Quem poderia ouvir sem comoção a história mais triste do mundo?
Uma nobre e santa senhora tinha um único filho, o mais amável que se possa imaginar. Era inocente, virtuoso e belo. Nele, por isso, a mãe tinha posto todo o seu amor. Ora, que aconteceu? Pela inveja de seus inimigos, foi esse filho acusado injustamente. O juiz reconheceu, é verdade, a inocência do acusado e proclamou-a publicamente. Mas, para não desgostar os acusadores, condenou-o a uma morte infame, como lhe haviam pedido. E a pobre mãe, para seu maior sofrimento, teve de ver como aquele tão amante e amado filho lhe era barbaramente arrancado, na flor dos anos. Fizeram-no morrer diante de seus olhos maternos, à força de torturas e esvaído em sangue num patíbulo infamante.
Já sabeis de quem estou falando? Esse Filho, tão cruelmente supliciado, foi Jesus, nosso amoroso Redentor. E essa Mãe foi a BemAventurada Virgem Maria, que por nosso amor se resignou a vê-lo sacrificado à justiça divina pela crueldade dos homens.
Jesus é chamado Rei das dores e Rei dos Mártires, porque em sua vida mortal padeceu mais que todos os outros mártires. Assim também é Maria chamada com razão Rainha dos Mártires, visto ter suportado o maior martírio que se possa padecer depois das dores de seu Filho. Bem se lhe pode aplicar o texto do profeta Isaías: “Ele te há de coroar com uma coroa de amargura” (Is 22,18). A coroa, com a qual foi constituída Rainha dos Mártires, foi justamente sua dor tão acerba, que excedeu a de todos os mártires reunidos.
O maior martírio
Conforme uma sentença incontestada, para ser mártir é suficiente sofrer uma dor capaz de levar à morte, ainda que em realidade não se venha a morrer. São João Evangelista é reverenciado como mártir, não tenha embora morrido na caldeira de azeite fervendo, senão haja saído 2 dela mais robustecido. Para a glória do martírio, segundo Tomás, basta que uma pessoa leve a obediência a ponto de oferecer-se à morte. Maria, no sentir do Abade Oger, foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas sim pela acerba dor de sua alma. Se não lhe foi o corpo dilacerado pelos golpes do algoz, foi seu imaculado coração trespassado pela paixão de seu Filho (cf. Lc 2, 35). E essa dor foi suficiente para dar-lhe não uma, porém mil mortes. Vemos por aí que Maria não só foi verdadeiramente mártir, mas que seu martírio excedeu a todos os outros por sua duração. Pois que foi sua vida, senão um longo e lento martírio?
O mais doloroso
Vejamos, contudo, as razões por que o martírio de Maria foi o mais doloroso que o de todos os mártires. Devemos refletir, em primeiro lugar, que estes sofreram em seus corpos por meio do fogo e do ferro, enquanto a Virgem padeceu o martírio na alma. Nesse sentido lhe dissera Simeão: “E uma espada trespassará a tua alma” (Lc 2, 35). O santo ancião queria dizer: “Ó Virgem sacrossanta, os outros mártires hão de ter o corpo ferido pela espada, porém vós tereis a alma trespassada e dilacerada pela paixão de vosso Filho”. Ora, quanto a alma é mais nobre que o corpo, tanto a dor de Maria foi superior à de todos os mártires.
A segunda razão é porque os mártires sofreram imolando a própria vida, enquanto Maria sofreu oferecendo a vida de seu Filho. Como ensina Santo Antonino, Maria amava a vida do Filho muito mais que a própria vida. Seu coração afligiu-se mais presenciando os tormentos do Filho, do que se ela própria os tivesse sofrido em si. Sem dúvida alguma, a Virgem padeceu em seu coração todos os suplícios com que viu atormentado o seu amado Jesus. Sabem todos que as dores dos filhos são também dores das mães que os vêem sofrer. Pois não está a alma humana mais com aquilo que ama, do que com aquilo que anima? E não afirmou o próprio Salvador: “Onde está o vosso tesouro, aí estará o vosso coração” (Lc 12, 34)? Assim, pois, 3 Maria, se pelo amor vivia mais no Filho do que em si mesma, ao vê-lo morrer tinha de suportar dores incomparavelmente mais acerbas, do que se a fizessem sofrer a morte mais cruel do mundo.
A medida do amor define o tamanho da dor
Há ainda uma circunstância a mostrar-nos como o martírio de Maria excedeu incomparavelmente ao dos mártires todos. Não só ela sofreu dores indizíveis, como também as sofreu sem alívio algum, na paixão de seu Filho. Padeciam os mártires os tormentos a que os condenavam maus tiranos, porém o amor de Jesus lhes tornava as dores amáveis e suaves. Quanto mais os santos mártires amavam a Jesus, menos sentiam os tormentos e a morte. Bastava-lhes a lembrança dos sofrimentos de um Deus crucificado para consolá-los. Podia, porém, nossa Mãe dolorosa achar consolo no amor a seu Filho e na lembrança de seus sofrimentos? Não, pois justamente esse padecimento era todo o motivo de sua maior dor. Todo o martírio de Maria consistiu em vê- lo, amado e inocente, sofrer tanto, e em compadecer-se de suas dores. Tanto mais acerba e sem alívio lhe era a dor, quanto mais o amava. “Grande como o mar é a tua dor e quem te curará?” (Lam 2, 13). Cada um com o instrumento de seu martírio, representam-se os mártires: São Paulo, com a espada; Santo André, com a cruz; São Lourenço, com a grelha. No entanto, Maria é representada com o Filho morto, nos braços. Só Jesus foi o instrumento de seu martírio, por causa do amor que lhe consagrava. O Filho que lhe podia dar consolo era a causa única de seu penar, e o amor que lhe tinha constituía todo o seu martírio. Ricardo de São Vítor reduz tudo isso à concisa sentença: Nos mártires o amor era um consolo nos sofrimentos, em Maria, pelo contrário, cresciam as penas e o martírio na proporção de seu amor.
Vede se há dor semelhante a minha
É certo que, quanto mais se ama uma pessoa, tanto mais se sente a pena de perdê-la. A morte de um irmão, de um filho, aflige mais, certamente, que a de um amigo. Cornélio a Lápide diz, por isso: Para medir a dor de Maria pela morte do Filho, é preciso ponderar a grandeza do amor que lhe devotava. Mas quem poderá medi-lo? Era 4 duplo o amor de Jesus no coração de Maria, observa o beato Amadeu: um sobrenatural, com que o amava como a seu Deus, e natural o outro, com que o estremecia como Filho. Esse duplo amor reuniu-se num só, imenso e incalculável amor, a ponto de Guilherme de Paris ousar dizer: Tanto era o amor da Santíssima Virgem a Jesus, que uma pura criatura não seria capaz de amá-lo mais. Imenso era o amor da Senhora a seu Filho e também incalculável devia ser a sua pena ao perdê-lo, observa Santo Alberto Magno. “Ó vós todos que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à minha dor” (Lam 1, 12).
(texto condensado a partir de Glórias de Maria, de Santo Afonso de Ligório, pp. 356-370 – edição de 1989, Editora Santuário)
OREMOS
Ó Deus, quando o vosso Filho foi exaltado,
quisestes que sua Mãe estivesse de pé junto à cruz,
sofrendo com Ele.
Dai à vossa Igreja,
unida a Maria na paixão de Cristo,
participar da ressurreição do Senhor,
que convosco vive e reina,
na unidade do Espírito Santo.
Amém.
1 comentário