Vivendo os conselhos evangélicos em família, parte II – a obediência
Sidônio e Claudia Frasson Lopes – Dando continuidade às reflexões sobre os Conselhos Evangélicos, abordaremos nesta matéria a questão da OBEDIÊNCIA aplicada à família.
É possível viver a obediência na vida familiar?
Como pais, temos a missão de conduzir nossas famílias à santidade, mas como isso pode ser possível? Uma sugestão é que tanto os pais se autoeduquem à obediência, como também eduquem seus filhos à obediência.
Mas, afinal, o que é a obediência?
“A obediência é uma virtude pela qual o homem renuncia à vontade própria e se decide a fazer o que lhe foi ordenado, em nome de Deus. Ser obediente significa possuir um coração humilde, submisso, maleável e uma inclinação para todas as coisas boas”[1]
O primeiro e principal âmbito de obediência é nossa própria família. Naturalmente, da família ela se refletirá nos demais âmbitos: trabalho, sociedade, Igreja, lazer, etc. Já é ponto pacífico que, a princípio, os filhos devem obedecer aos pais, ao menos até certa idade deveriam. Entretanto, ainda é difícil em certos ambientes falar de obediência na relação entre esposa e esposo, também na relação com os filhos mais jovens. Assim, torna-se um importante desafio da família para o nosso tempo!
Como Igreja Doméstica, temos como modelo a Sagrada Família. Ela nos ajudará nos desafios e tarefas, tornando nossa casa semelhante à casa de Nazaré. Queremos aprender com Maria e José, que souberam educar o Menino Jesus no amor à obediência, a ponto de Jesus tornar-se obediente até a morte – e morte de cruz.
Refletindo sobre “Mansidão e Humildade” como virtudes fundamentais para obediência
A obediência torna o homem submisso a seus superiores por causa de Deus, mas também o torna benévolo e dócil com todas as pessoas, predispondo-o a aceitar seus conselhos e a prestar-lhes serviços, tanto material como espiritualmente, conforme as necessidades de cada um. Nada há mais agradável a Deus e útil ao próximo do que esta humilde obediência. Assim, só conseguiremos a obediência na prática, se lutarmos pelo cultivo de uma atitude de humildade e mansidão. O nosso modelo assim nos estimula: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” [2]
Ensinamento de Maria e José sobre a “Mansidão e Humildade”
Podemos, por um momento, imaginar como foi o noivado de Maria e José? Imagine você jovem, de repente, está noivo. Nunca manteve uma relação sexual com sua noiva, porque prometeram se manter castos até o casamento. Num dos encontros com sua noiva, você percebe que ela tem enjoos, está diferente. Quando menos espera, ela diz: “estou grávida!”.
O susto será grande. A primeira ideia que pode vir à cabeça é acabar com tudo. Sem ao menos perguntar o que aconteceu. O fato dela estar grávida de outro homem é inconcebível para você.
Foi isso o que aconteceu com José, o esposo de Maria, a mãe de Jesus. Segundo Mateus (1,18-24), Maria ficou grávida por obra do Espírito Santo. Como muitos noivos agiriam, também José pensou em deixá-la, porém, evitando denunciá-la, porque ela ficaria sujeita a apedrejamento em praça pública. Entretanto, Deus se antecipou para que José também não tomasse uma decisão precipitada.
Mateus diz que José era justo, mas as palavras do anjo o tranquilizaram porque sua mansidão e humildade o ajudaram a entender o mistério de Deus.
Deus sempre nos fala algo, como falou para José. O que Ele nos pede é que não tomemos nenhuma decisão precipitada. Primeiro, que não nos escandalizemos com os acontecimentos, depois que olhemos para a nossa família com alegria, e percebamos que foi o próprio Deus quem os colocou em nossas vidas.
O que podemos tirar de lição em relação à atitude de José é justamente isso: Deus tem um plano, uma missão para cada um de nós. Se entendermos este desejo de Deus para nossas vidas, a obediência será uma consequência.
Ao contrário, se por uma decepção nós não aceitamos os planos de Deus, alguém sofrerá com a nossa atitude. José deixou de lado a decepção para poder amar mais a sua esposa, Maria, e o Menino Jesus.
Será que não precisamos repensar algumas atitudes em relação à nossa família? E em relação ao cônjuge?
