Vamos falar sobre vaidade?
Geni Maria Hoss – Ao falar de vaidade remetemo-nos imediatamente às palavras da Sagrada Escritura: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!” (Ecl 1,2) Também não é raro lembrar-nos da célebre pergunta da rainha, na história da Branca de Neve, diante do espelho mágico: “Espelho, espelho meu, existe no mundo mulher mais bela do que eu?” [1]
Vaidade (do latim, vanitas) indica originalmente futilidade, vazio, discrepância entre a aparência e o que a pessoa de fato é, dado que se trata da “valorização, por vezes excessiva, atribuída à própria aparência ou às características físicas ou intelectuais; pode estar associada a uma expectativa de validação e/ou admiração social” [2]. A vaidade também leva a um forte impulso de competitividade, que agrega sentimentos de superioridade e inveja, como se percebe na atitude da rainha.
O termo vaidade, no entanto, recebeu um significado popular que, muitas vezes, passa longe de seu significado original. Equivale mais ao cuidado, ao prazer de apresentar-se bela como mulher, ou seja, que tem conexão entre a aparência e o mundo interior da pessoa. É uma vaidade, um cuidado que nasce da aceitação plena do próprio corpo e modo de ser como possibilidade de estar no mundo e cumprir uma missão única, confiada por Deus. Certamente quando uma mulher reconhece diante das amigas que é vaidosa, ela não está se referindo à vaidade-futilidade, mas ao cuidado do corpo e do modo de apresentar publicamente a sua beleza.
Linha tênue
Existe uma linha tênue entre vaidade-futilidade e a vaidade-cuidado a ser considerada. Ser vaidosa a ponto de mudar as características do corpo com ajuda de técnicas cada vez mais avançadas (e não pouco perigosas), que muitas vezes desfiguram o corpo, é distinto da vaidade que leva a salientar a beleza natural própria da pessoa ao cuidar-se de forma integral: saúde, bem-estar, beleza, espiritualidade…
O conteúdo do Cântico dos Cânticos é uma grande exaltação da relação beleza e amor. O amor, que é algo profundamente íntimo, se relaciona com o cuidado da beleza exterior evidenciado pelo modo de se apresentar na época e contexto como os perfumes, pedrarias, ouro… “Como és formosa, amiga minha! Como és bela! Como és bela e graciosa, ó meu amor…!” (Ct 1, 15; 4, 1).
Esta relação está bem presente em nossa sociedade atual. Quando alguém surge de repente com um brilho mais expressivo nos olhos, com um modo de se apresentar diferenciado, logo surgem rumores: “O amor está no ar!” A beleza exterior é expressão da satisfação do espírito com algo de bom que acontece na vida. Por isso, a beleza não pode ser estabelecida, ela está no coração de quem vive em harmonia e nos olhos de quem acolhe o outro como ele é. “‘Grandes coisas fez em mim’: esta é a descoberta de toda a riqueza, de todos os recursos pessoais da feminilidade, de toda a eterna originalidade da ‘mulher’, assim como Deus a quis, pessoa por si mesma, e que se encontra contemporaneamente ‘por um dom sincero de si mesma’” [3], assim diz São João Paulo II.
Cada beleza é única
Os padrões de beleza estabelecidos pela sociedade podem atender critérios técnicos, mas não podem ditar a beleza do coração, a beleza de ser mulher. A beleza do ser é dada e é imensurável.
O cultivo do corpo, das aparências, sejam elas de caráter estético ou simbólico, não definem a essência, a dignidade e a personalidade da mulher. No entanto, ao cuidar de si própria, de forma moderada e consciente de seu valor e missão, a mulher expressa o que de mais sagrado tem dentro de si. Isso não significa que todas as mulheres se apresentem e dão a conhecer de modo igual, pois cada pessoa tem sua identidade própria, suas preferências e gostos, está inserida num contexto sociocultural distinto e recebeu de Deus uma missão única.
Ao olhar-se no espelho é preciso pensar primeiro na própria identidade, no modo de ser único e sentido de vida. Embora seja legítimo estar atenta às tendências da moda, ouvir consultores, uma vez que podem dar dicas preciosas de harmonia e beleza, é preciso cuidado especial para não cair na tentação da massificação. Os interesses da indústria da beleza e da moda não podem matar a originalidade e harmonia pessoal. Intensificar demasiadamente o foco nas aparências pode levar ao descuido de outras dimensões da vida, particularmente o bem-estar e harmonia interior, raiz da verdadeira beleza.
Em ti, Maria, nos espelhamos…
Vaidade e cuidado também se estendem ao entorno da mulher. A mulher não cuida só de si própria, mas está sempre empenhada, com seu olhar próprio a deixar o ambiente harmonioso e belo. Um ambiente que fala da presença feminina e, bem por isso, é atraente. Neste sentido, o Papa Francisco afirma: “Sem ela o mundo não seria bonito, não seria harmônico” [5]. Há uma conexão entre o ser bela e tornar belo o ambiente.
O Pe. José Kentenich coloca diante de todas as mulheres, a mulher por excelência, Maria. “Queremos refletir-nos na tua imagem (RC 180). Sim, a imagem de Maria inspira a beleza de cada mulher. A vaidade no sentido de cuidar-se significa olhar para esta imagem, inspirar-se nela e tentar traduzir seus traços femininos e maternais no ser interior e também na expressão exterior do que ela é e aspira a ser segundo o grande plano de Deus a seu respeito.
Referências:
[1] CANTON, Catia. Era uma vez… Irmãos Grimm. São Paulo: DCL,2006, p. 24.
[2] LÉXICO. Dicionário de português online. Disponível em: https://www.lexico.pt/vaidade/. Acesso em: 04 out 2019.
[3] SÃO JOÃO PAULO II. Mulieris Dignitatem, n. 11.
[5] PAPA FRANCISCO. Homilia Missa Santa Marta 09/02/2017. Disponível em: w2.vatican.va