Por que o campo de concentração foi um “divisor de águas” e o que mudou?
Pe. Antonio Bracht – O dia 20 de maio é uma data significativa na vida do Fundador e da sua Obra. Nesse dia, no ano de 1945, o Fundador chegava a Schoenstatt, de volta do campo de concentração de Dachau.
Na atuação do Fundador, Pe. José Kentenich, existem muitas diferenças entre o tempo antes de Dachau e o tempo depois de Dachau. Isso levanta a questão do porquê dessa diferença.
Para compreendermos o “pré” e o “pós” Dachau, na vida de nosso Fundador, temos que nos perguntar primeiro: Por que sua prisão é um divisor de águas?
É um divisor de águas não pelos sofrimentos na vida do Fundador e na vida dos membros do Movimento. Também não é um divisor de águas pelo fato de ele ter estado na prisão, sem poder atuar – embora tenha atuado bastante a partir do Campo de Concentração. O divisor de águas se dá pela condução divina na vida do Pe. Kentenich e, portanto, na vida de toda a sua Família.
Em que consiste essa condução? Deus o leva a entender que, agora, ele tem que dar um passo interior de entrega total – como o Bom Pastor deu a vida por suas ovelhas, ele deve dar a vida por sua Família. E não só isso! A condução divina consiste no fato de que ele, realmente, deu esse passo interior. Ele abriu mão da ajuda humana, para evitar o aprisionamento e, por isso, foi conduzido ao Campo de Concentração.
Pe. Kentenich deu esse passo interior apoiado em duas realidades. A primeira delas é a realidade do mundo sobrenatural, da Aliança de Amor, baseado na experiência de Deus, que ele tinha feito até então. A segunda, é a solidariedade de destinos. Ele entendia que a experiência de Deus era de tal índole que ele precisava e podia contar com a solidariedade daqueles que Deus lhe tinha confiado e que eles deviam, juntos, caminhar e crescer – esse é o divisor de águas.
Até aí ele já vivia, de alguma maneira, uma grande unidade com os seus – com as Irmãs, os Padres Diocesanos que colaboravam na Obra, as Uniões que existiam… – mas, agora, essa solidariedade se manifesta de uma forma radical. A liberdade dele passa a depender da entrega livre da Família. Ele será libertado quando a Família der esse passo interior que ele deu. Esse é o divisor de águas na vida do Pe. Kentenich.
Quais são então os contrastes pré e pós Dachau?
Vamos ver isso baseado em alguns aspectos mais relevantes:
1. A atitude do Pe. Kentenich
Antes de Dachau, Pe. Kentenich é, sobretudo, um educador. Nos traços de sua personalidade, vemos um educador bastante firme e com ideias muito claras. Mas, também, é um educador que exerce a paternidade: diferentes pessoas têm, junto dele, a experiência de um relacionamento muito próximo e muito carinhoso.
Depois de Dachau, o acento muda. Agora ele tem a percepção de que essa experiência paternal vai além da boa formação pedagógica. Ele percebe que sua posição como Pai, seu relacionamento com as pessoas que lhe são confiadas, tem um valor em si. E ele entende que Deus quer que ele assuma esse papel e essa posição diante da Família. Por meio disso, aquelas pessoas todas que tiveram sua experiência pessoal, vão percebendo que muitos outros têm a mesma experiência e, portanto, todos são uma Família, já que têm esse pai em comum.
Esse acento novo soa, para algumas pessoas, como uma tremenda pretensão do Pe. Kentenich. Já a partir daí, vários de seus colaboradores se distanciam e acham que alguma coisa aconteceu na vida dele, que o deixou sumamente pretencioso, orgulhoso, autocentrado. Outros, ao contrário, encontram nesse acento paternal a confirmação de tudo o que já haviam experimentado antes de Dachau.
