O Bom Pastor dá a vida por seu rebanho
Pe. Carlos Padilla – Há pensamentos chave para se viver em paz, sem comparar-nos e sem cair na inveja. Um deles é descobrir que todos somos necessários para Deus. O outro é compreender que nada é indispensável nesta vida. Se não aceitamos esta realidade, vamos sofrer e fazer os outros sofrerem de maneira desnecessária. O primeiro então é reconhecer com alegria que todos somos necessários nesta vida. É um dom, porque nem sempre vivemos assim. Trata-se de entender que nossa vida vale ouro, que o que trazemos é um presente para a humanidade e o que deixamos de fazer é um vazio que nada poderá preencher.
Todas essas coisas parecem evidentes. Porém, na vida diária, não o são. Porque muitas vezes não nos vemos necessários e acreditamos que nossa contribuição não é valiosa para coisa alguma, só porque para alguns, às vezes, não é. Deus nos criou únicos, não há ninguém igual, e logo nos esquecemos de nosso valor original. Temos um tesouro escondido em vasos de barro para entregá-lo com humildade.
O que guardamos para nós por medo, pudor, vergonha ou egoísmo, perde-se para sempre. Muitas vezes, contudo, não nos amamos, não reconhecemos nosso valor, não vemos que somos tão necessários para algo.
Deus quer se presentear a outros por meio de nossa vida e o esquecemos. No final do dia pensamos: “os outros fazem melhor, são mais valiosos, mais inteligentes e capazes, mais santos”. Oscar Wilde dizia algo evidente que nos esquecemos: “Amar a si mesmo é o começo de uma aventura que dura toda a vida”. Amar-nos a nós mesmos e amar nossa beleza é o princípio e o fim do caminho. Alegrar-nos de nossa condição é fundamental. Assim como ver a bondade de Deus em nossa debilidade.
No filme “Intocáveis” o protagonista, um homem enfermo, tetraplégico por causa de um acidente, não vê beleza em sua situação e não aceita sua realidade. Esconde-se por trás das cartas que escreve e não deixa que nada toque seu interior. Graças a uma amizade, percorre o caminho de aceitar sua situação, sua incapacidade e de querer-se tal como é agora. Então perde o medo à rejeição, deixa de ser intocável e almeja mostrar-se como é, sem esconder sua verdade. Aprende a viver de novo e, só então, pode ser amado por outros. Nesse momento pode entregar seu amor sincero e desaparecem as barreiras.
Não somos apenas um número
Assumir que somos necessários para outros e para Deus é um passo importante. Porque, então, aprendemos a valorizar que não somos só uma a mais das muitas ovelhas de um rebanho. Para sermos sinceros, não agrada a ninguém sermos simplesmente ovelhas que passam despercebidas em meio à massa de um rebanho. Parece-nos algo vulgar, demasiado comum, não gostamos de ser só um número. Queremos ser diferentes e pensamos, às vezes, que não o somos.
Tocamos lugares comuns e não vemos a originalidade a que estamos chamados a encarnar. Deixamo-nos levar por gostos massificados, pela massa, sem a força interior necessária para fazer frente à corrente que não nos agrada. Sentimo-nos parte de um ambiente massificado e nos dá medo ser rejeitados se somos demasiado originais. Parece mais cômodo, na verdade, passar despercebidos, sendo simplesmente ovelhas. Por outro lado, nos fixamos nas capacidades dos demais e desvalorizamos as nossas, pensando que não estamos à altura. Não nos damos conta da importância de nossa vida, de tudo o que valemos.
O curioso é que, como alguém me dizia outro dia, não nos comparamos com os que estão por baixo, com os que consideramos inferiores, senão que, pelo contrário, olhamos para cima. O jardim do vizinho sempre nos parece mais verde. Nossa vida nos parece chata, rotineira, sem graça. Entretanto, a vida dos outros, sim, merece a pena.
Um coração de pastor
Por outro lado, é fundamental descobrir que também os demais são necessários, não apenas nós. Às vezes deixamos de lado certas pessoas porque não se enquadram na imagem que buscamos nas pessoas que amamos. Nós as rejeitamos por seus limites e dificuldades, deixamos elas de lado por considerá-las desnecessárias. As palavras do Salmo expressam a atitude daqueles que não souberam ver em Cristo a imagem de Deus, e o rejeitaram porque viam nele só um homem: “A pedra que os pedreiros rejeitaram tornou-se agora a pedra angular”. Nossa atitude ante as vidas alheias, ante as pessoas com as quais nos encontramos, deveria ser sempre de gratidão.
