Dois caminhos, duas reflexões
Pe. Gustavo Hanna Crespo – A experiência de exclusão ou da não-pertença é uma realidade antropológica que podemos encontrar em vários relatos de diversas culturas, quando tentam dar significado à criação do mundo. Na mitologia grega, por exemplo, relata-se sobre Dionísio, Ícaro, Édipo que são excluídos dos seus lugares por diversos motivos. No relato cristão da criação, em Gênesis (3, 22-24), Adão e Eva, por seu motivo, também são expulsos do paraíso.
Tanto a exclusão, como a eleição vem de um ato de apartar, separar. Porém, a consequência e o sentimento que geram nessas duas arestas, deste ato, são completamente diferentes. O apartar para ser incorporado, alegra e enaltece, que é o caso de quando Deus separa o povo para ser sua propriedade (Cf. Ex 6,7). O apartar para deixar de fora, denigre e humilha, como podemos ver também no relato bíblico, em Os1,9.
Em todos os casos relatados no começo desta nossa reflexão, podemos perceber que a exclusão muitas vezes tem o seu ponto inicial em um ato de desobediência e esta é dada como pena, condena. Destes relatos podemos justificar a cada uma delas, mas se nos deparamos com a vida de nossa sociedade, nos encontramos com um tipo de exclusão que não é fruto de uma pena aplicada, senão que a consequência de um sistema que adotamos para viver como sociedade – a exclusão social.
Um tema sempre antigo e sempre novo
Não é fácil definir o conceito da exclusão social, mas para delimitar este espaço de reflexão vamos tomar a definição de Cabrera de “optar pelo uso da expressão exclusão social estamos designando um processo de caráter estrutural, que no seio das sociedades de abundância termina por limitar sensivelmente o acesso a um considerável número de pessoas a uma série de bens e oportunidades vitais fundamentais, até chegar ao ponto de colocar seriamente em risco sua condição de cidadãos” [1]
Um outro conceito que nos faz refletir sobre a questão da exclusão social nos coloca o documento de Aparecida (nº65), que é o tema dos assim chamados “sobrantes”: “Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: da exclusão social. Com ela o pertencimento à sociedade na qual se vive fica afetado, pois já não se está abaixo, na periferia ousem poder, mas se está de fora. Os excluídos não são somente “explorados”, mas “sobrantes” e “descartáveis” [2].
Esses temas, no âmbito da reflexão teológica, não são novos. No entanto, vejo que em momentos de crises, como a que a sociedade passa, vale a pena recordá-los e colocá-los no âmbito da reflexão e perceber que a comunidade de fé pode ajudar a diminuir esta fenda, na realização de que todos somos parte e incorporados e um mesmo povo.
Os excluídos e a Mensagem de Jesus
Com o ministério, anúncio, as palavras e a vida pública de Jesus, surge um novo conceito para o Reino de Deus, a universalização deste. Existe um olhar aos pequenos, pobres, marginalizados e excluídos. São vários os relatos nos quais o Evangelho apresenta o tema dos pobres e a relação de Jesus com eles, como, por exemplo, este: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa-Nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Para Nuñez, os pobres e os excluídos são sujeito escatológicos, sujeitos sociais, destinatários e protagonistas da Boa Nova [3]. Neste sentido encontramos no ministério de Jesus a temática da universalização do Reino. Para Jesus, as periferias fazem parte do povo escolhido, já não são os excluídos, mas estão incluídos nesta realidade. Quando o Papa Francisco toca o tema das periferias, de sair ao encontro e ir até essas realidades, está pondo em prática a categoria da universalização do Reino e diminuindo a fenda do sentimento da não-pertença a este grupo.
O magistério de Francisco
Foram várias as vezes que escutamos o Papa Francisco tocar os temas da cultura do descarte, da exclusão social e dos sobrantes da sociedade. Com seu pontificado vemos a universalização de um tema teológico que aparentemente era exclusivo da teologia latino-americana, para uma reflexão e ensinamento universal. É interessante ver que o Papa retoma em Evangelli Gaudium, quase textual, o número 65 do Documento de Aparecida: “Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas resíduos, «sobras»” [4].
As afirmações são fortes e nos convidam a refletir dois temas – Envolver-nos e aspirar uma economia integral para a inclusão.
Envolver-nos
Francisco nos ensina dar um passo audaz no caminho da aproximação para uma inclusão total dos que são excluídos, os chamados sobrantes: envolver-nos. Não é somente gerar uma experiência de que todos fomos primereados [5] por Deus, mas, sobretudo, acompanhar as alegrias e as dores. A comunidade de fé é um primeiro seguro de fazer com que todos sejam parte de um mesmo povo.
Em vistas de uma economia integral para a Inclusão
Aqui estamos frente ao tema crucial para a inclusão total da humanidade – compreender que somos todos parte de um mesmo sistema e somos chamados a fazer parte deste projeto que Deus tem para conosco. O Papa Francisco nos escreve em Laudato Si: “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum” [6].
Pensar na ideia de uma ecologia e economia integral global é a caminho que Francisco nos propõe para sarar a ferida da exclusão social e dos sobrantes.
*Contribuição do Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt
Referências
[1] CABRERA. Cárcel y exclusión, 2002, p.83.
[2] Documento Final da V Conferência do CELAM, 2007, nº65.
[3] NUÑEZ, César Carbullanca. O governo dos pobres – Reflexões sobre os marginalizados do sistema produtivo e social chileno. Estudos de religião, 2010, Vol.24(39), p.33
[4] FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 2013, nº53
[5] Em sua primeira exortação apostólica Evangelium gaudium (2013), o Papa Francisco introduz o verbo “primerear”, que ele usa para significar “tomar a iniciativa”, “adiantar-se”, na tarefa evangelizadora e apostólica que nos toca a todos desempenhar no mundo. Este verbo é um neologismo, ou seja, uma palavra nova que o Papa criou a partir da união do substantivo primeiro, com o sufixo -ear.
[6] FRANCISCO. Encíclica Laudato Si, 2015, nº13.