2. As atividades que ele exerce antes e depois
As atividades pré-Dachau se caracterizam pela dedicação do Pe. Kentenich a algumas comunidades. Ele tinha fundado a comunidade das Irmãs e se dedicava com bastante intensidade a elas, já que era um modelo novo de vida na Igreja. Uma segunda linha de atividades eram seus cursos e retiros. Ele, com um grupo de colaboradores, recebia muitas pessoas para cursos pedagógicos e retiros, na Casa da Aliança. Um terceiro tipo de atividade era o acompanhamento pessoal. Nesses cursos e nas comunidades fundadas, Pe. Kentenich acompanhou muitas pessoas na busca por seu ideal de vida. Visitava sacerdotes. Dedicava-se até altas horas da noite no atendimento a pessoas.
Depois, quando saiu de Dachau, ele não voltou a essas atividades nessa mesma intensidade, como fazia antes, ou no mesmo formato. Ele continua atendendo as pessoas, dando retiros, cursos, trabalhando com as Irmãs – e com outras comunidades que vão surgindo. Ele dá um impulso para as comunidades que estavam “paradas”, que tinham sofrido muito, no período em que não podiam atuar. E iniciou, nesse período, o que hoje nós chamamos de “Congresso de Outubro” – isso não existia antes de Dachau. As atividades foram recebendo outro acento no pós-Dachau, principalmente porque ele começou a expandir seu trabalho para o exterior. Ele enviou Irmãs para determinados países, em missão, antes da guerra e agora ele começa a visitar esses países, para consolidar essa fundação fora da Alemanha. Nesta atividade o santuário tem, no entendimento do Pe. Kentenich, um papel importante. Durante a guerra, surge o Santuário Filial e o fundador entende que ele tem uma importância estratégica.
3. O relacionamento com a Igreja antes e depois
O contato com a Igreja, antes de Dachau, se dá apenas local e setorialmente, de maneira informal. Até acontecer um primeiro contato oficial, com a inauguração da Casa da Aliança, presidida pelo Bispo Diocesano. Isso é valorizado e ressaltado, pelo Pe. Kentenich, especificamente como o primeiro contato oficial do Movimento com a Igreja hierárquica. Antes de Dachau, também aparecem as primeiras críticas ao Movimento, por determinadas expressões e ideias que pessoas de fora não compreendiam. É natural que, quando surgem coisas novas, tenham também expressões novas – era uma linguagem própria que estava surgindo. E havia preocupação, em alguns círculos de pessoas, de que essas expressões não fossem muito ortodoxas.
Como dito, Pe. Kentenich tinha muito contato com o clero, mas não era algo oficial. No pós-Dachau, ele vem com o propósito de, agora, levar Schoenstatt a uma inserção na Igreja: que a Igreja descubra que aqui Deus está lhe entregando uma riqueza, um caminho de evangelização comprovado em sua origem divina e em sua eficácia; e comprovado também em sua resistência para vencer situações tão críticas como uma guerra, um campo de concentração e uma prisão. Em base a essa experiência e à reflexão que o Pe. Kentenich faz sobre ela, entende que o Movimento precisa abrir-se à Igreja, a Igreja precisa encontrar Schoenstatt e captar o que Deus pretende com Schoenstatt.
Projeção missionária
O “pré” e o “pós” Dachau se definem pela ação da Providência Divina, por uma condução de Deus e não por uma ação humana. O Pe. Kentenich poderia ter agido de maneira bastante diversa, tanto antes como depois do campo de concentração, mas ele agiu dessa forma porque entendia que Deus o estava conduzindo a isso, sempre de novo abrindo portas para que ele pudesse dar passos e, sempre de novo, confirmando, com a “resultante criadora de vida”, aquilo que ele tinha iniciado, ainda com um certo cuidado.
Essa condução divina e essa força da Aliança de Amor são o que fazem a diferença e constituem o que ele depois chamou: o “eixo da história de Schoenstatt”. A resposta humana à condução de Deus alcança seu ponto mais alto e mais profundo na entrega total de vida e tem uma projeção missionária evangelizadora, que se atualiza em sempre novas “resultantes criadoras” e sempre de novo faz a diferença em nossas vidas e em nossa ação missionária.