Uma cultura indiferente ante Deus
Termos como “filial”, “ser filho” ou “ser como as crianças”, não pertencem ao vocabulário do homem atual. São outras a concepção que estão em primeiro plano. A pessoa, se afirma, deve possuir autonomia; tem que se desprender de todo infantilismo ou espírito “criança”; deve ser e se comportar como um “adulto”. Para isso é dono de seu ser, de seu corpo, de seu destino, sem dependência de um ser superior, que supostamente nos criou e nos governa, ditando uma lei moral obrigatória, a uma qual devemos submetermos.
Por outro lado, se diz, as tarefas que nos estimulam não parecem ser tarefas para as crianças; urge lutar por uma transformação das estruturas sociais, políticas e pelo progresso econômico; urge produzir e dominar o mundo com nossa ciência e nossa técnica. E estas são tarefas para “adultos”, não para crianças.
Na época obscura ou primitiva da humanidade, já foi superada… é hora de sermos donos de nós mesmos e de nosso destino, donos desta terra em que vivemos, sem que tenhamos que render tributo nem prestar contas a nenhum deus.
“A religião é o ópio do povo”, se repetia um slogan de alguns decênios. Hoje já não se ouvem estes termos, já não há um “ateismo combativo”, mas se vive a indiferença ante Deus, não O considera, pois, se pensa, são outros poderes que governam o mundo. Que se creia ou não se creia em Deus, não é relevante… Ao homem atual não interessa nem importa uma relação de dependência “filial” ante o Ser Supremo. Por último, se declara “agnóstico”, não crente, e por isso livre para “viver sua vida”.
A experiência do filho pródigo É verdade: se somos adultos não corresponde nem que pensemos e nem que atuemos como as crianças. Mas, outra coisa muito diferente é que nossa “adultez” signifique negar a realidade mais radical de nossa existência. Não nos auto-geramos e não é o homem quem criou o universo. No mais profundo de nosso ser, somos “criaturas” dependentes de “Ser” do qual procedemos. Somos seres “ab alio” (procedentes de outro) e por eles, seres “ad aliud” (orientados para o outro), ontológicamente dependentes. Isto era o que dizia Santo Agostinho: “Nossos coração está inquieto enquanto não descansar em ti, Senhor”. Conhecemos a experiência desse filho pródigo… O coração do homem atual está inquieto, mais ainda, está angustiado, estressado, porque, à semelhança do filho pródigo da parábola do Evangelho, abandonou a casa do Pai. Nessa parábola, Cristo descreve em forma clássica o drama de nossa cultura: Deixamos a casa do Pai, cortamos o cordão umbilical, o vínculo filial que nos une ao Pai, em busca do que cremos é nossa plena e “verdadeira” liberdade. O homem filial, um homem verdadeiramente novo Neste contexto histórico, Pe. Kentenich propõe um tipo de homem novo, para o qual a filialidade constitui o mais fundo e radical de sua existência. Desta forma, proclama e coloca em primeiro plano o que se fez mais substancial de nossa redenção: já não somos escravos do pecado e da rebeldia, senão, por Cristo e nele, por seu sangue derramado na cruz, restauramos nossa relação de filhos ante Deus Pai. Desta forma se estabelece ao ser humano o que verdadeiramente é como criatura ante Deus Criador. O homem filial, diferente de uma grande maioria de nossos contemporâneos, sabe e se sente filho de um Deus que é Pai no mais pleno sentido da palavra. Somos criaturas que recebemos pelo batismo, o Espírito Santo, o qual nos faz filhos de Deus. Fomos, ao dizer de São Paulo, enxertados em Cristo, o Filho Unigênito de Deus Pai. O drama do pecado, da desobediência, de dar as costas para Deus, foi superado por Cristo Jesus. Por Ele nos tornamos filhos de Deus Pai. De um Pai infinitamente sábio, poderoso e misericordioso. De um Pai que nos ama apaixonadamente, cujo único desejo é nossa felicidade e plena liberdade. Nosso mundo materialista e centrado no que é só da terra, nega ou desconhece estas realidades. Uma frase de Tagore, citada muitas vezes pelo Pe. Kentenich, diz: “A maior desgraça do homem atual é ter perdido seu sentido filial ante Deus”. Schoenstatt põe todo seu empenho em reverter essa realidade, busca abrir a alma do homem atual para a oração da filialidade, do ser criança diante de Deus. A perda da atitude e o sentir-se filial diante de Deus Pai faz do homem moderno um ser à deriva. Cortando