara a serpente que mata ao homem, para poder tocar assim a salvação, nos parece uma loucura.
Mas Santo Agostinho acrescenta: “A serpente levantada representa a morte de Cristo. Assim como em outro tempo ficavam curados do veneno e da morte todos os que viam a serpente levantada no deserto, assim agora o que se conforma com o modelo da morte de Jesus Cristo por meio da fé e do batismo, se livra também do pecado pela justificação, e da morte pela ressurreição. E isto é o que diz: ‘Para que todo aquele que crê n’Ele não pereça, mas que tenha vida’”.
Ao levantar a cruz de Cristo, somos salvos de nossos pecados. Recebemos a graça do perdão, recuperamos uma vida que havíamos perdido. Desde o momento em que começamos a crer nele, nossa vida muda. O mal da cruz, que acaba com a morte de Cristo, converte-se para o cristão no sinal de salvação. É um escândalo. Um sinal demoníaco como o madeiro da cruz, causa de muitos crimes injustos, um madeiro ensanguentado, se converte em instrumento de salvação para o homem que vive escravo de seu pecado. É o paradoxo da vida do cristão que beija com humildade o mal que acaba salvando sua vida. A morte traz a vida, a dor a esperança.
A ousadia de enfrentar os medos
Mas, o certo é que, na vida, custa-nos enfrentar o que nos assusta, o que cremos ser a causa de nossos males, e geralmente colocamos nossa cabeça “debaixo da terra”. Agrada-nos esconder nossos pecados, ocultar nossos vícios, maquiar nossas feridas. Pretendemos aparecer imaculados ante os homens, para que não descubram nossa debilidade e possam, assim, nos machucar. Nesses momentos evitamos olhar cara a cara a enfermidade, o pecado, o ódio, a ira, a injustiça, nossa própria pobreza. Detestamos o mal que nos causa a morte. Escondemos tudo para poder seguir vivendo enquanto morremos. Evitamos, assim, olhar nosso coração que se corrompe muitas vezes em sua desordem.
Aprofundar nossa história pessoal, em nosso mundo desconhecido de sentimentos, parece-nos muito duro. É melhor seguir avançando sem refletir, sem determo-nos. Lançamos culpa às circunstâncias, pensando que nada vai mudar. Por isso nos custa tanto olhar cara a cara as circunstâncias dolorosas que não podemos melhorar, porque o medo é mais forte. E o Senhor, contudo, nos pede hoje que olhemos nossa cruz, que a contemplemos, que a abracemos, que não a escondamos, que a beijemos com um amor sincero e confiante. Pede-nos que não tenhamos medo, porque a cruz nos salva. Quer que olhemos a causa de nossa dor para poder recuperar a vida.
E sabemos muito bem que a última palavra de Deus sobre o homem é uma palavra de esperança e misericórdia. Por isso estamos alegres, porque Deus não nos esquece. Deus não deixa que seu povo pereça pelo pecado, o convida a começar de novo.
Sua palavra sobre o povo não é a morte, nem o castigo, mas o perdão, a misericórdia e a vida: “Naqueles dias, todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém. Ora, o Senhor Deus de seus pais, dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão do seu povo e da sua própria casa. Mas eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio. Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém, atearam fogo a todas as construções fortificadas e destruíram tudo o que havia de precioso. Nabucodonosor levou cativos, para a Babilônia, todos os que escaparam à espada, e eles tornaram-se escravos do rei e de seus filhos, até que o império passou para o rei dos persas. Assim se cumpriu a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias: ‘Até que a terra tenha desfrutado de seus sábados, ela repousará durante todos os dias da desolação, até que se completem setenta anos’. No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias, o Senhor moveu o espírito de Ciro, rei da Pérsia, que mandou publicar em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação: ‘Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho’” (2 Crónicas 36, 14-16. 19-23)
A experiência de dor é importante
O povo foi escravo por culpa de seu pecado, porque havia se afastado de Deus. A deportação é o grande castigo, é a solidão do coração que tinha sido escravo e vive então distante daquele que tinha rejeitado.
Não obstante, o final não é a solidão da deportação, mas a esperança do feliz retorno. O povo pode regressar porque Deus é misericordioso. Sempre podemos retornar, não importa o quão afastados estejamos. Sempre poderemos arrepender-nos e iniciar um caminho de conversão. Sempre será possível suplicar de joelhos uma nova oportunidade para regressar à casa, ao coração de Deus.
