Recordando a vida do primeiro beato de Schoenstatt
Karen Bueno – “Deus honra o pai nos filhos”, diz o livro do Eclesiástico (3, 3). Este texto bíblico se refere à família humana, porém, a frase se encaixa perfeitamente aos filhos de Schoenstatt, que formam uma Família espiritual. Deus honra nosso Pai e Fundador, Pe. José Kentenich, na vida santa de seus filhos.
A Aliança de Amor foi vivida tão intensamente por alguns, que seus nomes se destacam no Movimento e, em alguns casos, alcançam o reconhecimento da Igreja. Dos beatos de Schoenstatt, Pe. Karl Leisner é o primeiro.
Sua história é especialmente marcante por ele ser o único sacerdote católico ordenado em um campo de concentração.
Karl Leisner nasceu no dia 28 de fevereiro de 1915 em Rees/Alemanha. Aos 18 anos, em 1933, ele foi pela primeira vez a Schoenstatt e no ano seguinte iniciou os estudos de Teologia no seminário de Münster. Nessa época, tornou-se dirigente da Juventude Masculina de Schoenstatt na Diocese.
Uma liderança que representa perigo
Karl Leisner exercia uma forte liderança entre os jovens, a ponto de sua personalidade livre e autêntica incomodar o governo nazista. Eles o viam como um incômodo, um empecilho na difusão de suas ideologias entre a juventude. Os nazistas buscavam, entre suas estratégias de ação, formar aquilo que o Pe. Kentenich chama de “homem-massa”, ou seja, que não pensa por si próprio, mas deixa-se levar pelas opiniões da massa. Karl Leisner, por sua vez, vivia e difundia a pedagogia de Schoenstatt, que se apóia na liberdade interior, no crescimento orgânico, nos vínculos, no amor… Muitas coisas que iam contra as propostas de Hitler.
Por ser essa liderança marcante, que incomodava o governo, em 1939 ele é obrigado a servir no exército de Hitler. É nessa época que contrai tuberculose e os maus tratos e péssimas condições de serviço agravavam a situação.
Mesmo doente, Karl Leisner é enviado para o campo de concentração de Dachau – o mesmo em que o Pe. Kentenich estava preso – e lá convive com outros sacerdotes schoenstattianos, que se apoiam mutuamente para viver a Aliança de Amor nesta dura realidade.
Já com a saúde bastante debilitada, tem seu grande desejo atendido em 1944, quando é ordenado sacerdote em Dachau. O jornalista francês Guillaume Zeller, que pesquisou a vida dos sacerdotes neste campo de concentração, afirma que “em Dachau teve lugar a primeira – e única na história da Igreja – ordenação sacerdotal clandestina de um seminarista alemão a ponto de morrer”. Ele se refere ao Pe. Leisner, que recebeu o sacramento da Ordem dentro de uma barraca colocada como capela, pelas mãos do bispo de Clermont-Ferrand/França, Dom Gabriel Piguet, e também com a presença do Pai e Fundador de Schoenstatt. Vários prisioneiros estiveram de guarda, como vigias, para que essa celebração acontecesse.
Logo após o Natal, no dia 26 de dezembro, Pe. Karl Leisner celebra sua primeira e única Santa Missa.
O cardeal Reinhard Marx, quando presidente da Conferência Episcopal Alemã, qualificou como exemplares a vida e o sofrimento do beato schoenstattiano: “Karl Leisner é uma inspiração para todos nós. Existiram homens que não se calaram diante do poder mais brutal. Pelo contrário, como sinal de protesto, deixaram claro o seguinte: Sereis derrotados”. Segundo o cardeal, “ele continuava querendo ser sacerdote, mesmo tendo a clara certeza de que não tinha futuro algum em sua vida terrena. Então, por que tanto esforço para que se ordenar sacerdote?” O Pe. Leisner tinha trabalhado com entusiasmo “considerando o maior presente que um sacerdote pode oferecer: Presidir a Missa, celebrá-la, pregar, vivê-la. Assim, ele mostrou o que é importante. Trata-se de desenvolver uma paixão e não ser cristãos tíbios. Peçamos ao Senhor que a lembrança de Karl Leisner e de seu testemunho, que foi breve, porém forte, nos ajudem a viver, hoje, a fé” [1].
