A filialidade é pura e simplesmente o caminho para o céu
Karen Bueno – A poucas casas de distância, vejo a realidade dura de uma família vizinha: pais desempregados, filhos pequenos a se criar, um país inteiro em crise ao seu redor. Talvez isso aconteça também na sua rua, ou no seu bairro. Talvez essa seja a realidade da sua família. O coração simplesmente não consegue “passar batido” pela atual situação, é impossível não se colocar no lugar do outro. Ao mesmo tempo, nessa hora, o olhar se guia quase que instintivamente para o filho mais novo da família: apesar de tudo, ele continua saltitando e se divertindo como se fosse um dia normal de férias escolares. Não se abala. O menino provavelmente compreende que a família enfrenta dificuldades, mas sabe que os pais vão “dar um jeito”. É isso o que os pais fazem.
No dia da Aliança de Amor, olhando para a imagem acima, essa mesma impressão se repete. Nela, os filhos de Schoenstatt são representados como crianças, levando seus corações ardentes para a Mãe. São pequeninos e indefesos, são filhos e, como filhos, sabem que o Pai e a Mãe vão “dar um jeito”. Mas, ao mesmo tempo, eles fazem a sua parte, não deixam a missão só para a Mãe de Deus. Olhamos nos detalhes da imagem que as crianças se ajudam mutuamente, se apoiam, elas foram em busca de luzes e de flores. Essa representação mostra exatamente a forma que o Fundador de Schoenstatt, Pe. José Kentenich, imaginou sua Família: Cada um empenhado em fazer tudo o que lhe cabe na missão, mas, todos pequenos e filiais diante da Mãe, diante de Deus Pai. Não podemos ver, mas ele certamente é um desses pequenos que oferece o coraçãozinho ali, ao lado dos outros – é ele quem chama e guia todos a esse encontro filial.
O norte para uma “santa quarentena”
Nesses tempos de crise, é difícil deixar de ler ou assistir manchetes, opiniões, matérias sensacionalistas e simplesmente relaxar – 47% dos brasileiros afirmam que têm dificuldade para relaxar e 23% não conseguem dormir bem. Em paralelo ao coronavírus, vemos surgir uma pandemia do medo e do estresse – a palavra “insegurança” define os sentimentos de 59% dos brasileiros [1].
Longe de buscar uma resposta pronta, uma solução mágica para tudo isso, mas procurando caminhos comprovados, nos deparamos com a palavra “filialidade” – o ser filho diante de Deus. Essa experiência de viver como uma criança diante do Pai Eterno, a “infância espiritual”, foi o que permitiu a muitos santos, a muitos schoenstattianos, enfrentarem situações provavelmente bem piores que a pandemia atual.
Em essência, viver a filialidade de maneira “heroica” é viver a Aliança de Amor da maneira mais perfeita e coerente possível: Nada sem vós, nada sem nós.
Quer um exemplo? Santa Teresinha – a quem o Pe. Kentenich tanto admirava pela filialidade vivida – ofereceu-se ao Menino Jesus para ser seu “brinquedinho”. Ao falar com a superiora sobre seu “pequeno caminho” para a santidade, Teresinha diz: “Minha Madre, o caminho que desejo trilhar é o caminho da confiança e do total abandono” [2]. E, ao apresentar este caminho, ela nos convida a sermos crianças, ou seja, como as crianças esperam tudo de seus pais e nada podem por si mesmas, assim também devemos esperar tudo do Pai do céu. Ao mesmo tempo, Santa Teresinha é exemplo de luta para conquistar o que reconhece como desejo de Deus, ela ousou até mesmo apresentar-se diante do Papa para pedir o consentimento à sua entrada no Carmelo, com apenas 15 anos.
Uma schoenstattiana que viveu o isolamento num período de crise
Em Schoenstatt não faltam exemplos de filialidade vivida (veja aqui uma galeria de pessoas inspiradoras). Pe. Kentenich cuidou pessoalmente de muitos, já outros simplesmente acolheram suas palavras à distância – como é o nosso caso hoje – e compreenderam o conteúdo central de sua espiritualidade.
Se parece difícil viver longe dos amigos e familiares, num período de instabilidade financeira e de tantas outras crises, veja o exemplo de Ir. M. Emilie Engel. Ela ficou internada numa clínica isolada para tuberculosos (uma doença infecciosa por sinal), justamente num período entre guerras, quando todos passavam necessidade econômica: “Leva algum tempo até que os pacientes se acostumem à rígida rotina de tratamento. […] a inatividade forçada, aliada ao isolamento e a insegurança sobre o curso da doença, constituem uma sobrecarga excessiva para o corpo e a alma”, descreve sua biografia [3]. E qual atitude encontramos nela? Obviamente que, algumas vezes, ela se sente fraca e desamparada, mas, em essência, Ir. M. Emilie não fica presa à pergunta sobre “o porquê” de sua sorte, porém, cheia de confiança, reafirma: “Eu sei que és meu bom Pai!”. Na carta para uma Irmã de curso, assim ela escreve: “Existe um canto, que desde setembro de 1935 – quando se confirmou minha doença – se tornou meu canto predileto, e muitas vezes o tenho na mente para dissipar os pensamentos melancólicos: ‘Eu sei que és meu bom Pai, em cujo amor estou abrigada. Não te quero perguntar para onde me conduzes, só quero seguir-te despreocupada’.” [4]
Olhe para a imagem mais uma vez…
Voltando a olhar para a imagem acima, podemos imaginar essas crianças partindo, após o reencontro com a Mãe neste dia 18, e retornando às suas atividades diárias. Algumas têm casa e filhos para cuidar, outras vão encontrar uma empresas ou um comércio falindo, outras ainda estarão sem emprego e tentando se reinventar. Mas, todas elas têm algo em comum no semblante: a atuação responsável em suas tarefas e, ao mesmo tempo, a tranquilidade e a confiança de que, se são fiéis à Aliança, a Mãe vai “dar um jeito”. Foi a Mãe mesmo que prometeu: “Não vos preocupeis… Eu amo aos que me amam” [5]. A troca de corações está feita – e troca de coração, nos diz o Pe. Kentenich, significa troca de confiança, de sacrifício e de fidelidade [6].
Referências:
[1] Pesquisa realizada com 4.693 brasileiros, feita pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners. Acessado em: https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/a-epidemia-oculta-saude-mental-na-era-da-covid-19/
[2] História de uma Alma, 12
[3] Wolff, Margareta. Meu sim é para sempre. Publicação: Sociedade Mãe e Rainha
[4] Idem
[5] Documento de Fundação de Schoenstatt
[6] Kentenich, Pe. José. Que as rosas falem por nós