Que reflexões podemos levar para nossa vida?
Caroline Moraes de Freitas – Neste dia 15 de novembro celebramos o IV Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco há 4 anos por ocasião do fim do Ano da Misericórdia, definido para o penúltimo domingo do ano litúrgico. Esse ano tem como lema «Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32).
É interessante pensar quantas reflexões podemos ter para este dia, começando pelas nossas pobrezas e misérias, as pobrezas e misérias do próximo, também como lidamos com as pobrezas e misérias da sociedade.
Quem é o pobre na sociedade?
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), “a pobreza envolve mais do que a falta de recursos e de rendimento que garantam meios de subsistência sustentáveis. A pobreza manifesta-se através da fome e da má nutrição, do acesso limitado à educação e a outros serviços básicos, à discriminação e à exclusão social, bem como à falta de participação na tomada de decisões” [1].
Encontrar uma pessoa em situação de pobreza nos permite pensar, questionar e refletir: como podem algumas pessoas viverem assim? O que posso fazer para diminuir ou acabar com a desigualdade, com a exclusão dessas pessoas e dar-lhes um sinal de esperança? O Papa Francisco nos dá uma direção: a Cultura do Encontro. Não só conhecer, mas procurar ouvir as pessoas, estar com elas, não apenas para lamentar, mas se deixar levar pela compaixão às que são mais vulneráveis. Dizer-lhes “não chorem” e dar-lhes “pelo menos uma gota de vida” [2].
Neste ano em que vivemos uma situação de pandemia, acredito que boa parte das pessoas se sentiram mais vulneráveis e mais pobres em alguns momentos, devido à sensação de restrição de recursos, limitação, perda de emprego, dificuldade no acesso a serviços de saúde, dentre outros. Mas talvez, tudo o que sentimos e vivenciamos na pele não chega aos pés do que sentem as pessoas que vivem essas situações constantemente em todo o mundo. O coronavírus trouxe uma realidade que é preciso considerar e que nos preocupa: agravou-se ainda mais a situação de precariedade e vulnerabilidade de muitas pessoas. O que já era precário e escasso ficou ainda mais, e tende a piorar no ano de 2021 quando acabar o auxílio emergencial que o Governo disponibilizou para as famílias, visto que muitas pessoas nem conseguiram ter acesso a esse auxílio.
É difícil pensar que Jesus está na pessoa que passa fome, mas além de estar nestes, Ele está também em nós e em tantas pessoas que estendem suas mãos e saciam suas fomes, suas necessidades…
Pelas experiências dentro de um Projeto Social há 6 anos, que assiste e trabalha com famílias em situações de vulnerabilidade, vi o quanto é necessário mudar nossa visão e os nossos pré-conceitos em relação aos pobres. É necessário mudar a forma que a sociedade os vê. São famílias, são pessoas, são crianças, são idosos e, acima de tudo, são seres humanos e amados por Deus como nós. A classe social não tira de cada um a sua dignidade interior, os seus valores, as suas raízes, os seus sonhos e suas lutas. A partir do momento em que olhamos para cada um desses pequeninos do Reino de Deus dessa forma, a transformação da sociedade e a desigualdade começam a mudar.
Muitas vezes não somos capazes mesmo de compreender e aceitar o porquê de muitas famílias viverem da forma que vivem; julgamos o comodismo, a falta de disposição em querer mudanças em suas vidas e como aceitam viver nas condições a que são expostas. Só podemos mudar um pouco essa visão quando passamos a escutá-las, conhecendo suas realidades, estando por perto, colocando-se no lugar delas e entendendo que a forma como fomos criados, educados e as oportunidades que tivemos em nossas vidas são diferentes das que eles têm. As dificuldades e as forças contrárias que os impedem de crescer, de se sustentarem, de buscarem melhorias, de correrem atrás dos seus sonhos e de novas oportunidades são imensas e seria capaz de mencionar inúmeros exemplos aqui.