o vínculo filial diante de Deus, rapidamente se converte em uma “casca de nozes” a mercê do desenrolar de um mundo hostil; é um ser profundamente desguarnecido; uma pessoa que quer ser um gigante, mas que experimenta como nunca sua fragilidade, sua angústia e insegurança. Pode lutar com os dentes apertados e tratar de impor-se com seu próprio poder ante da inclemência de tempo; crê poder dominar tudo, mas, interiormente se destrói, cai vazio e solitário em seu trabalho excessivo de super-homem; caindo e derrubando-se, como “Prometeu”, da altura de seu orgulho. Perdemos a profundidade da alma das crianças: não nos admiramos de nada, nem de ninguém. Desconhecemos a riqueza daqueles pobres de espírito que o Evangelho proclama felizes. Preocupados conosco mesmos, não sabemos o que é confiar e amar. Estamos preocupados em nos assegurar e nos defender. Nos escondemos atrás de nossas máscaras, lutando desesperadamente por ser mais e produzir mais. Mas nossa psique não resiste esta tensão. Por isso, andamos ávidos de compensações, de experiências, de sensações e emoções que nos presenteie paz e felicidade, essa paz e felicidade que o filho pródigo anseia longe da casa do Pai. Esta é a grande tragédia do homem atual, a qual o homem novo schoenstattiano quer superar e dar resposta. Quer por em prática as palavras do Senhor: “Eu lhes asseguro que se não se tornarem como as crianças, Seguindo ps ensinamentos de São Paulo, quer levar-nos a superar o espírito de escravos: “Com efeito, todos os que se deixam guiar pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. E vossos não recebestes um espírito de escravos para recair no temor; antes, recebestes um espírito de filhos adotivos que nos faz exclamar: Abbá, Pai! O Espírito mesmo se une a nosso espírito para dar testemunho de que somos filhos de Deus. E, se filhos, também herdeiros: herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, se compartilhamos seus sofrimentos, para ser também com Ele glorificados. (Rom 8, 14 ss). A conquista do ser crianças diante de Deus Ante a pergunta sobre como conquistar o ser “crianças diante Deus”, a confiança e dependência feliz diante do Pai em Cristo Jesus, o fundador de Schoenstatt destaca dois caminhos pedagógico-pastorais qu conduzem a esta meta. Se trata, em primeiro lugar, de uma experiência de Maria. Maria, imagem perfeita do cristão, nos ensina a dizer ao Pai: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra!” Ela é o exemplo luminoso que nos move a dar um sim livre e vigoroso, um sim filial, à vontade de Deus. Mas ela não só é exemplo de uma atitude filial diante de Deus Pai, ela também nos acolhe e nos ama como verdadeira Mãe. “Maria, Mãe, desperta o coração filial que dorme em cada homem. Desta forma, nos leva a desenvolver a vida do batismo pelo qual nos tornamos filhos” (Doc. De Puebla, n. 295). Em Maria, amando-a cálida e filialmente, recuperamos de forma vital o saber e sentir-se filhos. Ela também nos ajuda a nos comportarmos como filhos. Por outro lado, Pe. Kentenich destaca a importância que reveste a vivência paterno-filial no plano natural. Grande parte do ateísmo e afastamento de Deus, própria do homem atual, se remete, do ponto de vista sociológico, a experiência negativa da paternidade e de autoridade no plano natural. Por isso, afirma Pe. Kentenich, se queremos viver e cultivar nossa relação de filhos diante de Deus, é preciso que aconteça um renascer, uma nova experiência de uma paternidade e de uma filialidade na ordem natural. A graça também nisso pressupõe a natureza, a cura e eleva. A graça de uma filiação e de uma atitude filial, requer como base e como ponte, do ponto de vista sociológico e pedagógico, uma nova imagem, uma nova atitude, um novo atuar do pai em sua família. Este está chamado a ser imagem viva e transparente da paternidade de Deus. Se a vivência de paternidade é negativa, esta vivência diante de Deus se torna difícil, bloqueia psicologicamente nossa relação filial diante de Deus Pai. Se, ao contrário, a vivência paterno-filial é positiva, então permite abrir muito mais facilmente nosso coração para a alegria libertadora de ser “como as crianças”. Foto: Cleber Lima
não entrarão no Reino dos céus” (Mt 18,3);
“porque quem não recebe o Reino dos céus
como uma criança, não entrará nele ” (Mc 10,14).