O coração inquieto é uma bússola para avançar, mas, qual a direção certa?
Pe. Heitor Morschel – “Nesta longa estrada da vida, vou correndo e não posso parar, na esperança de ser campeão, alcançando o primeiro lugar”. Assim versava uma antiga música do cancioneiro popular brasileiro. E mais: é bem verdadeira! Sim, a vida é uma grande corrida. E, por não dizer, uma grande experiência de vencedores, já que nascemos vencendo e vindo ao mundo como tal. Pelo simples fato de estarmos vivos e saudáveis, já nos damos por satisfeitos. E toda a nossa vida vai sendo construída sobre projetos e realizações. Alguns de nós somos mais acanhados e tímidos. Outros mais ousados, indo mais longe.
O vocábulo “competitividade” é muito utilizado na economia de mercado. Inúmeros são os artigos, livros, teses e dissertações que abordam o tema. Contudo, não é nossa intenção discursar sobre esta ótica. A competitividade – ou “inovação”, como é mais conhecida no mundo empresarial nos dia de hoje – é a “característica ou capacidade de qualquer organização em lograr cumprir sua missão, com mais êxito que outras organizações competidoras. Baseia-se na capacidade de satisfazer as necessidades de seus clientes aos quais serve” [1], a competitividade também pode ser entendida como projeto de vida, quando referida à busca incessante do ser humano na sua realização neste mundo.
A busca incessante
Santo Agostinho, após a sua conversão ao cristianismo, expressava a sua angústia e anseio de procurar conhecer a “Verdade” e, quando a encontrou, utilizou a seguinte expressão: “Fizeste-nos para ti e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti” [2]. Na vida dele, a sua sede em conhecer os mistérios do mundo ofuscou sua capacidade de enxergar os Mistérios de Deus. Agora, tirado este véu, a sua alma torna-se livre para o “Sumo Bem”.
Assim é a vida da gente: nunca estaremos satisfeitos enquanto não repousarmos no “Sumo Bem”. Pois sabemos que a vida é dom e tarefa: dom recebido como graça santificante e tarefa humana recebida de Deus. Somos co-criadores, colaboradores de Deus na obra da criação: “E Deus disse: sede fecundos, enchei e submetei a terra” (Gn 1,28).
Por instinto, às vezes positivo ou às vezes negativo, a vida humana se torna um grande combate! Pode ser uma luta conosco mesmos ou com os outros e a competitividade instiga essa luta a avançar. São Paulo nos exorta: “Combate o bom combate, com fé e boa consciência” (ITim 1,18-19). E o Catecismo da Igreja Católica acrescenta: “Não existe santidade sem renúncia e sem combate espiritual”. [3] Ao comentar sobre a oração do cristão, o Catecismo nos diz: “a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra os embustes do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração, da união com Deus” (2725) [4].
A tensão criadora
Pois bem, dentro de cada um de nós está o germe do antigo e do novo, entre o que foi e o que será, entre a tradição e a novidade. Pe. José Kentenich procurava ser um homem assim: “Foi fiel ao princípio de conservar o antigo e abrir-se moderadamente ao novo… Conservava-se no colo da tradição e, ao mesmo tempo, era moderno” [5].
Na pedagogia de Pe. Kentenich há intencionalmente uma provocação ao qual chama de “Tensão Criadora” [6], pois sabe que, mesmo numa atividade ou numa dificuldade, por pior que seja, o ser humano pode aprender muitas coisas e tirar bons resultados. Nesse sentido, a competitividade pode ser positiva, quando nos impulsiona a algo novo. Nós, brasileiros somos muito bons nisso! A competitividade, associada à criatividade e à solidariedade, nos faz ser um povo único. Popularmente falando, “o brasileiro consegue tirar graça da própria desgraça”. Mesmo agora nos tempos difíceis da pandemia, com milhões de desempregados e necessitados, os brasileiros se reinventam. Há uma corrida contra o tempo para se descobrir qual vacina ou remédio será melhor para evitar o contágio.
Porém, a tensão criadora deve estar sempre alicerçada na vontade divina. Quanto “mais clara, mais se tem a segurança moral de ter interpretado corretamente o plano de Deus” [7]. Tudo isso construído na liberdade, pois em Schoenstatt a liberdade “é entendida como a capacidade que a pessoa tem de se decidir por si mesma e de realizar o que decidiu”. [8] Aqui poderíamos discorrer páginas sobre o binômio “Homem livre” do “Homem Massa” tão pregado pelo Padre Fundador. Grande exemplo desta capacidade criadora e da autoeducação pela liberdade foi José Engling, proclamado pelo Pe. Kentenich como “Documento de Fundação Vivido”. Este herói de Schoenstatt pode ser também conhecido como “cristão autêntico” [9], cuja vida é exemplo de admiração deste “Homem Novo”.
Avancemos, mas na direção certa
A grande tentação na competitividade é a construção de nossos projetos e aspirações mais heroicas sobre a fantasia de nossos pensamentos e do próprio eu. Quando mal trabalhado, nossos desejos e projetos podem nos levar a grandes decepções e até à depressão. Claro que temos nossos projetos e sonhos pessoais. Contudo, devemos fazê-los sempre pela vontade de Deus. Pe. Kentenich nos diz: “Ao contrário, o cristão conhece e ama o ‘agere contra’, agir contra os próprios caprichos e inclinações, movido pelo amor, a fim de estar cada dia mais disposto e pronto a aceitar todos os desejos de Deus” [10]. Isso tudo em vista do “Homem Novo”, da “Nova Comunidade”. E Pe. Kentenich finaliza dizendo: “Avancemos nas pesquisas e conquistas de nosso mundo interior, através da autoeducação consciente. Quanto mais progresso exterior, tanto mais aprofundamento interno. Este é o brado, a senha…” [11]
* Contribuição da União dos Sacerdotes Diocesanos de Schoenstatt
Referências
[1] Competitividade. Ver mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Competitividade
[2] Livro: As Confissões de Santo Agostinho. Recomendável à leitura e pode ser encontrado em https://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_confissoes.pdf
[3] Catecismo da Igreja Católica. Vozes, São Paulo, 1993, n. 2015.
[4] Ibidem. n. 2725.
[5] NAILIS, Annette. Padre Kentenich, como nós o conhecemos. Centro Mariano. Pallotti, Santa Maria – RS, 2001, p. 94.
[6] Ibdem. P. 95.
[7] ANDRACA, R. F. 150 Perguntas sobre Schoenstatt. Nueva Patris, São Paulo, 2011, p. 78.
[8] Ibidem. p. 87.
[9] KENTENICH, J. – NAILIS, A. Santidade de Todos os dias. Sociedade Mãe e Rainha, Santa Maria, 2018, p. 100. Sugestão de aprofundamento: HANNAPPEL, P. José Engling nosso Irmão Maior. Sociedade Mãe Rainha, Santa Maria, 2010. CESCA, O. Herói de Duas Espadas. Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt. São Paulo, 1978.
[10] Ibidem. p. 99.
[11] Documento de Pré-Fundação de Schoenstatt