O casamento dos sonhos, uma carreira profissional em ascensão, conquistas materiais e intelectuais: apenas isso pode significar uma vida de sucesso?
Pe. Carlos Padilla Esteban – Para Jesus não existem vidas incompletas. Todas são completas e chamadas a serem plenas. Mas, às vezes, me pergunto se existem algumas vidas mais completas do que as outras. O que determina se uma vida é completa e outra não?
Uma pessoa solteira dizia, outro dia, com muita convicção e paixão: “Não existem vidas incompletas”. Disse isso alegremente, com paz de espírito. Ela me impressionou. Às vezes, cataloga-se a vida dos homens: aquele que se casou e tem uma família estável ao longo do tempo, com filhos, netos e fidelidade; aquele que seguiu o chamado de Deus a um caminho concreto… E, olhando de fora, pensa-se que sempre são vidas completas, plenas, felizes. E outras vidas, daqueles que não se casaram, daqueles que se divorciaram ou ficaram viúvos ao longo do caminho… Essas vidas parecem incompletas, como se Deus cortasse o fio com o qual tecia suas vidas e os deixasse abandonados no meio do caminho, incapazes de realizar o que sonharam, o que pensaram que Ele lhes havia prometido.
Parece que o mundo determinou que só existe um único caminho para desfrutar de uma vida completa. Como se a única maneira fosse ter uma família com filhos, com pai e mãe, com avós…. Parece então que o resto das vidas está incompleto. Uma pessoa sozinha, uma pessoa que não se casa, um órfão abandonado… É como se suas vidas fossem incompletas. Falta-lhes algo externo que todos podem ver. Algo visível de fora. É como se o julgamento de uma vida completa fosse dado por pessoas de fora, aqueles que julgam, aqueles que salvam ou condenam.
Um questionamento a se fazer…
Faz um tempo, me perguntei se minha vida estava completa. Escolhi uma vocação e segui o chamado de Deus. De fora, alguns dirão que o sacerdócio é algo completo. Outros olharão criticamente e dirão que não, que falta algo para ser completo. Com o passar do tempo, cheguei à conclusão de que meu coração é o único que julga se minha vida está completa ou não. E, na realidade, sempre faltará algo. Falta alguma coisa, algo que não tenho, algo me faz incompleto. Meu coração sonha com um infinito que não sei imaginar, com um amor eterno que não posso conceber. Posso, ainda assim, ser completo? Dentro dos limites da minha alma, dentro das deficiências do meu corpo desajeitado, posso dizer que a minha vida é completa, plena. E ela o é não segundo os olhos dos homens, mas quando a contemplo com os olhos do meu coração. Minha vida é completa.
Mas eu não julgo se a vida dos outros está completa ou não. Se eles acreditarem que a sua é, assim será. Só Deus e eles sabem. Não posso julgar, nem condenar, nem dizer que não é assim o que eles sentem no fundo do coração. Como posso eu condenar o que os outros vivem ou escolhem quando Deus é quem salva? Guardo silêncio porque sou o dono dos meus silêncios e escravo das minhas palavras. Não sou eu que decide o que está completo. Só sei que minha vida é completa para Deus, porque Ele me chama a descansar em seu coração, no caminho que ele põe diante de meus olhos.
Sou chamado a doar-me por completo
Nem tudo é perfeito, nem tudo está concluído. Eu percorro uma vida imperfeita, inacabada, finita e sonho com a vida eterna. Neste mundo, Ele colocou em minhas mãos alguns dias frágeis nos quais me convida a ser fiel. Quer que eu me entregue sempre, até o final, dando tudo. Mas Ele não quer que eu me considere menos do que os outros porque as condições não ocorreram do modo como eu esperava e o que eu desejava não aconteceu. Não quero ter que me encaixar em moldes que me oferecem como possíveis. Eu sou original. Tenho uma forma e um caminho, uma vocação e uma maneira de amar e de me doar. Nos limites com que me confronto, minha vida é plena, Jesus a faz plena. A única coisa que ele me pede é que eu seja fiel, que me entregue, não que tudo se encaixe no meu caminho e tudo saia como eu ou os outros esperavam.
O Pe. Kentenich dizia aos jovens no início do seu sacerdócio: «Coloco-me inteiramente à vossa disposição, com tudo o que sou e o que tenho: com o que sei e com o que não sei, com o que posso e com o que não posso, mas, sobretudo, com o meu coração»[1].
Assim é a maneira de viver que desejo. Sou chamado a dar-me por completo, a amar até o extremo, a ser fiel em meio às trevas e às dificuldades, a seguir trabalhando quando estou exausto, a continuar amando mesmo quando sou rejeitado. Deus não quer que você faça as coisas pela metade. A única coisa que ele deseja ver completo em mim é a entrega da vida e do coração. Eu me dou por inteiro, coloco todo o meu coração à disposição dos meus. Não tenho medo de perder. Assumo o risco. O resto é secundário.
Se não encontro a pessoa sonhada, se a minha vida ideal acabar mais cedo do que eu pensava, se os meus filhos não são o que eu esperava, se não consigo formar uma família perfeita, se não escolho caminhos que outros valorizam mais, se não tenho realizações que valham a pena serem contadas, se penso que os demais julgam meus fracassos, minhas quedas, minhas escolhas e colocam um adjetivo que os desqualifica… Não importa! Aos olhos de Deus, minha vida segue sendo completa, ainda que o julgamento dos homens pareça invalidá-los. O olhar de Deus é o que me importa. É o seu olhar que me sustenta na entrega. Não me fixo naquilo que os demais esperam. Sigo adiante. Sou completo para Deus.
* Trecho da homilia do Pe. Carlos Padilla Esteban, 8 novembro de 2020; original em espanhol, veja o texto original e completo aqui.
[1] