Reflexão do Pe. José Kentenich sobre o evangelho deste domingo:
O santo do dia a dia […] cuida que sua comunhão de vida com Cristo amadureça e atue como uma íntima comunhão de amor. Porém, para criar um firme fundamento para sua luta e sua aspiração, gosta de ler na Sagrada Escritura as parábolas profundas da videira e dos ramos e da cabeça e dos membros. Trata-se aqui de grandes mistérios que não podem absolutamente ser definidos em todas as suas particularidades com conceitos claros. Por isso Jesus e seu apóstolo Paulo falam em parábolas, que melhor exprimem o claro-escuro do mistério.
Jesus escolheu um momento solene para apresentar a parábola. Os apóstolos tinham acabado de receber a primeira comunhão (na Última Ceia) e ouviam extasiados as palavras de despedida de seu Mestre, pouco antes de sua partida para a morte. Não teriam eles sido capazes de captar antes a grande mensagem? Estariam agora suficientemente preparados?
Jesus diz: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor… Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo se não estiver unido à videira, assim vós também, se não permanecerdes em mim… Quem permanece em mim e eu nele, produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora como o ramo. Ele secará… Nisto é glorificado o meu Pai, que produzais muito fruto…” (Jo 15, 1-8).
Uma reflexão tranquila descobre nas palavras de Jesus um núcleo da parábola, os membros da parábola e as consequências da parábola.
O núcleo – O núcleo da parábola é aquilo que Jesus quer dizer aos que estavam tristes, no momento em que se despede dos apóstolos para voltar ao Pai, do qual Ele saíra. E isto é a comunhão mística e orgânica de vida entre Ele e os seus, de modo semelhante à união entre a videira e os ramos, união que permanecerá também quando Ele se for.
Os membros – Os membros da parábola são Jesus e nós. Ele, o verdadeiro Deus, o Filho eterno na essência igual ao Pai eterno, e que por nós, homens, se fez homem no tempo. E nós, batizados, seus remidos, constituímos com Ele uma comunhão de vida.
Consequências – Como esta comunhão de vida é importante para Jesus, pode-se perceber pelas consequências da parábola que Ele próprio tira. Quem não estiver unido a Ele, não será fecundo; daí as palavras: “Como o ramo não pode produzir fruto por si mesmo se não estiver unido à videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim… Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,4s.).
E mais ainda: a alma seca e é lançada ao fogo do inferno. “Se alguém não permanecer em mim, como o ramo será lançado fora. Ele secará e hão de juntá-lo e lançá-lo ao fogo e queimar-se-á” (Jo 15,6). “O ramo que não der fruto em mim Ele (o Pai) o cortará” (Jo 15,2).
Mas o que permanece unido a Jesus, “produz muito fruto” (Jo 15,5). O Pai lhe envia cruz e sofrimento, Ele “poda” o ramo “para que produza ainda mais fruto” (Jo 15,2).
Estamos diante de uma parábola que não podemos penetrar
Os teólogos refletem com vagar sobre esta parábola e procuram investigar como se pode entender a comunhão de vida com Cristo de que aqui se fala. Seria apenas uma união moral, como a que existe entre duas pessoas que se amam? Para muitos isso é pouco. Mas, uma união física no sentido de uma real fusão do ser, também não é possível. Isso é demais. Pois, nesse caso, não seríamos só semelhantes ao Homem-Deus, mas iguais a Ele. Assim, só resta uma conclusão: estamos diante de uma parábola em que não podemos penetrar.
O mistério torna-se ainda mais impenetrável quando ouvimos da boca de Jesus as palavras: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne, viverá por mim. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,55ss.).
E São Paulo diz de si mesmo com tranquila segurança: “Eu vivo, mas já não sou eu que vive, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). No mesmo espírito rezava também São Vicente Pallotti: “Seja aniquilada a minha vida, e a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo seja a minha. A vida de Jesus deve ser minha meditação, meu estudo… A oração de Cristo seja a minha oração, o ensinamento de Cristo o meu ensinamento, o amor de Cristo deve ser meu amor, o amor de Cristo por Maria deve ser meu amor por Ela”.
A partir daqui muitos trechos conhecidos da Sagrada Escritura talvez adquiram um sentido mais profundo. Quando Jesus chama Saulo a caminho para Damasco: “Por que me persegues?” (At 9,4) ou quando Ele, em outra ocasião, diz: “O que fizestes ao menor dos meus, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40), isto pode significar mais do que talvez: quero considerar e contar como se fosse feito a mim… Assim também, no cristianismo primitivo era usual a frase: “Viste teu irmão, viste Cristo”.
Esta concepção se aprofunda se frequentarmos a escola de São Paulo e nos introduzirmos na compreensão de sua alegoria predileta: da cabeça e dos membros. […]
A cabeça do Corpo Místico de Cristo é o próprio Homem-Deus. Como a cabeça tem a primazia no corpo, como é o ponto central de união e fonte viva de força, assim deve ser avaliada a posição e a atuação de Cristo em sua Igreja. Ele possui a primazia em relação a toda a criação. Ele é o Primogênito de toda a criatura e o modelo perfeito de todas as virtudes. Nele, “em Cristo Jesus”, constituímos uma unidade perfeita diante do Pai. Ele alimenta continuamente a cada um dos membros de seu Corpo Místico, com um novo alimento, principalmente pelos santos sacramentos.
Mas todo o corpo vivo necessita também de uma alma. Para a Igreja, essa alma é o Espírito Santo. […] O vínculo de união entre o Pai e o Filho é o Espírito Santo. Por isso Ele deve ter a mesma função na Igreja: deve ser sua alma. O que a alma é para o corpo natural, é o Espírito Santo para o Corpo Místico de Cristo. […]
Os membros do Corpo Místico de Cristo somos nós, os batizados. São Paulo o afirma com muita clareza: “Todos fomos batizados num só Espírito, judeus e pagãos, escravos e livres para formar um só corpo; todos bebemos de um só Espírito” (ICor 12,13). Todos os membros constituem um todo, todos têm tudo em comum. “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele, se um membro é honrado, todos se alegram com ele” (ICor 12, 26). Todo o corpo aproveita da riqueza de um membro e, ao contrário, um membro doente, defeituoso, prejudica os demais. Este pensamento gera uma radicalidade imprevisível na responsabilidade de uns pelos outros.
Pe. José Kentenich, em Estudo sobre a “Santidade de Todos os Dias”, 1937. Livro: Cristo Minha Vida