“No momento em que disse seu Fiat, [Maria] contribuiu para nos gerar. Não gerou apenas a vida de Jesus individualmente; sendo ele a Cabeça de sua Igreja, gerou também a nós, membros de seu Corpo Místico” (Pe. José Kentenich) [1]
Pe. Marcelo Adriano Cervi – Depois que a Bíblia narra a presença de Maria aos pés da Cruz de Jesus (cf. Jo 19,25-27), não diz mais nada sobre Ela, até o momento em que A coloca, após a ascensão do Senhor aos céus, junto dos apóstolos que perseveram unânimes em oração (cf. At 1,14).
O que aconteceu nesses quarenta/cinquenta dias não nos é dado conhecer pelo testemunho bíblico, mas o contexto do primeiro capítulo dos Atos nos deixa ver que ela ficou com os apóstolos e ficou em Jerusalém, onde recebeu o Espírito Santo em Pentecostes, juntamente com todos os que estavam reunidos no Cenáculo (cf. At 2,1s). Assim, o Espírito, que na hora da Anunciação tinha vindo sobre Maria com a sua sombra (cf. Lc 1,35), veio novamente sobre Ela e a uniu ainda mais intimamente ao Filho (cf. LG 59) remarcando o seu lugar de Mãe da Igreja.
De fato, Maria – inseparável de Cristo e inseparável da Igreja que nascia com os apóstolos – é chamada de Mãe da Igreja porque, pela ação do Espírito, tornou-se Mãe de Cristo (Cabeça do seu corpo que é Igreja cf. Cl 1,18) e, logicamente, Mãe de cada membro desse corpo (cf. 1Cor 12,27), como testemunha o Concílio Vaticano II (cf. LG 53) citando Santo Agostinho, para o qual Maria é «verdadeiramente mãe dos membros de Cristo… porque cooperou pela caridade para que na Igreja nascessem os fiéis, que são os membros dessa Cabeça» (cf. De S. Virginitate 6; PL 40, 399).
É por conta da íntima ligação entre Maria, a Igreja e o Espírito Santo, que a memória litúrgica de “Maria Mãe da Igreja” foi fixada pelo Papa Francisco para a segunda-feira depois de Pentecostes (neste ano, no dia 24 de maio). A cena bíblica de At 2, que mostra a Igreja repleta da força do Espírito, testemunhando o Senhor Ressuscitado com coragem em meio a todas as nações, representadas pelos estrangeiros presentes em Jerusalém, é a moldura para a imagem de Maria rodeada dos apóstolos e discípulos que se vê tocada pelo vendaval impetuoso e pelas línguas de fogo que apareceram.
Para a nossa vida concreta, essa festa tem dois significados muito fortes.
Primeiro nos mostra que quem é de Cristo não pode não fazer parte da Igreja, que é assistida pela força do Espírito e conta com a presença materna e intercessora de Maria. Uma mensagem clara para aqueles batizados – cujo número infelizmente cresce – que dizem não precisar da Igreja para serem cristãos e insistem em querer unir-se à Cabeça, mas não ao Corpo do Senhor. São os “desigrejados” que, não superando pelo amor e pelo perdão as suas diferenças e decepções com os outros membros do Corpo, se iludem achando que podem desligar-se deles para permanecer unidos unicamente à Cabeça. Que ilógico! Ninguém no Corpo de Cristo pode fazer a falta de permanecer na comunhão, como nos lembra São Paulo: «há muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: “não preciso de ti”; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés: “não preciso de vós!” (cf. 1Cor 12,20-21).
Depois, esta festa nos ajuda a ver que estar com a Igreja é estar com Maria, modelo de perseverança e de missão. Ela – Mãe da Cabeça e Mãe dos membros do Corpo de Cristo que é a Igreja – esteve sempre unida a Jesus e aos discípulos e ainda permanece unida, assistindo-nos carinhosamente como Mãe. Nela encontramos inspiração, modelo e intercessão, principalmente para cumprir a primeira e insubstituível missão de evangelizar dando testemunho de Jesus. Nosso mundo precisa de evangelizadores para dar sentido aos graves problemas pelos quais estamos passando. A pandemia mexeu com muita gente e sabemos que nada mais será como antes. Há muita dor a superar, situações a reconstruir, sentidos a encontrar. Muitos irmãos e irmãs estão desanimados e tentados a não continuar na Igreja. Maria, perseverante na dor e no amor, nos ensina a perseverar e nos incentiva a sair anunciando, porque quem ama e aceita a Ela, cheia do Espírito como peregrina e missionária, não pode fazer menos que imitá-la, peregrinando, com a força desse mesmo Espírito, de casa em casa e missionando de coração a coração para levar a pessoa de Jesus.
Pe. Marcelo Cervi
Doutorando em Eclesiologia na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma)
Reitor do Santuário “Matri Ecclesiae” (Mãe da Igreja) e do Centro Internacional de Schoenstatt de Belmonte – Roma
[1] Maria, Mãe e Educadora – Uma Mariologia Aplicada. Primeiro Sermão – Acreditamos na tarefa maternal de Maria. Sociedade Mãe e Rainha, Santa Maria/RS, 2017. 2ª edição brasileira