Uma reflexão sobre a vocação materna espiritual
Ir. M. Dioneia Lawand – A duquesa de Cambridge, Kate Middleton, em um documentário partilhou sua experiência sobre a maternidade: “Nada nos pode realmente preparar para a extraordinária experiência que é tornarmo-nos mães. É cheia de emoções complexas de alegria, exaustão, amor e preocupação, todas juntas. A nossa identidade fundamental muda da noite para o dia. Deixamos de pensar enquanto pessoas individuais, para sermos mães, acima de tudo” [1].
É um testemunho concreto e belo sobre a missão materna feminina e talvez, diante dele, podemos nos perguntar: Mas, toda mulher nasceu para ser mãe? Como posso ser mãe, mesmo sem ter filhos? O que é ser mãe?
Para Lisa Mladinich, autora católica, apresentadora e coach nos Estados Unidos, “a maternidade espiritual pode ser um autêntico dom e vocação, conectando-se com a realidade de que podemos ser mães de uma pessoa só ou mesmo de nenhuma na carne, mas mães de muitos em espírito. Essa maternidade espiritual contribui para o verdadeiro esplendor de uma mulher. E o generoso desejo materno de compartilhar a riqueza da nossa vida espiritual faz parte do ‘gênio feminino’ que São João Paulo II descreveu de forma tão eloquente em Mulieris dignitatem” [2].
Eu, que não tenho filhos, também posso ser mãe?
A mulher concebe a vida e, fazendo a doação de si mesma, ela alimenta com seu próprio sangue, e depois com seu leite materno, essa vida. Porém, não existe apenas uma maternidade biológica, mas também uma maternidade espiritual. Esta segunda alimenta, com seu ser voltado para Deus e para os homens, todos aqueles que estão à espera de sua dedicação desinteressada, de sua ajuda, de seu coração de mulher feito para o amor. Pe. José Kentenich indica que “a maternidade espiritual é o metafísico, o imutável, o absoluto, o eterno na natureza feminina” [3]
Segundo a essência metafísica do ser feminino, a mulher é símbolo de uma misteriosa e indizível doação que acolhe o outro, de uma doação receptível e animadora. Pode-se dizer de uma doação acolhedora. Também se pode dizer que sua natureza é símbolo da doação receptiva. Ao mesmo tempo em que se dá, que se doa, ela recebe. Essa doação receptiva é denominada por Pe. Kentenich como “o eterno na mulher” ou, como define Gertrud Le Fort (1960), “a Mulher eterna” [4].
“O eterno na mulher está documentado ou corporificado de modo perfeito na querida Mãe de Deus. […]. Portanto, o eterno na mulher consiste na doação receptiva, na serviçalidade singela e desinteressada de si mesma, forte e imersa no divino” (Pe. Kentenich, 1945).
Le Fort complementa: “Em todo dom de si brilha um raio do mistério da Mulher eterna. Mas este raio se extingue quando a mulher procura a si mesma”.
Mulheres, consagradas e mães espirituais
Pode se ver esse ‘eterno na mulher’ corporificado em tantas figuras femininas que, por sua grandeza vivida no mistério de seu ser, projetam luz inextinguível no decorrer da história da Igreja, dos povos e das nações. Com modéstia e simplicidade, elas acompanham a marcha da história e, muitas vezes, contribuem decisivamente em momentos singulares de seu destino.
Vejamos dois exemplos de mulheres que marcaram a história, exercendo a maternidade espiritual:
Joana D’Arc
A França, sofrendo pela ‘Guerra dos Cem Anos’, dominada pelos ingleses, de repente recebe novas forças e um entusiasmo revigorado. Os ingleses foram vencidos e o rei conduzido a Reims para ser coroado. A França estava livre.
De onde veio a força que reorganizou e disciplinou um exército exausto, interiormente decaído? Quem foi capaz de mover o sucessor do trono – um homem frágil e somente interessado em seu luxo – a reagir? Joana D’arc, a virgem de Orleans, uma jovem, uma mulher!
Os soldados respeitavam Joana e estavam prontos a lutar e a morrer por ela e por suas idéias. Seu ser de mulher, sua modéstia enobreceram o ambiente, despertaram forças em todo o exército e conduziram o rei da França à coroação.
Catarina de Sena
Pensa-se em Catarina de Sena, que exerceu um papel ativo e surpreendente na Igreja do séc. XIV, cuja vida empolgou artistas e escritores, atraídos por sua misteriosa personalidade. Num século em que a mulher não tinha voz nem vez na sociedade, conseguiu uma vitória inacreditável: fez com que o Papa Urbano VI, há 70 anos exilado na França, voltasse a sua sede em Roma.
