Mulheres em quarentena: a pandemia pode formar uma geração de personalidades heroicas para este tempo
Ana Paula Paiva – Temos experimentado muitas novas experiências, em todas as esferas de nossas vidas, nas últimas semanas. Que vieram acompanhadas não apenas com uma mudança intensa em nossas rotinas, mas também com informações constantes, velozes e, não raras vezes, contraditórias.
E, em meio a um ambiente caótico (institucional e de saúde pública), trabalhos foram convertidos em home office, crianças foram dispensadas das aulas presenciais e passaram a realizar atividades à distância, preocupações com saídas e com higienizações nunca fizeram tão parte de nosso dia a dia… De nossa parte, seguimos confiando que nossa Rainha irá, com a Alegria que é Jesus, providenciar tudo o que necessitamos.
Mas e como fica o nosso estado de espírito, como mães, em meio a tudo isso?
Nos sentimos sobrecarregadas com os pequenos em casa por mais tempo, ansiosas por cumprir as atividades propostas pela escola, assoberbadas com as tarefas domésticas acumuladas? E ainda por cima, continuamos encontrando tempo para rezar e nos vincular a Deus?
Já dizia Santa Teresa D’Ávila, a primeira mulher considerada Doutora da Igreja, que “em meio às panelas, também anda o Senhor”. O que isso quer dizer? Que podemos encontrar a Deus exatamente no nosso cotidiano e nas atividades mais ordinárias, especialmente se as fazemos extraordinariamente bem – não como resultado, mas sim como aspiração.
Podemos ficar paralisadas ou ter uma atitude heroica
Em geral, em situações que nos exigem múltiplas competências, duas são as tendências (a generalização é intencional): por um lado, há mulheres que se sentem responsáveis por fazer mais, alcançar mais, corresponder a todas as expectativas criadas sobre as tarefas e funções por elas desempenhadas; e, por outro, há mulheres que sustentam que não é necessário dar conta de absolutamente nenhuma tarefa e função – a circunstância fala por si e não é possível se exigir nada.
Muitas vezes pensamos que o cansaço e a exaustão do dia estão relacionados com a quantidade de tarefas que desempenhamos, bem como o esforço que dispendemos para as realizar. Mas isso é uma meia verdade. Ainda que seja correto pensar que os trabalhos domésticos, o cuidado dos filhos, a somatório com as atividades laborais realizadas em home office, cansem – e de fato assim é – o cansaço mental que se sente ao final do dia ocorre muito mais porque não estivemos presentes, realmente presentes, as realizando, do que propriamente pela força física utilizada.
O ativismo mata a presença no momento atual – a sacramentalidade que o momento presente tem com nossa aspiração em vive-lo bem, conforme a vontade de Deus – se tratando de terminar um capítulo ou redigir um relatório importante, ou de atender na perfeição da vocação, os filhos que chamam na sala, em suas interrupções urgentes, que clamam estar próximos de quem mais amam.
Por sua vez, o passivismo (esse ficar parado, sem tomar atitude) nos vitimiza e nos paralisa para o que mais deveríamos acolher: nossa vocação, como chamado para uma ação direcionada à missão e essência que nos foi presenteada por Deus.
Equilíbrio para tudo ser orgânico
Nosso Pai e Fundador, Pe. José Kentenich, sugere que, no grande teatro do mundo, sejamos criadores – orgânicos, heroicos, sadiamente vinculados. Contudo, não é possível criar no futuro e nas múltiplas tarefas cumpridas às pressas, todas ao mesmo tempo, sem interrupções, sem organicidade e sem vida; e também não é possível criar quando não se exige, com magnanimidade, uma vida materna de heroico compromisso com a vocação.
O criar, portanto, se encontra na justa medida – o que é bastante diferente da mediocridade (enquanto mediano) – não se trata de cumprir as múltiplas e urgentes atividades exigidas nesse tempo tão excepcional de maneira mediana. Pensar assim também é pensar com um ativismo destruidor, pois não se trata de terminar tudo de qualquer maneira. Se trata da justa medida no compreender a demanda que se apresenta e respondê-la conscientemente, a partir da nossa vocação, daquilo que mais importa, de onde está nosso coração e nosso tesouro.
(Foto: Ir. M. Nilza P. da Silva)
Onde está o Senhor nesta quarentena?
É nesse sentido que interpretamos a frase de Santa Teresa: o Senhor também está na sala cheia de brinquedos e nas crianças – justificadamente mais entediadas – que nos chamam insistentemente para brincar; o Senhor também está no tempo de real qualidade que temos oportunidade de ter com os pequenos, ainda que as atividades da escola não sejam todas cumpridas – nesse ponto, é importante ressaltar que parece ser muito mais razoável e importante cuidar da afetividade dos filhos do que de seu desenvolvimento acadêmico, já que a experiência de uma pandemia também é nova para eles, e é imperioso que os pais conduzam a situação de maneira a fortalecer os filhos e movê-los em direção a Deus, sem temores que produzam efeitos danosos em suas emoções.
O Senhor também está na louça acumulada e no almoço que atrasou porque a reunião online não terminou na hora marcada; e estará, sem dúvida alguma, nas opções que fazemos em atender o clamor do nosso estado de vida, ainda que nossos tempos de oração – antes tão marcadamente sincronizados – tenham dado espaço para cabanas na sala e filmes assistidos pela décima vez.
Nunca nos esqueçamos de que “Deus se move entre os tachos”, ele se move entre as funções que possuímos e entre as demandas que se apresentam, não para nos afogar em prazos e respostas a serem dadas, mas para nos educar, especialmente na humildade de filhas de Deus. Ele sabe todas as coisas. Sabe também do nosso cansaço, de nossas lutas, de nossas incapacidades. Sabe de nossos medos e angústias. Mas Ele conhece nosso amor e nossa dedicação, a capacidade para o heroísmo que faz parte essencial do coração da mulher; sabe da entrega e de cada interrupção daquele terço que estamos tentando terminar desde as 9 da manhã sem êxito. Ele conhece nosso coração e se move exatamente ali, entre os “nossos tachos”.
Não tenhamos medo de viver nossa vocação e de entregar todo o possível ao Capital de Graças nesse período: por agora pode ser que não sejam tantos terços, mas serão muitas horas brincando de carrinho ou interpretando personagens; pode ser que não sejam tantas meditações, mas serão e-mails respondidos a clientes (as vezes insatisfeitos) e almoços criados e preparados em vinte preciosos minutos; pode ser ainda que não sejam leituras profundas, mas tomara que sejam “panelas e tachos” mexidos com amor e heroica magnanimidade. Deus nos pede apenas o que podemos dar. Que estejamos presentes, realmente presentes, para Lhe entregar, nesse tempo, todo nosso coração.