Fiel até o fim
No começo de 1945, Pe. Leisner já não tem mais condições físicas de sobreviver no campo de concentração. Por isso, é libertado no dia 4 de maio – os nazistas têm medo que ele morra na prisão e seja proclamado heroi pela juventude.
Pe. Leisner passa suas últimas semanas no Hospital de Planegg, em Munique, e já não tem mais condições de recuperar a saúde. O espírito de sacrifício e amor a Cristo é vivido em todas essas etapas de sofrimento que experimentou, até o último dia de sua vida terrena, 12 de agosto de 1945. A última frase de seu diário expressa a magnanimidade de sua alma: “Abençoai, oh Senhor, também os meus inimigos!”
Reconhecido pela Igreja
Em 23 de junho de 1996, com o Estádio Olímpico de Berlim lotado, o então Papa João Paulo II beatifica Pe. Karl Leisner. Na ocasião, o Santo Padre retoma a vida do heroi de Schoenstatt:
“‘Cristo, tu me chamas, eu digo, humilde e decidido: Eis-me aqui, envia-me’, escreve Karl Leisner no início de seus estudos teológicos. Pressentindo, desde o início, o caráter anticristão do partido então no poder, ele sentiu-se chamado para ensinar aos homens, através do serviço sacerdotal tão desejado, o caminho de Deus. […] Antes de ser preso em Dachau, ele se tornou o apóstolo de uma profunda devoção a Maria, à qual foi estimulada pelo Pe. Kentenich e o Movimento de Schoenstatt” [2].
Leisner é apontado pelo Papa como um exemplo de amor e contato pessoal com Cristo. Assim afirmou São João Paulo II:
“Cristo é a Vida: esta era a convicção para a qual Karl Leisner viveu e para a qual ele finalmente morreu. Ao longo de sua vida, ele procurou a proximidade com Cristo na oração, leitura diária da Bíblia e meditação. Finalmente encontrou essa proximidade de modo particular no encontro eucarístico com o Senhor. O Sacrifício eucarístico, que Karl Leisner pôde celebrar depois de sua ordenação sacerdotal no campo de concentração de Dachau, não foi para ele apenas um encontro com o Senhor e com a fonte da força de sua vida. Karl Leisner sabia antes que aquele que vive com Cristo, entra com o Senhor numa comunhão de destinos”. [3]
Também o Papa Bento XVI, em visita à Alemanha no dia 22 de setembro de 2011, celebrou uma Santa Missa no Estádio Olímpico de Berlim. Logo no início da homilia recordou o Pe. Karl Leisner: “Pensando nestes Beatos (Bernhard Lichtenberg e Karl Leisner) e em toda a série dos Santos e Beatos, podemos compreender o que significa viver como ramos da videira verdadeira, que é Cristo, e dar muito fruto”. [4]
A frase do Pe. José Kentenich “Mater habebit curam”, que marcou a vida de Pe. Karl Leisner revelando sua confiança na Mãe de Deus, é dita durante sua beatificação. Com essas palavras, São João Paulo II envia a todos os presentes na cerimônia:
“‘Mater habebit curam’, a Mãe celeste vai cuidar! Com estas palavras de alegre esperança de Karl Leisner, confio-vos à intercessão de Maria, que, como primeira cristã, disse sim à vontade de Deus”. [5]
Pe. Karl Leisner é uma personalidade forte, que marca a história de Schoenstatt e segue como modelo para todos os irmãos na Aliança de Amor. Seu exemplo de amor a Cristo e à Maria encontra eco nos corações, já que foi grande influência para uma geração e continua a influenciar os que conhecem sua história, intercedendo por todos lá do céu.
Referências
[1] Homilia na celebração dos 70 anos da ordenação sacerdotal do Pe. Karl Leisner, missa celebrada em 17 de dezembro de 2014, na Igreja de Santa Cruz, no Campo de Concentração de Dachau
[2] SÃO JOÃO PAULO II, Homilia no Estádio Olímpico de Berlim, 23 de junho de 1996.
[3] Idem
[4] PAPA BENTO XVI, Homilia no Estádio Olímpico de Berlim, 22 de setembro de 2011.
[5] SÃO JOÃO PAULO II, Homilia no Estádio Olímpico de Berlim, 23 de junho de 1996.
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“‘Mater habebit curam’, a Mãe celeste vai cuidar! Com estas palavras de alegre esperança de Karl Leisner, confio-vos à intercessão de Maria, que, como primeira cristã, disse sim à vontade de Deus”. [5]