A “Era do Vazio” e a necessidade de enraizar os mais profundos anseios em Deus
Pe. Vandemir Jozoé Meister – “Pela nossa Aliança de Amor com a MTA, comprometemo-nos progressivamente, ano após ano, desde 1914, com a realização do conteúdo do lema: ‘Com Maria, alegres na esperança e seguros da vitória, rumo aos tempos mais novos’. Ao longo de todos esses anos que passaram, o nosso olhar esteve fixo na margem dos novos tempos para a Igreja e o mundo. Assim deve ser visto tudo o que foi escrito ao longo dos anos. Sabemos que, por causa desta nossa orientação, durante muito tempo não fomos compreendidos por círculos da Igreja que se orientaram, unilateralmente, pela margem dos tempos antigos” [1] . Estas palavras, escritas numa carta pelo Pe. Kentenich, por ocasião do Congresso dos Católicos, em Essen, em 15 de setembro de 1968, aos membros da Família de Schoenstatt, exortado por ele a participarem de tal evento, nos traz um telão de fundo do contexto em que estamos vivendo.
Na carta acima, o Pe. Kentenich menciona “desde 1914”, mas ele mesmo, já em 1912, trazia a perspectiva de renovação e apontava para um núcleo, ainda insipiente na época, mas já percebido por certas sensibilidades humanas, inclusive ele. O Pe. Kentenich comenta que certos círculos da Igreja ainda se orientavam unilateralmente pela margem dos tempos antigos e, com isso, não estavam percebendo as necessidades do homem contemporâneo. O advento do Concílio Vaticano II na Igreja (1965) traz respostas, em consonância com o que já pensava e realizava o Pe. Kentenich; e com esta renovação, entendem sua Obra e sua maneira de agir. O mundo estava há muito tempo dentro de uma nova era e os homens se compreendiam desde outra perspectiva, mas não até então captada pela Igreja.
As últimas discrepâncias trazidas à tona, no presente ano, com referência ao Pe. Kentenich, somente podem ser entendidas neste amplo contexto, ao qual chamo “A era do vazio”. Palavras estas não originárias de minha escrita, mas comum a vários pensadores modernos que buscam entender o homem atual para propor-lhe caminhos. O Pe. Kentenich, com sua aguçada sensibilidade de captar os traços da alma do homem moderno, encontra-se entre esses pensadores. Ele não somente constata como propõe respostas desde o campo da fé.
“Há um mundo sempre antigo e sempre novo – o microcosmo (nosso interior)”
Muitos pensadores – filósofos, sociólogos, psicólogos, psiquiatras e outros – discorrem comumente sobre o protótipo do homem atual e que, ao mesmo tempo, nenhum dos homens deste tempo está isento desta realidade. A realidade está conformada por um ambiente que denominam pós-modernismo, hiper modernismo, tempo psi, etc., e que, ao mesmo tempo, forma uma era do vazio.
A Era do Vazio podemos sintetizar em poucas palavras, sem esgotar todo seu conteúdo, como expressão última da modernidade: um tempo de comunicação. Não mais da comunicação como conteúdo ou mensagem, no sentido moralizador desse termo, mas comunicação como forma de contato, expressão de desejos, emancipação do jugo utilitário. Gera medo, pânico e até horror, uma época em que tudo pode ser questionado. É consenso entre os pensadores que estamos numa época narcisista, onde cada um olha para si mesmo e para a satisfação de suas necessidades. O “eu” como referência última da verdade e da veracidade. O que penso agora é mais importante do que eu deveria ter refletido e pensado; logo, não penso, mas manifesto as minhas emoções como se fossem assim a verdade. É o homo psi [2], todo voltado para si, suas necessidades, suas conquistas, seu perfil.
Na palavra perfil podemos fazer a última síntese que retrata o homem narcisista: mostra-se para o mundo exterior como jovem, cheio de saúde, só sorrisos e vitalidade, novos projetos – novos, pois estar trabalhando num mesmo projeto já é considerado ultrapassado – viagens em lugares fantásticos, os vários países conhecidos, mostrar a sensação de que está por cima, contatos e fotos com pessoas de bem com a vida… Estão acabando os projetos sociais, o detrimento do comprometimento com o que é público subjugado pelo consumismo do que é propriamente privado.
