Em meio aos caos e às correntes do tempo, Deus fala em cada situação, seja nos grandes atos políticos, seja nas simples situações do dia a dia. Sobre isso, o Pe. José Kentenich nos leva a refletir:
Queremos aproveitar esta noite para definir novamente um ponto de vista seguro frente às correntes da época atual, tão confusas e suscetíveis de nos confundirem. Não vou descrever novamente a época, todos a conhecemos. Não podemos deixar-nos enganar, embora não sintamos diretamente na pele a insegurança hoje reinante. Para nós, a questão é sempre: que podemos fazer, pessoalmente, para encontrarmos resposta aos problemas modernos? Ou, melhor ainda: que podemos fazer a fim de nos prepararmos para enfrentar as dificuldades que nos esperam no futuro?
Creio que podemos, antes de tudo, dar uma resposta geral válida: devemos procurar viver como católicos autênticos, como verdadeiros cristãos. De igual modo, podemos dizer que queremos e devemos esforçar-nos por viver como verdadeiros schoenstattianos, no momento atual e no futuro. Na verdade, ser schoenstattiano e ser um cristão autêntico é a mesma coisa, em muitos sentidos. Talvez eu ainda acrescente um ou outro ponto de vista.
Como se posiciona um cristão autêntico?
Hoje à noite queremos responder à pergunta:
- Como se posiciona o verdadeiro cristão, o verdadeiro católico ante os questionamentos da época?… Como se apresenta, concretamente, o verdadeiro cristão, o católico autêntico?
Vou citar uma série de respostas que nos introduzirão mais profundamente na nossa própria vida interior. […].
Esta já é uma resposta simples, mas profunda: o católico autêntico é o que vive da fé. Quer dizer, concretamente: é o que vê tudo na vida com o olhar de Deus, quer as grandes catástrofes universais, quer os problemas pessoais, quer as surpresas da vida, as desilusões da vida… […]
Precisamos ver tudo o que acontece na vida – desilusões, alegrias, dificuldades – com o olhar de Deus e superá-lo com o coração de Deus! Que significa superar com o coração de Deus? Como é o coração de Deus? É um oceano de chamas do amor divino. Vejam, devo responder por amor e com amor a todas as dificuldades que o bom Deus me envia pelas circunstâncias. […]
A questão concreta é:
- O que devo fazer, na prática, para ver todos os acontecimentos com o olhar de Deus e aprender a abraçá-los com o coração de Deus?
Dou duas respostas simples e singelas.
– A primeira é a seguinte: precisamos aprender a ver, continuamente, na nossa vida e por trás de todos os acontecimentos, um chamado claro, a voz nítida de Deus e saber responder-lhe. Devemos aprender, portanto, a escutar em todos os acontecimentos a voz de Deus.
– A segunda resposta: precisamos aprender a descobrir, em toda a parte, a mão de Deus que nos quer tocar.
Repito mais uma vez as duas respostas concretas: precisamos aprender a escutar a voz de Deus em todos os acontecimentos da história e do mundo, assim como nos acontecimentos da própria vida, para podermos responder-lhe. Segundo: devemos descobrir, em todas as situações e por trás de todas as situações, a mão de Deus que nos quer tocar pessoalmente; devemos segurar esta mão, tal como se nos apresenta concretamente. Vou acrescentar a estas duas ideias algumas palavras esclarecedoras.
Primeiro: escutar em toda a parte, em todas as situações a voz de Deus. Escutar, por exemplo, o que o bom Deus me diz através da marcha de vitória do bolchevismo. E ainda: o que me diz com o processo de Eichmann? [1] Ou, o que o bom Deus quer me dizer, concretamente, com a doença dos meus filhos, com o primeiro prêmio que um dos meus filhos obteve, ou com a doença de minha esposa? Devem ser bem concretos, não podemos excluir nada (do que acontece) na nossa vida. Deus me fala até pelas coisas mais insignificantes. Jesus disse-nos claramente: nem um cabelinho cai da nossa cabeça sem que esteja previsto no plano de Deus.