• O pobre precisa ser visto e visto além de suas vestes e precariedades, ele quer visto como ser humano;
• O pobre precisa ser amado, e amado por quem é e não menosprezado pelo que não tem;
• O pobre precisa ser lembrado, e não lembrado somente em épocas que ficamos mais sensíveis, mas merece e precisa ser lembrado em todos os dias do ano;
• O pobre precisa ser reconhecido, e não só reconhecido e denominado como carente e pobre, mas como pertencente a uma sociedade, chamado por seus nomes, reconhecido por seus dons e talentos;
• O pobre precisa ser ajudado, e não somente com ajudas materiais, alimentos e etc, mas ajudado também em suas necessidades espirituais, emocionais, ter uma mão amiga que o levante, alguém que o inspire, que dê força para caminhar, que o estimule a crescer, que o capacite para sair da vulnerabilidade;
• O pobre precisa ser ouvido, e ter a sua voz valorizada;
• O pobre precisa de uma política pública que o tire da margem e o traga para dentro da sociedade, que dê a eles acesso a todos os serviços;
A ajuda ao próximo deve ser livre, desprendida. Muitos ajudam para que o seu ego seja saciado, para que sua consciência fique tranquila ou para que a ação faça bem à própria pessoa, como um fim em si mesma. Como cristãos e schoenstattianos, devemos ir além: ajudar por amor, ajudar por compaixão, ajudar por misericórdia, ajudar por irmandade, ajudar porque vemos Cristo em cada um. Amo cada ser humano porque Jesus habita nele. Amar como Jesus amou é amar os pobres, os mais excluídos. Será que sou capaz de viver e dar esse amor?
O clamor dos pobres, que muitas vezes não é ouvido e considerado, deve encontrar eco no coração dos cristãos que, por sua vez, devem ser o apoio, a defesa, a esperança e a voz dos mais necessitados. Para viver algumas formas dignas de ser “Igreja em saída” e “Schoenstatt em saída” é preciso buscar viver o amor verdadeiro e ir ao encontro dos excluídos, colocar-se no lugar do outro, despir-se da hipocrisia, quebrar barreiras e muros, sair do seu mundo e conhecer a realidade alheia, sem preconceitos e julgamentos, aprender com as teorias, reuniões, orações e livros mas reconhecer que na prática é que se vive a solidariedade e a compaixão. Buscamos a Deus de tantas formas para nos dirigir, nos dar força e proteção, mas por vezes nos esquecemos que Ele está lá, nos pobres. Peçamos a Jesus diariamente a graça de ter um amor preferencial pelos pobres.
Por providência, neste ano, o Dia Mundial dos Pobres será celebrado no mesmo dia das eleições municipais. E o que nós cristãos podemos considerar? É preciso votar conscientemente, votar com responsabilidade e, acima de tudo, votar em pessoas que tenham também um olhar para os mais necessitados, que possam dar voz e vez a esses, que lutem por seus direitos, que não sejam de falsas promessas, mas verdadeiramente compromissados com o povo.
Para concluir, lembro, dentre tantas experiências, de um caso muito interessante que vivemos esses dias: Fomos entregar uma cesta básica para uma família e levamos também uma TV que ganhamos de doação, pois eles estavam sem. Uma família simples, vivendo uma situação de vulnerabilidade, com dois filhos, sendo que o filho mais velho estava com um problema grave de saúde. Ao chegarmos com a TV, a filha disse: “Nossa, meu irmão estava orando esses dias para conseguirmos ganhar uma TV pra gente assistir e agora a oração dele foi ouvida”. E também somos chamados de “anjos” pelas pessoas que não sabem o que dar de comer aos filhos e aparecemos com uma simples cesta básica. Muitas vezes somos a esperança e a oração de alguém, onde Deus nos usa como instrumentos para levar dignidade, alegria e auxílio aos necessitados.
Maria, a mãe dos pobres, conhece as necessidades do seu povo, o sofrimento dos seus filhos e não desampara ninguém que recorre ao seu auxílio materno. Que sejamos os pés e as mãos de Cristo e de Maria que vai ao encontro dos que mais sofrem, com um amor preferencial pelos que o próprio Deus ama, ajudá-los em suas necessidades e sendo sinal de luz e esperança, conduzindo todos também ao coração do Pai.
“Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma” (Papa Francisco Mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres, 19 de novembro de 2017) [3]
Referências
[1] https://unric.org/pt/eliminar-a-pobreza/
[2] Trecho relacionado à Meditação Matutina do Papa Francisco, na Santa Missa celebrada na Capela da Casa Santa Marta, terça-feira, 13 de setembro de 2016: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/cotidie/2016/documents/papa-francesco-cotidie_20160913_cultura-do-encontro.html
[3] http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/poveri/documents/papa-francesco_20170613_messaggio-i-giornatamondiale-poveri-2017.html