Um diálogo difícil, porém necessário, com familiares e amigos
Francisco Borba Ribeiro Neto – “Política não se discute”. O ditado popular é sábio: discussões políticas provocam divisões e conflitos. Discutir e dialogar, contudo, são coisas diferentes. Se não trocamos ideias e informações, adquirimos uma visão distorcida da realidade, manipulados por quem disser o que parecer agradável a nossos ouvidos.
Por isso, o Papa Francisco insiste tanto no diálogo, que deve ser praticado não apenas entre políticos, gestores e intelectuais, mas por todos nós, em todos os âmbitos da vida. Num momento como o atual, carregado de polarizações e incertezas, esse diálogo se torna difícil – e pode parecer até antipático –, porém necessário.
As famílias, as comunidades e os grupos de amigos não deveriam ser as instâncias nas quais os temas polêmicos são evitados, mas, sim, nas quais nos sentimos mais livres para externar nossos posicionamentos, confiantes na sinceridade e na boa intenção uns dos outros.
Em tempos de distanciamento social, as redes virtuais permitem esse diálogo, porém, sem dúvida, necessitamos de muito cuidado se queremos chegar a algum lugar.
O Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP sempre foi um âmbito de diálogo, que acolheu gente com as mais diversas inclinações, tanto ideológicas quanto teológicas. Em seu caminho, foram evidenciando-se algumas regras simples que facilitam o diálogo entre diferentes:
1) Estejamos sempre prontos a compreender as razões do outro. Todos temos o mesmo desejo do bem. A partir desse desejo, podemos fazer percursos mentais muito diferentes, mas a raiz é sempre a mesma. Se partimos da hipótese desse anseio por algo bom, encontramos um ponto em comum a partir do qual dialogar.
2) Procuremos não só os erros, mas, principalmente, os acertos que existem nos argumentos do outro – e aceitemos quando ele está certo mesmo que parcialmente. Quando dizemos “Não dá nem para responder a esses argumentos”, frequentemente estamos diante não de erros monumentais, mas de ideias que não sabemos rebater. Sinal de que precisamos estudar mais e entender melhor a situação.
3) Mesmo que tenhamos concluído que os argumentos do outro são estúpidos, nunca o menosprezemos, nem as pessoas com as quais ele se identifica. Esse posicionamento vai levar a um ressentimento mútuo e dificultar que tanto nós quanto ele reconheçamos erros e acertos mútuos.
4) Nas redes sociais, evitemos difundir fake news. Normalmente, uma busca rápida usando a ideia central com a palavra “fake” já direciona para um site confiável e especializado em checagem de informação. Outro recurso fácil é sempre enviar a notícia com a fonte de onde foi publicada e não encaminhar mensagens que omitem a citação. Grandes veículos de comunicação também erram, mas têm um nome a zelar e mecanismos de apuração interna que diminuem o risco de informações descabidas.
5) Também evitemos difundir discursos de ódio e raiva. Diante dos descalabros atuais, os comunicadores sociais aprenderam que, quanto mais agressivos são, mais seguidores conseguem. Dizemos: “finalmente alguém que fala as coisas que eu penso, com a raiva que eu sinto”. Essa prática, no entanto, acaba por ofender os demais e impedir que façamos uma análise serena e racional dos acontecimentos.
6) Em todos os casos, procuremos sempre o maior número possível de informações sobre a situação. É útil, inclusive, ter alguns bons sites com posicionamentos diferentes dos nossos, para obter dados que normalmente não receberíamos.
Dialogar com quem tem ideias diferentes nunca foi fácil. Em que mundo viveremos, no entanto, se nem mesmo os cristãos forem capazes de fazer isso entre si?
* Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Fonte: texto divulgado no jornal O São Paulo, edição 3297, de 13 a 19 de maio de 2020. O jornal é um semanário da Arquidiocese de São Paulo
Muito boa matéria sobre como dialogar com quem pensa diferente.