É um afinar o ouvido para a voz de Deus
Maria Clara Marramarco Lovato – A vida moderna, com seu imediatismo e suas constantes mudanças, o pouco apreço e a desvalorização de uma rotina, nos tira do centro como Deus sonhou. Deus nos criou em um mundo com constantes processos diários que se renovam. Para nossos bisavós, talvez isso fosse natural. O nascer do sol que marcava o despertar ou início do trabalho, o sol a pino que marcava o momento da comunhão da família, o almoço, e o pôr do sol marcando o fim da labuta e o momento do descanso, da reflexão. O próprio costume da oração do Angelus coincide com essas posições do sol, num momento em que a rotina, as disposições da natureza nos lembram a Jesus, que é o sol da verdade.
É evidente o quanto estamos, no geral, desconectados do ser humano à imagem de Deus. Neste momento de pandemia mais ainda, vivendo com luz artificial dentro de nossas casas, muitas vezes sem rotina alguma, sem disciplina. Para sanar este “problema moderno”, nosso Pai e Fundador nos ensinou e aplicou, desde o início com os jovens, a ferramenta do Horário Espiritual.
Por que horário? Porque, além de através dos propósitos também marcar um ritmo na nossa vida, a sua aplicação nos convida todos os dias a termos um tempo de reflexão sobre o que foi feito no dia, onde Deus nos mostrou seu amor e, também, realizar um pequeno exame de consciência.
Hoje vemos nas redes sociais diversos blogueiros e influencers falando de aplicativos de “habit trackers” (em tradução livre “rastreador de hábitos”), o “clube das 5 da manhã” (sobre rotinas matinais), entre outros assuntos referentes à criação de hábitos. O que são estes hábitos? São a repetição diária de ações com um fim benéfico na nossa vida.
Muitos propõem hábitos alimentares, de higiene, para mulheres o estimado “skin care”, meditação… diversas ações que alcançam muitas vezes apenas um recorte do que é o ser humano integral. Nós, porém, schoenstattianos, contamos com a ferramenta do Horário Espiritual para, com a graça de Deus, crescermos organicamente como mulheres em todas as vinculações.
Nosso Pai e Fundador nos ensina que é necessário colocar nossa vinculação a Deus em primeiro lugar, por meio de propósitos como a Oração da Manhã e da Noite, o Santo Terço, a Missa, fazer leituras espirituais, outros propósitos particulares, sem deixar de cuidar das demais vinculações. As demais vinculações que geralmente compõe o horário espiritual, juntamente com alguns poucos exemplos, são:
– Vinculação às pessoas: dar um sorriso a todos que encontrar, dar bom dia e boa noite aos meus familiares, esforçar-me num ato concreto com alguém que tenho antipatia, cumprimentar os colegas de trabalho/escola e fazer-lhes agrados, oferecer-me para ajudar alguém, não reclamar, etc.
– Vinculação comigo mesma: acordar no primeiro despertador e não colocar o ‘soneca’, dormir sempre no horário pretendido, algum exercício físico, aumentar a salada ou algum alimento saudável, ler 15 minutos de um livro bom por dia, arrumar-me um pouco todos os dias mesmo para ficar em casa;
– Vinculação com as coisas e o dever: lavar a louça ou varrer a casa sem reclamar, arrumar o quarto/casa, não mexer no celular durante horário de estudo ou trabalho, ou ter intervalos fixos.
Diferente dos “habit trackers” dos blogueiros, nossas metas têm um fim sobrenatural, a união com Deus por meio do aperfeiçoamento, da autoeducação. Nossa maior meta é a santidade, o Céu. O que o mundo moderno descobriu há pouco, nosso Pai e Fundador já propusera muito antes. O diferencial é que na luta temos ao nosso lado todos os Santos e a nossa Mãe.
Além disso, o Horário Espiritual nos ensina a vivermos vinculados. Não estamos alheios ao que nos cerca. Vinculados com Deus, com os irmãos, conosco mesmos, com o nosso dever. É um afinar o ouvido para a voz de Deus. Diferente de pensar que a repetição seja tediosa, o Horário Espiritual nos ensina a eliminar o barulho da desordem para poder ouvir os sopros da Divina Providência.
Reiniciar sempre e educar-se a persistir nos ensina também a resistir com mais força às tentações que nos surgem. Sejam elas contra a castidade, contra a honra das pessoas, ou pelo mal contra nós mesmos, pois nos acostumamos a escolher todos os dias o bem. Cada marca no papel é uma escolha pelo bem, pela Verdade revelada.
Depois de estarmos convencidos a iniciar o uso desta ferramenta pedagógica inestimável, vários pequenos problemas podem surgir. Todos se resolvem através da oração sincera. De se colocar diante de Deus com humildade e admitir que aquilo que queremos realizar é impossível a sós. Apenas com a graça de Deus, com a intercessão e apoio da Mãe é possível. Se fosse muito fácil, não haveria virtude nisso. A virtude consiste justamente em persistir na dificuldade, em tentar novamente, mesmo que já faça uma semana que deixei de lado. Nesses momentos é sensato também procurar orientação, sem falsa humildade ou piedade de si mesmo, com pessoas que possam nos guiar, sejam Padres, Irmãs ou outros assessores e dirigentes.
De qualquer forma, Schoenstatt traz em sua pedagogia esse verdadeiro motor da vida espiritual, em que podemos acompanhar nosso progresso na conquista das pequenas virtudes, nosso caminhar na santidade da vida diária. É um exercício de perseverança e de humildade, de aprender a reconhecer nossa entrega a Deus e seus sinais nas menores coisas, desde nosso despertar ao dormir. O horário espiritual bem feito e refletido é o relógio da alma, que dá o ritmo para que nosso coração possa bater junto com o de Deus.
⇒ O que é o Horário Espiritual? Leia aqui
Texto e foto: jufem.com.br
* Publicação adaptada pelo editor, a versão original está no site jufem.com.br