Mas temos que compreender que a experiência de dor é parte de nosso caminho e é necessário aprender a viver com ela. A deportação faz amadurecer o amor do povo judeu. Na cruz da solidão o povo recorda o amor que dá sentido à sua vida: “Junto aos rios da Babilônia nos sentávamos chorando, com saudades de Sião. Nos salgueiros por ali penduramos nossas harpas. Pois foi lá que os opressores nos pediram nossos cânticos; nossos guardas exigiam alegria na tristeza: ‘Cantai hoje para nós algum canto de Sião!’. Como havemos de cantar os cantares do Senhor numa terra estrangeira? Se de ti, Jerusalém, algum dia eu me esquecer, que resseque a minha mão! Que se cole a minha língua e se prenda ao céu da boca, se de ti não me lembrar! Se não for Jerusalém minha grande alegria! (Sal 136).
O Salmo reflete esse pesar do coração quando se vive escravo e distante de Deus. O Pe. Pio dizia que muita gente se aproximava dele para que ele os libertasse da cruz que carregavam, mas não para pedir que lhes ensinasse como caminhar com sua cruz. Nos momentos de desolação custa entender que nossa vida seja para a esperança. Aprender a caminhar com a cruz nas costas, sorrindo, esperançoso, é o grande desafio do cristão. Às vezes nós cristãos, ao sofrer a cruz, evitamos o presente doloroso e nos projetamos num futuro sem cruz.
Suplicamos um milagre que nos liberte da dor, em lugar de pedir um milagre que mude nosso coração e nos permita viver com esperança em meio à escuridão. A realidade é que Deus não nos libera de nossa ferida, ao contrario, no ensina que sua misericórdia se manifesta em nossa debilidade.
Ainda que nós preferíssemos não ter cruz, ou que a cruz desaparecesse de nossa vida, Deus permite essa cruz e nos ensina a viver com ela. A cruz pode pesar no coração, mas não podemos nos abater, porque Deus caminha ao nosso lado e nos sustenta. Levanta-nos quando caímos e alegra nosso coração quando não vemos o final do túnel. A cruz nos assemelha a Cristo crucificado, nos une a sua dor e nos faz filhos dóceis nas mãos bondosas de um Deus que ama nossa vida.
Maria nos ensina a caminhar
Maria nos ajuda a caminhar alegres na esperança rumo aos novos tempos. Queremos escutar e fazer nossas as palavras de Mario Benedetti: “Não te rendas, por favor, não cedas: mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda, mesmo que o sol se ponha e se cale o vento, ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos. Porque a vida é tua, e teu é também o desejo, Porque cada dia é um novo início, porque esta é a hora e o melhor momento”.
Maria soube abraçar a cruz, soube, de joelhos, sustentar a dor de seu Filho morto. Ela nos ensina a caminhar assim com nossa cruz. São Domingos Savio dizia: “Maria, eu te entrego meu coração; faz que ele seja vosso para sempre. Jesus e Maria, sede sempre meus amigos; mas, por vosso amor, fazei com que eu morra mil vezes antes que tenha a desgraça de cometer um só pecado”.Queremos consagrar o coração à Maria para que ela nos faça nascer de novo. Nela nos sabemos filhos e aprendemos a confiar. Em suas mãos queremos recuperar a inocência perdida, a pureza que já não temos.
Temos perdido o olhar transparente sobre a vida e sobre as pessoas. Quando olhamos, julgamos e condenamos. Não há nada mais difícil de eliminar que os preconceitos com os quais contemplamos a realidade. Temos julgado e condenado os que nos rodeiam antes que possam se defender. Julgando as intenções, vemos só o mal e não apreciamos a bondade e beleza dos homens. Não há pureza em nosso coração, que busca egoisticamente a própria satisfação e não está disposto ao sacrifício. Busca a felicidade satisfazendo os próprios desejos, agarrando-se a seus planos.
Quiséramos aprender a olhar com os olhos de Maria. Ela, em sua pureza, quer nos presentear um coração novo, sem invejas nem egoísmos, sem ira nem complexos, um coração generoso que se entrega.
Cristo está em nossa cruz
Nicodemos, como nós, procurava o caminho, e Jesus lhe mostra esse caminho. Ele quer aprender a viver, quer aprender a encontrar um motivo para a esperança: “Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito”.