A obediência entre esposos – clique e leia mais
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Refletindo sobre a obediência na relação entre esposa e esposo
No relacionamento entre os cônjuges, qual o espírito de obediência da mulher a seu esposo? Entendemos bem este espírito? É necessário que seja bem entendido tanto pela esposa como pelo marido. A esse respeito disse São Paulo, na carta aos Efésios, que as mulheres devem submeter-se a seus esposos (Ef 5, 22). Muitos se indignam que ainda hoje se leia esta passagem na liturgia, haja vista principalmente o movimento feminista. Mas, São Paulo queria mostrar a RELAÇÃO IDEAL entre o homem e a mulher, em primeiro lugar à luz da relação de Cristo com a Igreja. Queria mostrar qual é o IDEAL do matrimônio.
A passagem “Eu e o Pai somos um”, no contexto de João (10, 30), onde o sentido principal é ensinar sobre a obra salvífica de Cristo, talvez seja a expressão mais elucidativa para clarear essa relação de Cristo com a Igreja. Para entendermos corretamente o significado da expressão “Eu e o Pai somos um”, precisamos nos atentar para alguns detalhes nos versículos 28 e 29. Vejam:
– No versículo 28, Jesus diz que ninguém poderá arrancar suas ovelhas de sua mão.
– No versículo 29, Jesus declara que suas ovelhas foram dadas a Ele pelo Pai.
– Ainda no versículo 29, Jesus diz que ninguém poderá arrancar suas ovelhas da mão de seu Pai.
Percebam que esses três pontos afirmam, muito claramente, que o rebanho das ovelhas de Cristo é, ao mesmo tempo, propriedade do Filho e do Pai. Isso significa que o Pai dá as ovelhas ao Filho que as recebe em sua mão, mas tais ovelhas também continuam na mão do Pai.
Mas a família não representa a Igreja no pequeno? Assim, neste contexto, também significa dizer que Deus Pai dá uma esposa e filhos ao marido (um rebanho), que as recebe em sua mão, mas tais ovelhas também continuam na mão do Deus Pai.
Atenção, esposos! Os maridos que captam esta CONSCIÊNCIA DE AUTORIDADE vivendo na graça do “Eu e o Pai somos um”, e “estiverem inflamados por este ideal com toda sua vida psíco-anímica do subconsciente, representarão então uma torrente de vida borbulhante. Mesmo se tiverem dificuldades de falar e não souberem expressar-se com fluência suas idéias, as palavras que partirão do seu íntimo farão que esta vida desperte outra vida. Realmente é um mistério que provocará milagres na educação.”[3]
Ensinamento de Maria e José na relação entre esposa e esposo
Podemos imaginar que Maria tenha constatado, desde o noivado, um grande mistério em José. Com certeza, deve ter perguntado sobre o que o anjo lhe falou em sonho, e ficado alegre por José ter ouvido a voz de Deus e obedecido. Esta relação de ouvir e obedecer a Deus é a essência da autoridade paterna. Essa autoridade paterna, e o ser pai, devem ser um reflexo, uma imagem de Deus Pai e da autoridade divina.
Atenção, esposas! Sob o ponto de vista da posição oficial de São José, com certeza Maria não teve ressalvas em obedecer ao marido.
“Testemunho disso é o caso, quando aparece o anjo para salvar a Sagrada Família. A quem se dirige o mensageiro de Deus? Não aparece à Mãe de Deus e sim a São José. ‘José, levanta-te…’ (compare Mt. 2,13 ss). O céu confirma a posição de liderança, a autoridade básica do pai. Também mais tarde, quando se diz: ‘voltar para Nazaré’. Quem recebeu a mensagem? Nem Jesus e nem a Mãe de Deus, apesar de serem como pessoas, muito, muito mais perfeitas, que São José. (compare Mt. 2,19 ss).
E a Mãe de Deus? Ela reconhece também a dignidade e posição central de São José? Recordemos a situação em Jerusalém: ‘olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos’ (Lc. 2,48). Quem está em primeiro plano? Isso é algo essencial. Na Família de Nazaré o pai está em primeiro plano” [4]
A obediência dos filhos para com os pais – clique e leia mais
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Refletindo sobre a obediência na relação com os filhos
E como fica a obediência em relação aos filhos mais jovens?
Em relação a eles, há de considerar que infelizmente vivemos numa época na qual se recusa qualquer forma de autoridade, assim como as regras ou normas que todos devem cumprir. O orgulho e o egoísmo nos levam a sentir-nos autossuficientes, superiores, sem submeter nossa inteligência e vontade a outros, sob o pretexto da nossa liberdade. Assim, os exercícios de obediência devem focar na busca da educação da autonomia e liberdade dos filhos.
