É possível viver a castidade na vida de casal?
Ana Beatriz Biagioli Manoel Suzan – Teremos uma sequência de três artigos que refletirão sobre os Conselhos Evangélicos, que são Castidade, Obediência e Pobreza, aplicados à família.
Imprescindíveis na vida consagrada, os conselhos evangélicos nos edificam na virtude de viver, em nós, o Cristo pobre, o Cristo casto e o Cristo obediente.
Nessa imitação de Cristo, somos edificados no caminho que nos leva à santidade, ao mesmo tempo que nos afasta desse mundo, tão impregnado do supérfluo, da sexualidade desenfreada e do prevalecer “a minha vontade” acima de tudo.
Um caminho árduo, mas que a Mãe de Deus se mostra sempre disposta a nos ajudar, a moldar em nós esses Conselhos, que Ela mesmo viveu em vida, na imitação de seu Filho Jesus, pelos seus méritos.
Iniciaremos a reflexão de hoje pelo Conselho Evangélico da Castidade.
“Conhece a terra rica e pura, reflexo da beleza eterna, onde as almas nobres e fortes desposam o Cordeiro de Deus; onde olhos límpidos irradiam calor e mãos bondosas aliviam sofrimentos; onde mãos puras se unem constantemente em oração para banir os poderes infernais?” (RC 601).1
Quis começar por essa estrofe do Hino da Minha Terra, na qual o Pe. José Kentenich, ao iniciar a explicação sobre o Reino da Pureza, nos diz que na Castidade reside uma grande riqueza conforme nosso estado de vida, sejamos nós casados, solteiros ou celibatários.
Temperança
Segundo São Tomas de Aquino, a castidade está ligada e subordinada à virtude da temperança, virtude essa que deve defender o ser racional de uma desnaturalização. Por meio dela é possível dosar nossa paixão dominante, disciplinando os sentimentos, as paixões, os afetos fazendo-nos chegar ao autodomínio, nos tornando livres.
O ser humano, conforme a sua natureza, deseja aquilo que a inteligência reconheceu como bem e tende a isso, essa é a verdadeira perfeição do ser racional e é justamente a virtude da temperança que nos ajuda a viver segundo a razão e, portanto, atingir a perfeição correspondente à sua natureza.
Muitas e muitas vezes relacionamos a castidade com muitos NÃOS: não pode isso, não pode aquilo. Falar sobre castidade ainda hoje é um tabu, ela não é um não, mas um sim a tantas possiblidades com menos repressão e menos tabus, trazendo mais naturalidade ao tratar desse tema.
Mas, então, o que é a Castidade?
São João Paulo II diz que “a castidade é a energia espiritual que liberta o amor do egoísmo e da agressividade”.2
Ela é uma força que protege o amor contra o egoísmo, pois a pessoa casta não é centrada em si mesma, ela harmoniza a personalidade, ajuda a desenvolver o verdadeiro dom de si mesmo. Ela é uma força que protege o amor contra a agressividade, capaz de respeitar os outros, enxergando o outro como imagem e Semelhança de Deus, afirmando-o como pessoa, tudo o que for contrário a isso, é tornar o outro uma coisa.
Existem diversas situações que são atentados contra a castidade, porém, quero destacar duas muito presentes nos dias de hoje. Uma é a pornografia, onde existe uma total coisificação da pessoa, dessensibiliza o ato sexual, é uma atuação, não é real e extremamente animalesco. A outra é a masturbação, através de uma automanipulação, usa-se de uma forma egoísta, até pode ter algum prazer, porém tudo voltado para si e não na entrega para o outro.
Outro ponto importante a ser ressaltado é um demasiado puritanismo, porque o indivíduo fica tão focado no NÃO PODE, que gera muitos transtornos, pois esquece do sim à entrega, do sim ao amor e não se permitem ter prazer.
No livro “Amor e Responsabilidade”, Karol Wojtyla diz: “O corpo humano deve ser humilde perante a grandeza que é a pessoa, porque esta é a que dá a medida do homem. Também deve ser humilde perante a grandeza que é o amor humano, deve subordinar-lhe, e é a castidade que leva a esta sujeição”.3
Equilíbrio
Como esposos, não é necessário renunciar ao instinto sexual, ele faz parte da nossa natureza. Se não tivermos mais instinto sexual, não seremos mais seres humanos. Mas devemos ordená-lo, nos encontrando com Deus, amando-O desse modo, naturalmente receberemos as forças, para levarmos uma vida pura, uma vida casta, dando à carne o seu destino final, que é a total entrega a uma pessoa.
Quando eu nego a minha essência de ser dom para o outro, uma oferta de si para o outro, não vivo a castidade. Ela não é algo negativo, opressor, que preciso lutar contra, mas sim é a nossa força.
“O homem nega-se a reconhecer o grande valor da castidade para o amor, quando rejeita a verdade integral e objetiva sobre o amor das pessoas e a substitui por uma ficção subjetiva. No mundo das pessoas, o amor deve possuir a sua plenitude e integridade moral, só o amor tornado virtude pode responder às exigências de que a pessoa seja amada e não admite que ela seja objeto de prazer de qualquer maneira que se tente.”4
Experiência de eternidade
O que mais dificulta a maioria das pessoas de viver a castidade é porque acham que tem necessidade de dar vazão aos seus impulsos sexuais, porém, a partir do momento que se entende o que é uma pessoa, não permite que ele se torne uma coisa e também não se coisifica, não se torna um animal.
Portanto, a vivência da castidade é uma força que não só protege o amor do egoísmo e da agressividade, não está só no guardar, é algo para ser entregue. Usufruo dessa força para confirmar o outro naquilo que ele é, uma pessoa. E ser pessoa é ser dom, é estar aberto à relação que é sempre de entrega e também de afirmação do outro como dom.
Homem e mulher, no sacramento do matrimônio, são chamados a ser dom, na total entrega no ato conjugal. No amor livre, total, fiel e fecundo, assumem todas as consequências até transbordar em outra vida, que são os filhos. E, como pais, devem servir verdadeiramente a vida de seus filhos e ajudá-los a fazer da própria existência um dom.
Na vida celibatária essa força é canalizada para um nível mais elevado, Pe. Kentenich diz: “Presenteio minha doação aos seres humanos. Sim, como o disse tão belamente Santo Agostinho, quisera ter não somente um filho ou dois. A capacidade do meu coração é tão grande: um filho, dois, três, dez filhos, tudo é muito pouco, quisera ter inumeráveis filhos… claro está, filhos espirituais… É um amor cálido e sincero que parte de nós e que abarca tudo o que de qualquer maneira é abarcável. É a vontade de fazer o bem e de servir desinteressadamente aos demais.”5
O amor humano é uma experiência de eternidade, todos nascemos para amar e sermos amados, a virtude da castidade nos fortalece para a vivência desse amor em plenitude, independente do nosso estado de vida.
Contribuição da União Apostólica de Famílias de Schoenstatt
Leia também:
⇒ O Conselho Evangélico da Pobreza na vida familiar
⇒ O que significa viver a obediência na vida familiar?
Referências
[1] Hino da minha terra – para um estilo de vida cristã.
[2] Sexualidade Humana: verdade e significado. Ed. Paulinas, 7ª Edição, 2009.
[3] Wojtyla, Karol – Amor e responsabilidade – Moral sexual e vida interpessoal. Ed Braga, Portugal, 1979.
[4] Idem
[5] Hino da minha terra – para um estilo de vida cristã.