“A autoeducação é imperativo do tempo”
Mais do que nunca, os homens sentem-se no vazio, apesar de todas essas disponibilidades que o mundo moderno oferece. O Pe. Kentenich já constatava esta realidade, ainda em fase embrionária, em 1912: “Não é necessário conhecimento extraordinário do mundo e dos homens, para ver que nosso tempo, com todo o seu progresso e suas múltiplas descobertas, não consegue livrar o homem do vazio interior.” “…Todas as regiões espirituais são cultivadas; todas as faculdades, fortalecidas. Somente o que há de mais profundo e íntimo, o mais essencial na alma humana, muitas vezes é terreno inculto. Tais são as queixas apresentadas pelos jornais. Por isso nossa época é assustadoramente pobre e vazia no campo dos valores internos” [3].
Mas, onde reside o núcleo do problema? Se o Pe. Kentenich, no início do século XX, constatou e muitos pensadores mais aguçadamente constatam no início do século XXI tais problemas, onde está a resposta? A resposta completa, tal como você queria, como em uma caixinha que você abre e a obtém, infelizmente não existe. A resposta será um caminho que terá que ser feito, para a Era do Vazio, e todas as outras Eras, sejam elas anteriores ou posteriores. Esse caminho como resposta a ser feito está na relação do criado (nós) com o transcendente. No entanto, enquanto todas as respostas últimas se esgotarem no próprio homem, o vazio continuará, e chegará a ser vácuo, esgotando todos os sentidos.
A relação com o transcendente trata-se da relação com Deus. Na relação dialogal com Deus o homem sai de si mesmo e deixa suas janelas abertas para a ventilação com o fresco ar matinal que traz vitalidade para cada novo dia.
O Pe. Kentenich, no início do exercício do seu sacerdócio, confronta-se com essa realidade da angústia do existencial, junto aos jovens que ele começa a atender em seu trabalho como diretor espiritual.
Os jovens que vinham de uma realidade de insegurança interior, rebeldia com a realidade, anseio de liberdade, recebem uma proposta, uma proposta pedagógica e, ao mesmo tempo, transcendente do Pe. Kentenich: A Aliança de Amor com Maria. O que ele visualizava nas almas daqueles jovens era a necessidade de enraizar os seus mais profundos anseios em Deus. O vazio, a angustia, a rebelião, sentimento de escravidão, etc., somente seriam superados com uma verdadeira relação dialogal e filial com Deus.
Qual a melhor maneira?
Foi assumir a maneira que Deus usou para chegar até aos homens, no entanto, agora percorrendo o caminho inverso: Por Maria, com o Filho, ao Pai!
A Aliança de Amor foi, é e será este caminho e instrumento pedagógico prático que faz crescer o amor filial, na dimensão transcendente, isto é, saindo de nós mesmos e nos remetendo ao Deus Trino. A Aliança de Amor nos provoca o cultivo vital de uma relação com o transcendente, através da sistemática contribuição ao Capital de Graças. Através do Capital de Graças entrego por Maria, com o Filho ao Pai, todos os desafios de minha existência; sejam eles minhas angústias, meus medos, meus temores, minhas inseguranças, minhas incertezas, sintetizando, os meus vazios interiores.
Neste tempo de pandemia, onde temos vivido muitas novas experiências, queremos entregar tudo à Maria. Estamos convidados a fazer nossa peregrinação, sair do nosso lugar e ir até outro lugar. Vamos fazer essa experiência de peregrinar espiritualmente até o outro lugar, que é o Santuário, e fazer nossa entrega ao Capital de Graças e renovar nossa Aliança de Amor com Maria Santíssima, que nos quer santos para estes tempos novos e desafiantes.
Referências:
[1] Kentenichreader, Antologia de textos fundamentais, Vol 1, pág. 246.
[2] Ver: A era do Vazio. Gilles Lipovetsky, ed. Manolo. 2005.
[3] Documentos de Schoesntatt, Documento de Pré-Fundação. Pe. José Kentenich, pág. 14-15.