A imagem da Igreja segundo o Pe. Kentenich
Dom Ignazio Sanna – Gostaria de apresentar os fundamentos da espiritualidade de Schoenstatt a partir da frase escrita sobre o túmulo do Pe. José Kentenich e que foi usada por São Paulo VI para descrever a personalidade do Fundador da família de Schoenstatt. Nas três palavras “amar a Igreja hoje” encontro refletida a mensagem espiritual e o carisma profético de Schoenstatt.
1. Dilexit
A primeira palavra que levo em consideração é “amar” e me pergunto como, concretamente, o Pe. Kentenich manifestou o seu amor pela Igreja. A resposta é: colocando a si mesmo e a sua Obra a serviço da renovação da Igreja, na fidelidade à tradição da norma: “Ecclesia semper reformanda”. As duas audiências, com o Papa Pio XII em 1947 e com o Papa Paulo VI em 1965, testemunham o seu empenho e sua fidelidade. Na audiência com Pio XII, logo após a proclamação da Constituição Apostólica “Provida Mater Ecclesiae” sobre os Institutos Seculares, o Pe. Kentenich prometeu a sua colaboração para que as novas instituições eclesiais colaborassem para a renovação da Igreja, como fizeram as grandes Ordens Religiosas e os Movimentos de Reforma na história da Igreja. Na audiência com Paulo VI, imediatamente após o encerramento do Concílio, prometeu colocar a sua Obra a serviço da renovação conciliar.
Como fruto dessa renovação, ele imaginou uma Igreja na nova margem da história, fonte de uma nova humanidade: “Die Kirche am neuen Ufer”. Já em 1961 ele escrevera: “Há um processo irreversível que tende à secularização e ao pluralismo. A carruagem da história não voltará atrás. Não faz absolutamente nenhum sentido fazer da situação medieval a norma de vida e ação. Qualquer processo regressivo negativo será radicalmente superado a partir de uma tendência de perspectiva, caso contrário desintegraremos nossas forças, lutaremos por uma utopia e entregaremos o campo de batalha do presente e do futuro às forças inimigas, sem qualquer oposição”. Portanto, o método a ser seguido para a renovação não é aquele de olhar em retrospecto, olhando para trás para recuperar a época áurea do passado, segundo a mentalidade da mitologia grega e latina. O cristão vive da promessa, que mudou a história do mundo em história de salvação e coloca a meta nas margens da eternidade. Disse Santo Inácio de Antioquia: “Quando terei chegado lá em cima, serei o que sou”.
2. Ecclesiam
A segunda palavra que levo em consideração é “a Igreja” perguntando-me como seria a Igreja na nova margem da história. Encontro a sua descrição em algumas características que foram descritas na conferência de 8 de dezembro de 1965, por ocasião da colocação simbólica da pedra fundamental do Santuário “Matri Ecclesiae”, em Roma:
“Uma Igreja dinâmica”, representada pela imagem da barca: “Com o objetivo de explicar um pouco mais o pensamento que resumimos de forma esquemática, lembramos que a Igreja atualmente tem preferido outras imagens para falar de si mesma. Ela retomou com alegria a imagem da barca. Uma barca que foi sacudida pelas ondas do Lago de Genesaré. Uma barca no qual o Senhor parecia dormir, como pareceria hoje. Uma barca que não tem medo da fúria das águas e que navega valorosamente no mar da turbulenta vida moderna. Mais uma vez: uma concepção dinâmica da Igreja, que expressa o forte desejo de que o mundo inteiro seja tocado por ela… Como é arriscado ser membro desta Igreja hoje!! Quanta audácia isso exige!!! Que exigências enormes devemos assumir! Uma confiança magnânima que a barca não será vítima da tempestade, uma confiança gigantesca de que será capaz de cumprir a sua missão. Evidentemente, ela terá de coletar, para bombordo e estibordo, o máximo possível de náufragos. Não serão eles que buscarão redimir os que vacilam e hesitam. No meio da tempestade, a Igreja quer chegar a todos os continentes e em todos os lugares para buscar aqueles chamados por Deus que desejam um lugar permanente nesta barca” (Pe. Kentenich, 1965)
“Uma Igreja família e povo de Deus”, na qual se redescobre o valor da fraternidade e que impulsiona os seus membros à corresponsabilidade e a um sentido de comunidade. “Uma Igreja fraterna… Qual era a imagem da Igreja no passado? Uma Igreja totalmente autoritária. Sim, podemos dizer isso agora sem medo de encontrar contradições: uma Igreja dirigida ditatorialmente. E agora… sabemos que João XXIII se considerava irmão de todos. Ele queria ser humano, para que a Igreja conseguisse ser fraterna… Portanto, acabamos com uma Igreja ditatorialmente dirigida. Em seu lugar, acentua-se o estar fraternalmente um ao lado do outro, agindo em comum e trabalhando junto com todo o povo de Deus…”
“Família de Deus”. Em uma família de Deus não existe obediência militar, mas uma obediência familiar. “À sua essência pertence, antes de tudo, uma grande dose de corresponsabilidade e, além disso, muita franqueza. É própria da obediência familiar uma profunda e ampla corresponsabilidade…”.