Como educo meus filhos para obediência, com foco na AUTONOMIA?
Os pais teriam que ajudá-los a OUVIR, a ouvir principalmente o seu interior, ou seja, motivando-os no autoconhecimento (o microcosmo), trocando ideias e dialogando sobre os significado e importância das regras e normas (moral e ética), incentivá-los a encontrarem sua essência (exemplo homem ou mulher), o sentido de sua existência (o próprio ideal e missão).
Como educo meus filhos para obediência, com foco na LIBERDADE?
Os pais teriam que procurar educá-los a OBSERVAR (cumprir o que ouviu), ou seja, ajudá-los a submeter o orgulho e o egoísmo à sua inteligência e vontade, motivando-os principalmente a se autoeducarem.
Atenção, pais! Por se sentirem autossuficientes e superiores, os filhos mais jovens acham que toda e qualquer ordem é uma exploração e forma de controle. Resistem em obedecer. “Assim a minha autoridade paterna deve ser impregnada pela autoridade de Deus. Vale dizer: perante meus filhos estou como representante de Deus. Isto inclui exigências. Não posso dizer de uma maneira grosseira: ele deve obedecer-me. Deve sim obedecer a Deus. Expresso de forma simples: que é o pai? É um prolongamento de Deus Pai. Que é o Pai do Céu? E o prolongamento do pai terrestre. Assim devemos entender esta verdade.”[5]
Assim, é sempre bom lembrar que o foco nesses dois aspectos, educação da autonomia e liberdade, não exclui a CONSCIÊNCIA DE AUTORIDADE, já abordado no relacionamento entre os esposos.
Ensinamento de Maria e José na relação com os filhos mais jovens
No próprio mistério do “Encontro de Jesus no Templo” acima citado, José tinha todos os ingredientes para tratar Jesus com rudeza. Podemos imaginar que Maria e José tenham ficado aborrecidos por já terem caminhado um dia, no retorno de Jerusalém, quando sentiram a falta de Jesus. E ficado preocupados por só encontrá-lo três dias depois no templo. Entretanto, há uma grande diferença entre RUDEZA e CONSCIÊNCIA DE AUTORIDADE. O filho, como na relação entre os esposos, também é orientado a seguir a Deus, por intermédio dos pais.
A seguir, ainda no contexto de Lucas 2, Maria e José podem nos ensinar sobre a educação da autonomia e liberdade. Vejamos:
– No versículo 48, Quando Maria e José viram Jesus no templo, ficaram admirados. E sua mãe disse-lhe: “Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição”. (neste momento Maria e José lembram sobre as normas de um filho e o cobram para sempre dizer aos pais onde se encontra – AUTONOMIA e LIBERDADE)
– No versículo 49, Jesus respondeu-lhes: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (possivelmente Maria e José entenderam que Jesus se manifestava em seu autoconhecimento – AUTONOMIA )
– No versículo 50, Maria e José, porém, não compreenderam o que ele lhes dissera. (não compreenderam que se tratava do próprio ideal e missão de Jesus, mas com certeza o motivaram a seguir – AUTONOMIA)
– No versículo 51, Jesus em seguida, desceu com eles a Nazaré e lhes era submisso. (neste versículo evidencia a obediência de Jesus para com seus pais – LIBERDADE)
– No versículo 52, e Jesus crescia em estatura, sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens. (neste versículo evidencia os frutos da virtude da obediência)
Conclusão
Considerando o CIC 144, “obedecer (ob-audire) na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que a sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade”, deixamos a seguinte reflexão:
Pensando na educação para obediência de minha família, o que, de minha parte, como pai ou mãe, tenho feito para manter uma vinculação interior com Deus, com Deus Pai?
⇒ Leia também – O Conselho da CASTIDADE na vida matrimonial
⇒ Leia também – O Conselho Evangélico da POBREZA na vida familiar
Referências:
[1] Santidade de Todos os Dia – Pág 293
[2] Bíblia Sagrada – Mateus 11, 29
[3] Família Serviço à Vida – Vol I – Pág 55
[4] Família Serviço à Vida – Vol I – Pág 53
[5] Família Serviço à Vida – Vol I – Pág 53
Contribuição da União Apostólica de Famílias de Schoenstatt