Quando amamos com um amor que não é nosso, quando olhamos com os olhos de Cristo, mudam muitas coisas e aceitamos aos demais sem cair em juízo. Aprendemos a fazer próprio o alheio, familiar o desconhecido. Aprendemos a amar o que é diferente e a querer ao que não atua como esperamos. Cristo, o Bom Pastor, nos ensina o caminho deste amor que não divide, que não seleciona, que aceita sem destacar as diferenças, que acolhe sem rejeitar ninguém. Não é tão fácil, porque tendemos a fazê-lo com frequência. Hoje pedimos um coração de pastor que nos ensine a buscar a cada um em sua originalidade e a querê-lo com toda a alma.
Filhos que necessitam aprender a amar
O importante é descobrir que nos fazemos pequenos e dóceis para que nosso coração se faça maior. É a mesma experiência da Páscoa que escutamos nas palavras de São João – capítulo 3, versículos 1 e 2. Somos filhos de Deus e nos assemelhamos a Ele na medida em que acolhemos seu amor. O Pe. Kentenich dizia: “Se amo uma pessoa, amo a Deus nessa pessoa. Deste modo, posso relacionar todas as coisas com o Deus que habita em mim”.
Quando amamos aos homens, aprendemos a amar Deus neles. Em sua miséria descobrimos a beleza de Deus e em sua pobreza a sua riqueza. E então volvemos o olhar para nossa própria vida e encontramos a Deus. Como dizia Santo Anselmo: “Estás dentro e em torno de mim e não te sinto. Rogo-te que te conheças e te ame para que encontre em ti minha alegria. Que teu amor cresça em mim, para que ali seja perfeito”. Em Deus cresce nosso amor, se faz maior e mais aberto, mais eficaz e solidário na entrega. Somos parte de um mesmo rebanho, somos ovelhas guiadas por um mesmo pastor, somos filhos que necessitam aprender a amar.
Rumo ao coração do Pai, o Bom Pastor
Hoje pedimos que haja bons pastores em todos os âmbitos da vida. Porque amar é querer o bem das pessoas que nos são confiadas. Assim ama o bom pastor. É querer que essa pessoa melhore, se salve e chegue a Deus.
Neste dia do Bom Pastor, pensemos nas vocações sacerdotais, naqueles aos quais Deus confia o cuidado das ovelhas para que possam descansar em suas mãos e chegar a Deus. Sacerdotes santos fazem falta. Homens consagrados, com grandes horizontes para conduzir aos seus. Lia outro dia o perigo de fazer o contrário: “Tem gente, incluindo padres, que vivem com ‘horizontes planos’. Quando perdem a capacidade de alimentar ilusões e desafios, a pessoa se submerge na monotonia e na rotina, os horizontes se aplainam pouco a pouco e a energia se desconecta e se mergulha na velhice da alma”.
Faz falta que muitos jovens sigam o Senhor nesse caminho. Descobrimos os bons pastores quando vem o lobo, quando há problemas, enfermidades e cruzes. Vê-se então quem permanece ao pé da cruz e quem foge. Com a turbulência das crises reluz o melhor e o pior de cada pessoa. A vocação do pastor leva a pôr os homens em contato com a pessoa de Cristo. Isso se dá se desejo entregar minha relação vital com Cristo. É o testemunho que arrasta. Queremos ser testemunhas vivas de Cristo, o Bom Pastor, e por isso olharmos hoje para Maria, a Divina Pastora.
Ela nos conhece e nos conduz aos campos de Deus onde podemos descansar. Ensina-nos a vincular-nos para poder vincular. Em seu coração de Mãe aprendemos colocar nossos medos e inquietações, e descansamos. Uma pessoa dizia: “Não tenho que fazer outra coisa que manter meu coração aberto, presentear à Mãe de Deus meus anseios e estar disposto”. Desta forma, ela nos utilizará para fazer chegar até seu coração a todos os que estão ancorados em nosso próprio coração.
Texto retirado da homilia do Pe. Carlos Padilla de 29 de abril de 2012. Para ver a homilia original (em espanhol) na íntegra clique.
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