Cavar um buraco até a China
Vou contar-lhes um pequeno exemplo, para tocar mais profundamente nosso coração. Trata-se de um menino francês…
Como muitas crianças boas e religiosas, ele também lia muitas revistas missionárias. A China e os chineses tornaram-se sua ocupação predileta. Pesquisou ou pediu que lhe dissessem onde fica a China e descobriu rapidamente que fica bem do outro lado do mundo. Ideou logo um plano, à maneira das crianças: preciso ir ter com os chineses! Com sua sabedoria infantil, sempre que tem um tempinho livre, corre ao jardim e começa a cavar, a cavar o quanto pode. Que pretende? Cavar um buraco que atravesse a terra, para chegar ao outro lado. Imaginamos a cena, não é verdade, a sabedoria infantil é capaz dessas coisas.
Num primeiro momento, a mãe não se deu conta de nada de especial enquanto o menino brincava lá fora. Mas, quando viu que ele não parava de cavar e de remover o barro com todo o zelo, dia após dia, achou que devia perguntar: escuta filho, o que fazes aí, afinal?
Recebeu uma resposta, extremamente bela, da qual quero partir.Imaginem a criança, com o rosto vermelho, cheia de entusiasmo. O menino quer realizar seus grandes planos, não se deixa perturbar pela mãe, por isso diz: “Mãe, fica quieta! Escuta, escuta! Não ouves? Os chineses me chamam”.
Os chineses me chamam!
A história continua: o bom Deus chamou-o realmente para junto dos chineses. Mais tarde, foi como missionário para a China e lá morreu mártir.
Quero gravar em mim e nos senhores a pequena frase do menino. Atualmente, escutamos no mundo um grande vozerio confuso, não é verdade? Quanta coisa nos diz a política, quantas vozes penetram no nosso ouvido! Quanta coisa (dizem) os partidos políticos, quanta coisa nos contam a televisão e o rádio!
Vejam o que aquele homenzinho disse à sua mãe: “mãe fica quieta!” Precisamos aprender novamente a ficar quietos. Por que devemos silenciar? A alma é penetrada por demasiados ruídos que geram nela uma permanente confusão. Não sabemos mais onde fica a esquerda e a direita. O menino diz à mãe porque deve ficar quieta: não escutas, os chineses me chamam!
De que se trata, afinal? A nós não são os chineses, é o bom Deus que fala. Como nos fala? Através de todas as situações de nossa vida, de todos os acontecimentos da história. Prestem atenção: ele me fala a mim, não a qualquer outra pessoa, porventura ao Papa ou ao presidente. Fala a mim pessoalmente, mas nós não silenciamos suficientemente, por isso não o escutamos. Deixamos de entender a linguagem de Deus através dos acontecimentos.
[…] É singular, um verdadeiro pai reconhece facilmente a voz do próprio filho dentre o vozerio confuso de muitas crianças. Mas também acontece o contrário: uma verdadeira criança, apegada ao pai e à mãe, pode estar no meio da confusão de não sei quantas crianças, mas quando o pai e a mãe a chamam, escuta suas vozes, mesmo que os outros não as ouçam.
Compreendem por que é tão importante aprendermos a silenciar, por que devemos silenciar? Precisamos aprender a reconhecer a voz de Deus e os seus planos por trás dela. Quando vivemos do espírito de fé? Quando conseguimos reconhecer a voz de Deus e, através dela, perscrutar os seus planos em todas as situações da história universal e da própria vida. […]
Compreendem a grandeza heroica que significa viver assim, do espírito de fé? E uma atitude fundamental, a partir da qual deveríamos ver todas as coisas numa perspectiva nova, não é verdade?
Fonte: Palestra aos casais em Milwaukee/EUA, 29 de maio de 1961
Livro: Pe. José Kentenich. Às segundas-feiras ao anoitecer – Diálogos com famílias. Vol 21 – Nossa vida à luz da fé.
[1] Ele fala no sentido dos grandes acontecimentos políticos e sociais da época