Uma reflexão sobre as mudanças de humor e a fisiologia feminina
Ir. Glória Maria de Melo Leite – O que você prefere, mel ou vinagre? Talvez você dirá: “depende da finalidade”. Tem razão. E se compararmos esses dois líquidos ao humor: preferimos alguém com boa disposição de ânimo ou com “cara de vinagre”, conforme expressa o Papa Francisco na Evangelii Gaudium? Sim, trata-se de uma resposta óbvia. Porém, entre o preferir e a realidade, às vezes parece existir uma contradição no dia a dia. Mas, afinal de contas, de que depende receber ou presentear uma gotinha de mel, ao invés de vinagre, por meio do bom humor?
Um motorista de ônibus, contratado para conduzir um grupo de mulheres schoenstattianas, disse impressionado: “nunca viajei com um grupo de mulheres assim, tão bem dispostas”. Sem nos determos nas diferenças entre o homem e a mulher no que se refere às tendências de oscilação do humor, mas apenas no intuito de nomearmos o segredo ou o motivo que justifica tamanho prodígio: tantas mulheres juntas e uma atmosfera tão alegre, tão agradável! Acredito que seremos unânimes em afirmar que o segredo schoenstattiano é a atmosfera mariana – parte essencial do nosso carisma.
Na escola do Pai
Na escola do Pai e Fundador, cada membro aspira a ser como Maria – uma mulher cativante, porque seu interior está ordenado e educado frente às indisposições corporais e emocionais. Por isso, irradia alegria, luz e claridade divinas.
Quem conheceu o Pe. Kentenich testemunha que ele irradiava essas virtudes. “Onde o Pe. Kentenich estava ‘sempre soprava um ar puro e fresco’ [1]. Ao longo de sua vida, ele nunca se deixou influenciar pelas circunstâncias externas. Ele mudava o clima, determinava a atmosfera. Vivia tão abrigado na Mãe de Deus, que mesmo preso no campo de concentração, a atmosfera externa não o tocou. “Para mim, Dachau foi um céu”, declarou.
Os 14 anos do exílio também testemunham esta sua atitude. Nunca se notou como essa situação lhe era penosa. Ele estava sempre alegre, descontraído e atento ao bem-estar dos outros, e assim permaneceu até o fim da vida. Com poucas palavras, transformava uma situação tensa e proporcionava alegria e uma convivência amigável”.
O exemplo do Fundador inspira os filhos espirituais a permanecerem em sua escola de educação. Para aprender dele passos concretos na conquista desta atmosfera mariana – o segredo – que supre a fragilidade do humor feminino, por vezes tão instável. Para tanto e de diversas formas ele ensinou cada um a: conhecer-se, aceitar-se, educar-se, possuir-se.
Conhecer-se
A espiritualidade e pedagogia do Pe. Kentenich parte desse princípio, afirmando assim o que para a filosofia socrática, o “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se uma espécie de referência. Para o pensador grego, conhecer-se é o ponto de partida para uma vida equilibrada e, por consequência, mais autêntica e feliz. O mesmo que conquistar um estado de espírito do qual se irradia um bom humor.
Diversas áreas da ciência ajudam no autoconhecimento em vista do equilíbrio do humor. A psicologia diz que a oscilação do humor pode ser normal e torna-se um indicador de doença somente quando os sentimentos são excessivos, obsessivos e interferem na vida cotidiana. Fisiologicamente, a mudança de humor é justificada nos níveis dos hormônios femininos, que sofrem alterações constantes. Essas variações hormonais podem afetar substâncias químicas do cérebro que têm um papel importante na regulação do humor.
Schoenstatt leva em consideração todos esses processos naturais que ocorrem na mulher e concorda que eles podem ser causa de sua instabilidade emocional, sentida no humor. Mas, Schoenstatt não para nisso, vai além. Entende que o impulso natural, com suas fragilidades, pode ser enobrecido por um ideal elevado. Bem concretamente, um dos caminhos que a espiritualidade propõe para um autoconhecimento iluminado é o estudo dos temperamentos, que oferece ferramentas para a pessoa conhecer os lados fortes e fracos do seu humor. Inclusive, na antiguidade clássica já falava-se dos temperamentos por meio dos quatro humores: sangue (sanguíneo), bile amarela (colérico), fleuma (fleumático) e bile negra (melancólico).
Aceitar-se
Possui um bom humor quem aprendeu a viver consigo mesma. Quem gosta de si, cultiva relações humanas mais positivas, está mais disponível para gostar dos outros e cooperar com eles. Aceitar-se significa apreciar as suas qualidades, valorizar os seus esforços e relativizar as críticas, bem como saber-se amada e aceita por Deus de forma incondicional. E até ser capaz de ri de si mesma e das bobagens que comete sem segundas intenções. Pesquisas revelam que o humor, o riso, é um mecanismo de enfrentamento psicológico, uma artimanha do cérebro humano para a resolução de conflitos, já que o humor às vezes é a única forma de lidar com o turbilhão da vida [2].
