“… aniquilou-se a si mesmo, humilhou-se no mais alto grau, até o fim. Um amor que desce até nós” * (Pe. José Kentenich).
Fernando Castilho Valderrama – Sabia-se de tudo! Desde a negação até mesmo à traição. Sabia que não valia mais do que trinta moedas de prata. Antes de se apresentar ao madeiro, escarnecido, açoitado, cuspido e coroado de espinhos, debochado por seus algozes, em silêncio suportou. Travestido de rei mundano, com uma coroa que lhe perfurava a alma, que do seu sangue jorravam as lágrimas dolorosas de todo o pecado. E cortejado por soldados, açoites e cusparadas, levou o peso do mundo até o Gólgota. Viu todos aqueles que ensinou e educou fugirem, com exceção de alguns poucos, tais como ratos que fogem de seu predador. Somente sua Mãe, corajosa e piedosa, seguia seus passos ao longe, porque não lhe era permitido afagar o filho que Lhe foi entregue. No lenho da cruz entregou seu corpo ao Pai e elevou seu espírito.
Mas, antes de toda a dor, sofrimento, decepção e amargura, antes de perder suas forças pelas feridas, de pender pelos cravos seu corpo escarnecido, da lança perfurar o lado e revelar a mais pura água, antes do suor de sangue ser enxugado por Verônica, ou a ajuda de Simão Cireneu lhe aliviar o peso da cruz, Jesus se fez pão. Um alimento simples, que não requer receitas elaboradas ou ingredientes refinados para que se torne a comida que mais sacia. O pão que fortalece, que revigora e que conforta. Que se partilha e que mesmo as migalhas satisfazem o esquecido e o desprezado.
Um Deus que optou por deixar ferir-se e sentir a dor humana, mas que antes quis deixar sua memória viva, tornando-se pão, o pão da vida, o ázimo que se torna corpo, que por milagre de fé sangra em Lanciano, que nutre a alma, revigora, revitaliza e conforta. Sacia o espírito e enobrece a alma. Que, a partir de seu consumo, torna-se privilégio, escolhido, amado por dentro por um Deus que toma o interior e transforma o mais íntimo da alma, ilumina qualquer escuridão do espírito, consola as feridas abertas no coração e acalanta ao âmago do ser.
E junto aos seus discípulos, sabendo que aquele momento seria o último, o ‘servir ao próximo’ foi a maior lição que Jesus fez: ao cingir a cintura, menor que aos demais se fez. Lavou os pés de cada um, mostrando que a grandeza está no servir. Postados à mesa, do pão tomou parte e, compartilhando seu amor, entregou um a um, agradecendo a Deus Pai por aquele momento.
Saciados por aquela demonstração de amor, Jesus quis entregar-lhes mais: A bebida que fez a alegria em Caná, ali se verteu em seu próprio sangue, para tornarmos parte de seu sangue, consumindo do melhor vinho para alegrar a alma.
Um pão que não se dá por mérito ou por conceito; não se entrega por julgo ou por condição. Um pão que se toma simplesmente por amor: fecundo, sincero, livre de amarras e de contextos. Atemporal, sem que haja hora ou lugar. Que não segue datas nem mesmo horas. Para toda hora! Alimentar-se deste pão é se tornar um perigo iminente contra as forças do mal. É abalar as estruturas da escuridão e transfigurar-se em luz que resplandece a imagem daquele que se entregou primeiro. Daquele que na última ceia exigiu que fizéssemos em Sua memória. É o próprio Jesus Cristo que se transfigura no pão sem fermento para se tornar o alimento mais saboroso que concede a vida e o amor. É doar a vida pelo irmão.
* Cristo Minha Vida. Pe. José Kentenich, Sermão para a Comunidade Alemã de São Miguel em Milwaukee/EUA, 25 de dezembro de 1963
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