“Mas também expressamos o nosso repúdio a uma certa concepção moderna, na qual se fala de ‘camaradagem e fraternidade’. A respeito deste conceito, nós afirmamos, de forma sóbria, firme, clara e decisiva: não existe fraternidade sem paternidade”.
“Uma Igreja que seja alma do mundo”, que deseja forjar uma nova cultura humana, que torne o homem digno e livre. Sem se envolver na confusão política dos partidos, mas influenciando com seu espírito, como fermento, em todos os ambientes humanos. “Aquilo que a alma é para o corpo, devem ser os cristãos para o mundo”, dizia um escritor da Igreja primitiva. “Esta Igreja deve ser como no cristianismo primitivo – e como sempre deveria ser – a alma da cultura e de todo o mundo hodierno. Devemos vencer a separação entre a Igreja e a cultura, entre a Igreja e o mundo… A Igreja deve chegar a ser a alma desta cultura atual, tão complicada e mundana, desta natureza tão influenciada pela ação do demônio… ‘Ide por todo o mundo!’ O que isto significa? Significa dinamismo em toda a sua amplitude… Não fugir do mundo, nem mesmo ser ávidos pelo mundo ou pelo mundanismo, mas penetrar no mundo através da Igreja, penetrá-lo até se tornar a alma do mundo”.
3. Hoje
A terceira palavra que levo em consideração é o advérbio de tempo “hoje”. A Igreja é peregrina no tempo, está em um caminho contínuo de conversão e, por isso, é necessário que compreenda quais são as suas questões atuais, para dar as respostas certas.
“Uma Igreja guiada pelo Espírito Santo”, fonte da nossa confiança e das nossas esperanças. A estabilidade e a segurança da comunidade eclesial não se encontram nos homens, nem nas leis ou nas estruturas, mas sim na força, na coragem, na vivificação e na orientação do Espírito Santo. Uma Igreja assim configurada, escuta a sabedoria do Apóstolo: ‘Não extingais o Espírito e não desprezeis as profecias. Examinai tudo e considerai o que é bom’ (1Ts 5,19). “Deve ser uma Igreja dirigida pelo Espírito Santo, de modo que não dependa do Estado, nem se baseie muito nas suas próprias leis capazes de oferecer-lhe segurança… No centro da Igreja está o Espírito Santo que dirige tudo… Estas são altas exigências. Devemos educar-nos para poder cumpri-las…
Quando o fundamento das três virtudes teologais for aperfeiçoado pelos dons do Espírito Santo, então a pessoa pode contar com uma segurança particular. Esse é o tipo de segurança que chamamos de “segurança pendular”, que não vem de cima nem de baixo. É a segurança que nos acolhe no coração de Deus, no seu amor”. A jaculatória “nada sem ti, nada sem nós” está imbuída dessa segurança.
“Uma Igreja pobre e humilde”, que se reconhece limitada na sua humanidade e que também pede perdão por suas faltas. A consequência dessa experiência é uma atitude de serviço, de testemunho humilde e simples. “A Igreja, assim nos disse o Concílio, deve ser cada dia e sempre mais uma Igreja pobre, uma Igreja que busca a pobreza por si mesma, que a cada dia se afasta da pompa e, ao mesmo tempo, deve ser amiga dos pobres; que não pede, nem implora constantemente a benevolência do Estado. Uma Igreja humilde… que confessa a sua culpa e tem a coragem de pedir perdão” (Pe. Kentenich, 1968). A Igreja deve ser pobre em necessidades humanas e rica em necessidades divinas. Precisa colocar-se a serviço das necessidades divinas, sem esquecer as necessidades humanas.
“Uma Igreja profética”. “A Igreja precisa de líderes proféticos que, sem concessões fáceis, guardem na doutrina e na vida o que tem valor essencial além do tempo; e que, ao mesmo tempo, sejam flexíveis e receptivos, para revestir com criatividade de novas formas o espírito original do catolicismo; formas que antecipam a Igreja do futuro e lhe deem solidez”. Precisamos de profetas, que nos expliquem a gramática de Deus, para ler a sua marca nas horas tristes e felizes da vida. Precisamos tanto da Igreja como instituição quanto da Igreja como profecia. Uma instituição sem profecia envelhece. Uma profecia sem instituição não cresce. Se quisermos entender o que Deus está nos dizendo, devemos ouvir seu silêncio.
Belmonte, 24 de maio de 2021, memória de Maria Mãe da Igreja.
+ Dom Ignazio Sanna, presidente da Pontifícia Academia de Teologia, membro do Instituto dos Sacerdotes Diocesanos de Schoenstatt
Tradução: Pe. Marcelo Cervi