Educar-se
Sabemos que a maturidade traz consigo equilíbrio emocional, porém não apenas como fruto de um desdobramento natural do tempo vivido, mas, acima de tudo, de um resultado da vontade, do esforço de cada um em conquistá-la. Por mais que os temperamentos façam parte de nossas inclinações naturais, presenteadas por Deus, eles são suscetíveis de aperfeiçoamento pela autoeducação. Aos jovens de 1912, que revoltados reivindicavam maior liberdade, o Pe. Kentenich convidou-os em primeiro lugar a libertarem-se de si mesmos por meio do imperativo: “avancemos na conquista do mundo interior por uma autoeducação consciente”. Se o relacionarmos com o tema, podemos dizer que a autoeducação liberta a pessoa da instabilidade do próprio humor, domina-o, e não é dominado por ele.
Então, o que autoeducar para ter um humor estável?
Isso varia de pessoa a pessoa, mas algo que é comum a todas as mulheres, principalmente, seria a necessidade de educar o coração, os sentimentos, até torna-los livres, o mais possível, de insinuações, intrigas, sensibilidades. Nestes casos, Pe. Kentenich acrescenta que são necessários atos de autodomínio para não demonstrar exteriormente sentimentos negativos. Do contrário, a pessoa não pode pensar que é alguém cheia de virtudes. “Devemos cuidar que nossas palavras irradiem alegria espontânea”, conclui.
Possuir-se
Educar-se para possuir-se. Nisto consiste nossa força de irradiação. O Pai e Fundador era grande admirador do ser feminino e estava convencido que justamente as mulheres possuem o dom de captar um clima negativo e de o elevar. Bem como o de purificar o ambiente e de reconhecer e desmanchar intrigas, sem dizer uma palavra. As Irmãs Pioneiras que trouxeram Schoenstatt para o Brasil são exemplos da irradiação da educação do Fundador também neste aspecto de não se deixarem submergir pelo desânimo e situações desfavoráveis dos inícios. Diante das dificuldades e de precariedades, uma das Irmãs Pioneiras relatou que o pensamento que sempre a sustentou foram as palavras do Pe. Kentenich: “o amor nunca perde o humor”. Educar-se para estar na posse de si – a nova mulher, a exemplo de Maria.
O psiquiatra Enrique Rojas escreveu: “Um homem que conquista muitas pessoas é poderoso, mas aquele que conquista a si mesmo é invencível”. Invencível contra as instabilidades emocionais.
Fomos criadas para o outro
Pe. Kentenich disse que uma mulher que não é mãe, em outras palavras, que não sabe servir, é apenas uma caricatura de mulher. Para servir o outro, Deus nos criou! Nosso rosto atesta isso, pois por nós mesmos não o vemos, apenas com ajuda de um espelho o contemplamos. Já o nosso próximo o vê de forma direta. E a caridade evangélica ensina que para o próximo deve-se oferecer o melhor. Bem como testemunhou o Pe. Kentenich durante o exílio, que viveu “o sorriso divino no pranto humano”.
Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, reforça esse ensinamento: Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para tornar instável o nosso humor. Vejamo-los como desafios para crescer. Além disso, o olhar crente é capaz de reconhecer a luz que o Espírito Santo sempre irradia no meio da escuridão (84). Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não se goza da doce alegria do amor de Deus, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Transformar-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida, não é escolher uma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado (2). Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados.
Que a grande Imaculada, que traz a lua debaixo dos pés, também como símbolo de tudo o que é mutável e inconstante, interceda-nos a graça de conquistarmos um ‘humor mariano’ e de passar por este mundo como viveu o Pai e Fundador, “simples e bondosas, irradiando paz, amor e alegria!” (Rumo ao Céu)
“É fácil estar alegre de vez em quando, mas estar sempre alegre é outra coisa. […] quando se sentem melancólicas, têm vontade de se isolar e ficam pessimistas, lembrem-se de que a Mãe de Deus quer esse sacrifício e o sol brilhará de novo” (Pe. José Kentenich) [3].
[1] Pe Kolb
[2] SALIBA, Elias Thomé. História Cultural do Humor: balanço provisório e perspectivas de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n. 176, p. 01-39, 2018. ISSN: 2316-9141. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.127332. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/127332/135577>. Acesso em: 09 set. 2018.
[3] 14 de abril de 1948, em Santa Maria/RS, Palestra para a Juventude Feminina de Schoenstatt
Excelente matéria! ?