“Nas situações difíceis de sua vida, o cristão encontra seu refúgio em Deus.
Em verdade, Deus é tudo para ele: pão, quando tem fome; água, quando tem sede; luz, em meio às trevas; manto, quando está despido” (Pe. José Kentenich)
Augusto Kater – É difícil precisar quando, mas é fato que voltaremos às atividades! Em breve, estaremos trabalhando em nossos escritórios, vamos nos encontrar novamente, nos reuniremos em família e em comunidade. Repartiremos o pão com os irmãos, assim como fez Jesus com seus discípulos – ato lembrado diariamente nas nossas celebrações eucarísticas. Voltaremos com algumas lacunas, é verdade. Muitas pessoas queridas estão partindo, muitos empregos perdidos e empresas falirão! É tempo de refugiar-nos em Deus, como nos orienta o Pe. José Kentenich.
Mas é fato que voltaremos às atividades e, diante desse retorno, mesmo com um custo alto sendo pago pela maioria, será que algo vai mudar? Sim! Sem sombra de dúvidas!
Ao que tudo indica, abriremos novamente os negócios, retomaremos as reuniões e nos reencontraremos, antes mesmo da disponibilização das vacinas contra o Covid19 chegarem às pessoas. E é nesse período que antecede o retorno que estamos tendo tempo para adquirir novos hábitos. Nesse cenário, duas perspectivas se apresentam para nós, cabendo a cada um o grau de aprendizado que vamos absorver e inserir em nosso comportamento.
As relações humanas tendem a adaptar-se
De um lado, há uma tendência ao afastamento preventivo, mesmo após o retorno. Muitos especialistas acreditam que nada será mais como antigamente, que as relações humanas sofrerão uma alteração significativa. Voltaremos à ativa com ressalvas, mais zelosos, cuidadosos; como se esperando novos incidentes, estivéssemos preparados para o que possa acontecer.
Para ilustrar, vejamos como funcionam países como a Coreia do Sul e o Japão há anos. As máscaras e medidas preventivas fazem parte do ritual diário de muitos nesses países. Lembro-me que, 20 anos atrás, fui visitar a casa de campo de um “nissei” (filho de japoneses nativos imigrantes) que gentilmente pediu a todos da minha família para que tirássemos os sapatos antes de entrar na casa, medida de higiene e prevenção às possíveis contaminações. Ele contava que no Japão era assim. E, com muita naturalidade, nos adaptamos àquele ritual e nos poucos dias que passamos lá, isso acabou se tornando um hábito naquele local. E por que será que nos adaptamos tão rápido? Porque havia um propósito naquilo, entendemos que era importante para eles e passamos a agir daquela maneira, por respeito, por consideração a essas pessoas que apreciávamos.
Nesse cenário, é possível esperarmos um aumento do distanciamento social em ambientes em que não nos sentirmos seguros. Haverá um cuidado excessivo de uma parcela da sociedade menor – por exemplo, pessoas com tendências hipocondríacas que potencializarão sua postura – mas, acima de tudo, teremos um ganho de higiene e limpeza. Do ponto de vista social, parte da sociedade herdará um comportamento mais zeloso em respeito ao todo, à comunidade, aos mais frágeis (o chamado grupo de risco) e poderemos cuidar mais uns dos outros. Esse pode ser um grande propósito social.
A escassez nos leva a ter saudade de momentos simples
Do outro lado, temos a tendência da valorização dos momentos de união. O ser humano é um ser social, que precisa da comunidade para sobreviver. Uma pessoa isolada, sem convívio social, mesmo que bem alimentada, pode adoecer; pois somos seres coletivos.
Já é antiga a constatação que comprova essa característica humana, dependente dos outros: “O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra” (Aristóteles, do livro “A política”).
