2021 pede um olhar significativo ao país
Guilherme e Ana Paula Paiva – No dia 25 de julho de 2013, no ínterim da realização da Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco visitou a comunidade de Varginha, no complexo de favelas do Manguinhos, Rio de Janeiro. A escolha não foi aleatória: nosso querido Papa queria se encontrar com uma comunidade com pouca visibilidade ante os poderes públicos constituídos, por isso mais marginalizada e necessitada de atenção e carinho. E, de maneira bastante acertada, quis ir sozinho, ou seja, sem a companhia de políticos, evitando assim qualquer consideração populista, partidária ou demagógica em um ambiente social, já à época, marcado pela insatisfação com a falta de organização de serviços públicos e auxílios prestacionais às populações mais carentes.
Lá, ele tratou de temas de justiça social, solidariedade e a boa vontade que movem a alma dos brasileiros, que tão bem o acolheram, e da vontade que sentia em adentrar cada casa para “tomar um cafezinho (não cachaça!)”. Realmente, somos um povo marcadamente afetivo à realidade do outro, que nos comovemos e nos solidarizamos. É fácil captarmos o sofrimento alheio. Também por isso nosso Pai e Fundador, Pe. José Kentenich, dizia que a salvação da Europa passa pela América Latina. Acolhemos e temos uma expressão de fé autêntica, que não se envergonha de sentir e amar.
O Papa nos convida a enxergarmos a solidariedade como uma qualidade que nos move em direção ao outro. Não como um “palavrão”, cuja temeridade da expressão leva à paralisia, mas como germe de uma nova sociedade, que vence o individualismo que penetra em nossas vidas sob a égide da “modernidade”.
Claramente carente, a comunidade de Varginha, que foi “preparada” para a visita do Papa Francisco com reforma em bueiros, calçadas, ruas esburacadas e coleta de lixo (tudo nada cotidiano para aquela comunidade), esperava, a partir desse momento, uma maior atenção por parte do governo do Rio de Janeiro. Sim, ainda temos muitos problemas sociais (que acarretam problemas econômicos e políticos) a resolver. E não, não nos é possível esperar a implementação, pelo Estado (embora obrigado), de tudo aquilo que necessitamos. O tempo urge e as pessoas têm fome.
O que fazer então?
Pe. Kentenich, enquanto recluso no campo de concentração de Dachau, coroou Maria como “Rainha do Pão”, na ocasião em que se privavam aos prisioneiros os mínimos elementos garantidores de vida. Também nos presentou com os mais belos elementos da Carta Branca, lembrando-nos da solidariedade de destinos que devemos ter para com o outro. Ao mesmo tempo em que nos pedia para conquistar nossa liberdade interior como Família, que o daria uma liberdade exterior do campo de concentração, pediu que nos responsabilizássemos pelo outro, como se os destinos de nossos irmãos fossem perpassados pelo nosso. Certamente nosso Pai e Fundador e o Papa Francisco seriam grandes amigos.
Nosso estado de vida e nossa vocação devem ser encarados como uma “cultura de encontro” ao outro. Uma saída de nós mesmos que, por meio da nossa profissão, nosso modo de vida, escolhas familiares, relacionamentos e atitudes concretas, busca a diminuição das desigualdades sociais e econômicas, sempre tendo a inclusão como princípio norteador. Devemos ser protagonistas de uma nova realidade social, seja por meio de pressões populares (não violentas) ao Poder Público, seja por meio de ações sociais concretas que visam diminuir o sofrimento dos menos favorecidos. Algo que ultrapassa a barreira dos bons discursos e realmente divide para multiplicar. Ainda que só tenhamos um pouco de água no feijão para colocar. Nada é pouco aos olhos de Deus, sobretudo quando permeado pelo amor como escolha.
Somos chamados a partilhar e nos comprometer com os rumos tomados pelo nosso país e pela humanidade. Quase oito anos depois, a visita do Papa Francisco foi e permanece, claramente, uma opção por uma Igreja mais pobre, que parte de uma nova expressão de cultura (também anunciada por nosso Fundador como luta contra a massificação e mecanização do mundo) para alcançar os mais necessitados, incluindo os de amor, respeito e dignidade. Não há nada mais belo do que possibilitar, ao outro, voz e participação, dignidade de compreender, ele mesmo, o sentido do próprio valor pessoal para o reino de Deus e lhe conferir instrumentos para, dignamente, buscar sua felicidade e de sua família (poderíamos dizer que João Luiz Pozzobon percebeu claramente essa motivação ao criar a Vila nobre da Caridade).
Sigamos. Afinal, “… se pode colocar mais água no feijão?” Sempre.
Fonte: Revista Tabor
“Não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais! Não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que frequentemente regula a nossa sociedade, aquela que constrói e conduz a um mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade; ver no outro, não um concorrente ou um número, mas um irmão. Quero encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria. Nenhum esforço de “pacificação” será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma; antes, perde algo de essencial para si mesma. Lembremo-nos sempre: somente quando se é capaz de compartilhar é que se enriquece de verdade; tudo aquilo que se compartilha se multiplica! A medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais necessitados, quem não tem outra coisa senão a sua pobreza!”
Papa Francisco, 25/07/2013,
Varginha, Rio de Janeiro