No século XX, em 1970, ela aparece novamente no cenário da história universal. Paulo VI, para surpresa do mundo cristão, proclama-a Doutora da Igreja. É a primeira mulher na história da Igreja que recebe esse título.
Poderíamos continuar a nomear uma falange de mulheres que marcaram os séculos com sua presença atuante, envoltas no véu de sua maternidade espiritual vigorosa. Algumas delas que também se consagraram a Schoenstatt, como esses dois exemplos, dentre tantos outros:
Gertraud von Bullion
A primeira mulher a ingressar na Obra de Schoenstatt é Gertraud von Bullion, uma condessa nascida em família nobre, mas que decidiu-se pelo servir aos necessitados. Dotada de liderança, escolheu livremente dedicar ajuda materna como enfermeira da Cruz Vermelha na Primeira Guerra Mundial. Gertraud foi mãe para muitos pacientes: “Na medida do possível, lavávamos os pobres, dávamos a todos de comer e de beber, fazíamos curativos aos que estavam piores e os deitávamos, enquanto havia camas, em camas, depois, em sacos de dormir e em cobertores no chão” [5]
Havia grande respeito por ela, e ela, em caso de necessidade, sabia impor-se, sem que a sua maternidade sofresse por causa disso. Muitos pacientes continuaram a corresponder-se com a enfermeira Gertraud após a guerra, como lhe escreve um deles: “Continuo a admirar a sua influência na enfermaria. Na ausência das enfermeiras, faziam-se as piores conversas; a partir do momento em que entravam na sala, tudo ficava calado”.
Ir. M. Emanuele Seyfried
Ir. M. Emanuele fez parte do primeiro grupo de Irmãs de Maria missionárias que chegaram ao Brasil, em 1935. Seus talentos pedagógicos, sua inteligência, nobreza e, sobretudo, sua dedicação maternal e espiritualidade profunda fizeram dela uma figura de destaque no Instituto e nos lugares onde atuou. Quando as primeiras vocações brasileiras se apresentaram para a comunidade, o Fundador lhe confiou o cargo de Mestra de Noviças. Assim, toda a primeira geração brasileira das Irmãs foi por ela formada e encontrou em sua personalidade e maternidade um modelo para a vida consagrada.
O Capítulo Geral do Instituto, de 1967, elegeu Ir. M. Emanuele, por unanimidade, como superiora geral. Assim, devia voltar à sua pátria para exercer o máximo cargo na direção do Instituto. Um sacerdote do Chile a caracterizou: “Ela foi mulher extraordinária, que corporificou de modo excelente os valores femininos que Schoenstatt visa dar ao mundo. Sua maternidade ultrapassou os limites de sua comunidade. Ela possuiu, de modo preponderante, a sabedoria da mulher e a plenitude da maternidade, numa dedicação total a Deus” [6].
Observamos, no decorrer dos séculos, que onde há manifestação de vida, ali se encontra uma figura feminina. A mulher, quando autêntica, fiel a si mesma e à sua essência metafísica, nela brilha a luz da maternidade física e, acima de tudo, uma maternidade espiritual.
O Santo Padre, Papa Francisco, une “as mães espirituais” que devemos ter como amparo: “Nós não somos órfãos, temos uma mãe! Nossa Senhora, a mãe Igreja e a nossa mãe. Não somos órfãos, somos filhos da Igreja, somos filhos de Nossa Senhora e somos filhos das nossas mães” (Audiência Geral, 07.01.2015).
* Contribuição do Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt, Província Schoenstatt-Tabor, Atibaia/SP
Foto: Phil Hearing, via unsplash.com
Referências:
[1] Documentário “Out of the Bue”, transmitido em Londres no dia 23.03.2017. Trecho disponível no YouTube
[2] Aleteia, 24 de dezembro de 2015, disponível em pt.aleteia.org
[3] Lawand D, Bertan L A. Pedagogia e o Colégio Mãe de Deus – contribuições para a educação brasileira. Arte e Ciência Editora 2008 p. 121
[4] LE FORT, Gertrud. Die ewig Frau: die Frau in der Zeit, die zeitlose Frau. München: Kösel-verlag, 1960
[5] Gertraud von Bullion – Serviam, Resposta de Amor. Nikolaus Lauer
[6] A volta de Ir. M. Emanuele ao lar eterno. Pág. 30, 1973