É necessário aprender a olhar a Cristo elevado na cruz. Ainda que muitas vezes seja difícil olhar nossa cruz com esperança. Temos que voltar a ser crianças confiantes. Uma pessoa rezava assim faz tempo: “Recordo aquele tempo em que me mostravas o encanto da cruz e era capaz de descobrir a presença do espírito e a proximidade de Maria. Mas às vezes não é assim, e sinto a cruz com indiferença e nem sempre opto por reconhecer que esse é o caminho. Nunca quero uma cruz se não vejo a ti nela, e isso é o que me dá medo, não ver-te. E a experiência me ensina que as vezes não te vejo e então me vejo incapaz de desejar de coração a cruz”.
Se não vemos Jesus na cruz é difícil caminhar com tanto peso. Olhar a cruz e ver a vida por detrás do duro madeiro é quase um milagre. Vemos só a crueldade da morte. Olhar a Cristo morto e recuperar a esperança, esse é o caminho. Cristo está em nossa cruz.
Filhos da luz
Os homens têm preferido as trevas à luz. Ao chegar à luz, não se aproximam dela: “Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (João 3, 14-21).
Nossa tarefa é ser filhos da luz e realizar obras de luz. Queremos ser transparentes e coerentes filhos de Deus. Mas lutar por viver na luz e no amor de Deus nem sempre é fácil. Uma pessoa rezava assim: “Muitas vezes me canso, é difícil seguir-te, porque o animar-se a cada dia, sonhar cada dia, saltar cada dia, crer cada dia que as coisas podem mudar, que o mundo já está mudando, colher forças é esgotador”.
É tentador viver na escuridão, parece mais fácil. Lutar por encontrar a luz em nossa vida nos esgota. Na escuridão não temos rosto, não é necessário defender-nos, não há nada que demonstrar a nada, porque não esperam nada de nós. Nosso pecado nos envolve e podemos seguir sendo escravos se nossa vida transcorrer longe da luz.
Acostumamo-nos à escuridão e não almejamos ver mais longe. Outro dia eu lia: “Olha, vivas aonde vivas, o defeito maior que temos os seres humanos é que temos a vista curta. Não enxergamos o que poderíamos ser. Deveríamos estar vivendo nossas possibilidade, dando o nosso máximo até chegar a ser tudo o que podemos”.
Quando não somos capazes de vencer a escuridão, nos acostumamos com a comodidade da noite. Ali não é necessário ver com clareza. Ali nada nos exige crescer nem amar de verdade. Então não lutamos, não vemos tudo que poderíamos fazer se acreditássemos, não valorizamos o que temos. Quiséramos levar uma vida cheia de luz e distante da escuridão. Uma vida austera, em contraposição com a corrupção que vive ao nosso redor. Uma vida iluminada, para vencer a escuridão que nos rodeia.
Que se possa ver o rosto de Deus em nós
Há muitos escândalos que nos doem no fundo da alma. Ninguém quer renunciar ao poder, nem ao dinheiro. Há muita ambição e o coração não se cansa de desejar sempre mais. A tentação é grande. Elevar Cristo ante nossos olhos nos transforma. A luz da alegria. Elevar a morte de Cristo, a serpente, permite mostrar-nos o caminho da vida. É o paradoxo do cristianismo. Somos chamados a realizar obras de luz para iluminar aos demais. Que se possa ver o rosto de Deus em nós. Temos sido salvos e por isso podemos fazer obras de misericórdia.
Assim disse São Paulo: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos! Deus nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus em virtude de nossa união com Jesus Cristo. Assim, pela bondade, que nos demonstrou em Jesus Cristo, Deus quis mostrar, através dos séculos futuros, a incomparável riqueza da sua graça. Com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! 9Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. Pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Efésios 2, 4-10).
Queremos aprender a caminhar nos passos de Deus. Muitas vezes experimentamos os limites e tropeçamos. Não obstante, como disse Santo Agostinho: “É melhor mancar pelo caminho que avançar a grandes passos fora dele. Pois quem manca no caminho, ainda que avance pouco, se aproxima da meta, enquanto que quem está fora dele, quanto mais corre, mais se afasta”. Se permanecermos na luz de Deus, mesmo que às vezes prefiramos as trevas e manquemos, poderemos caminhar desajeitadamente percorrendo seu caminho. Mas nos manteremos animados em sua luz, ainda que evitemos a tentação de querer viver nas trevas.
Homilia do Pe. Carlos Padilla de 18 de março de 2002, clique para visualizar o texto original.