Esse distanciamento social gerou em nós uma experiência nova, o distanciamento momentâneo para tentar evitar o (possível) distanciamento definitivo de pessoas que amamos. E se o lado racional de nosso cérebro nos incentiva a cumprirmos as medidas de isolamento à risca, por entendermos ser importante a prevenção do todo, nosso lado emocional protesta, querendo acabar logo com isso, buscando argumentos, números e pesquisas para convencer o lado racional a burlar a regra e ir ao encontro daquele caloroso abraço momentaneamente “proibido” nos pais, avós, irmãos, amigos…
Queremos nos reunir em comunidade novamente, trabalhar no escritório, na empresa, retomar a vida como ela sempre foi (afinal, a maioria da sociedade não vivenciou cenários de guerra, suas retomadas e consequências). Nesse sentido, é natural que a valorização desses momentos possa trazer um importante ganho social no sentido de nos voltarmos ao essencial, ao que realmente importa, desligarmos aquele piloto automático que nos conduzia como verdadeiros robôs – de casa para o trabalho, do trabalho pra casa, levando pelos aparelhos tecnológicos mais trabalho para casa – e vivenciarmos relações mais verdadeiras, essenciais. A escassez nos leva a ter saudade de momentos simples que outrora já não valorizávamos tanto…
Um executivo que treinei, em um dos nossos treinamentos comportamentais de alta performance, me relatou há duas semanas, por telefone, que o seu diretor – um alemão – não via o filho fazer um desenho há anos e, vivendo em plena quarentena e trabalhando de casa, estava maravilhado com o talento do seu filho. Vivenciava aqueles momentos desafiadores (do ponto de vista profissional e social) com um alento familiar e pessoal. Tinha o filho presente ao seu lado e confessou ao seu subordinado que, dali para frente, talvez ele não estivesse mais disposto a abrir mão de pelo menos um ou dois dias em casa, de home office, para retornar ao trabalho. Isso porque ele estava vivenciando, de alguma maneira, o verdadeiro sentido de ser pai! Eis aí mais um propósito pessoal forte para ser defendido, que depende de cada um estabelecer para sua própria vida!
O que estamos extraindo de bom?
Napoleon Hill, autor de vários livros sobre o comportamento humano e fundador de uma escola de negócios da qual sou instrutor (Fundação Napoleon Hill), que está presente nos cinco continentes, afirmava que “Para cada adversidade, há uma semente de um benefício igual ou maior”. Essa visão incentiva as pessoas a se atentarem aos frutos que o aprendizado, diante da dificuldade, pode trazer à vida de cada um.
No livro, Santidade de Todos os Dias – Espiritualidade Laical de Schoenstatt”, Pe. José Kentenich também nos exorta a vivermos nosso protagonismo no mundo com uma visão otimista, mesmo em cenários de crise, pois Deus é conosco: “O mundo estremece ante a terrível urgência de solucionar os problemas sociais… Assim, hoje, mais do que nunca, o cristão que vive bem seu dia a dia é o ‘sal da terra e luz do mundo’. Não fala muito, mas age, reza e trabalha intensamente e de modo agradável a Deus. Opera-se nele e nos que lhe são próximos uma reforma de atitudes que prepara lentamente, anima e fecunda uma reforma de situações. Tais cristãos são otimistas, porque integram as fileiras de Deus e sabem que a vitória caberá unicamente a Deus. Atuam como fermento em seu ambiente”.
É justamente nesse ponto que me apego e convido cada um a refletir. Diante desse cenário desafiador, dessa verdadeira mudança pessoal, profissional e social, que benefícios equivalentes ou maiores, podemos extrair? Estamos agindo como fermento em nosso ambiente? Talvez essas respostas possam lhe ajudar a entender que seu comportamento atual pode fazer toda a diferença para o futuro que você vai vivenciar nesse retorno às atividades que teremos.
Que Deus nos abençoe e nos dê força para reconstruirmos, juntos, o Brasil e o mundo!
*Contribuição do CIEES (Comunidade Internacional de Empresários e Executivos Schoenstattianos)