Palavras de pedagogos e do Pai e Fundador para lidar com certos conflitos infantis
Júlio e Jane Machado – Frequentemente, nas praças públicas, nos supermercados, como em muitos outros lugares nos deparamos com pais em apuros. Seus filhos fazem birra, choram, gritam de uma forma tão escandalosa que parecem sofrer maus-tratos.
De fato, do ponto de vista da criança, essa posição mais firme dos pais, contrariando seu desejo ou capricho, pode significar uma situação de muita frustração. Isso parece cruel, no entanto, precisamos adentrar um pouco mais na análise dessa situação para compreendermos o processo educativo que advém daí.
Em primeiro lugar é preciso entender que a criança ainda é egocêntrica. Para ela, o mundo é ela, os pais, como referência, e todas as outras coisas. Desde que nasce a criança aprende que os pais vão atendê-la frente a qualquer necessidade. Isso fica marcado como um aprendizado desde o nascimento. A partir daí ela vem experimentando o complexo: sentiu desconforto (fome, por exemplo) e a mãe lhe deu alimento – o desconforto passou; teve vontade de brincar com determinado brinquedo, não tinha como acessar – os pais lhe alcançaram; enfim, essas experiências residem em sua memória. Para Jean Piaget, esse é o ciclo dos primeiros aprendizados que todo ser humano realiza.
Construção de autonomia
Em segundo lugar, nós, humanos, precisamos construir nossa autonomia para levar em frente o dom da vida. Em relação às outras criaturas, talvez nós, do gênero humano, sejamos aqueles que mais tarde conquistam a autonomia. Ainda tendo Piaget como referência para reflexão, vemos que o ser humano parte de uma condição de anomia, isto é, sem nenhuma referência de regras; passa por uma condição de heteronomia, quando depende que um terceiro lhe dite as regras – no caso que estamos tratando, os pais – e, por fim, a condição de autonomia.
A autonomia, no entanto, para ser construída requer esforço, às vezes renúncias, muitas vezes são processos custosos e dolorosos. Para Constance Kamii, seguidora do pensamento de Piaget, a autonomia é uma condição na qual a pessoa tem condições de tomar decisões e atitudes sem a necessidade de regras pré-estabelecidas, mandos ou determinações de outrem, unicamente movidas por um conjunto de regras morais que a conduzem. O sujeito autônomo é aquele que conduz sua vida com liberdade, considerando o bem comum e a integração de si mesmo com os outros e com toda a obra da criação.
Para superar a heteronomia, a pessoa precisa construir a condição de autonomia, nisso os pais têm uma importante tarefa. A birra, por exemplo, é uma resistência à conquista da autonomia. A criança, de maneira geral, reagirá negativamente a todo processo de estabelecimento de limites ou compreensão da realidade. Nesses casos, também estão aquelas birras que as crianças fazem quando desejam algo que possa causar perigo ou risco à vida.
Como agir?
A pergunta que muitas vezes é feita por pais e educadores é: como agir frente a tais comportamentos reativos? Aqui, não se trata de oferecer uma receita, mas de refletir acerca de algumas possibilidades para atuar como educador frente a essas situações.
Para o Pe. José Kentenich, uma primeira e importante premissa é obedecer a Lei Fundamental do Amor. Entendemos que os pais colaboram com Deus na perpetuação de sua criação. Nesse sentido, Deus governa o mundo por meio das criaturas. São João, em seu Evangelho, deixa muito claro quando afirma “DEUS É AMOR”. Entendemos que o Amor é o tempero que os pais devem colocar na educação dos filhos. Portanto, frente a comportamentos birrentos, o que menos constrói é a gritaria por parte dos pais ou educadores, agressões e castigos. De fato, esses comportamentos dos pais e educadores só colaboram para deixar mais confusa a situação em que a criança se encontra.
Frente à birra dos filhos, uma atitude inicial é o acolhimento, o abraço, a receptividade e a firmeza. Nunca esqueçamos que estamos lidando com alguém que está frustrado, que queria algo, mas que não pode, não deve, ou não está ao seu alcance. Os ‘rituais’ agressivos não são compreendidos pela criança, uma vez que ela não tem formada, ainda, as estruturas de conhecimento que lhe permitam compreender esse tipo de comportamento dos pais ou educadores. Isso será, para a criança, um fator de estranhamento, que nada contribuirá para a construção de sua autonomia.
Demonstrar amor, sem deixar de lado a firmeza
Não podemos esquecer, no entanto, que firmeza na atitude dos pais ou educadores não é o mesmo que rispidez. A firmeza é um comportamento maduro, mas que não deve ser expresso com agressividade. Frente ao episódio da birra, o mais aconselhado, seguindo o que nos aponta o Pe. Kentenich, é estabelecer uma aliança com a criança, para que a birra se enfraqueça e possa dar lugar ao diálogo e à construção de um novo conhecimento para a criança, ajudando na construção de sua autonomia.
Ao longo da história, Deus Pai atua entregando a seus filhos a responsabilidade de continuar a Obra da Criação. Cremos que somente pessoas autônomas, livres e bem posicionadas frente aos desafios da vida poderão estar plenas para colaborar com Deus na criação. Crianças cujos pais souberem lidar com suas frustrações saberão enfrentar com segurança e tranquilidade o que o futuro lhes reservar.
Família Júlio e Jane Machado, Instituto de Famílias de Schoenstatt, Porto Alegre/RS
Foto: pexels.com/pt-br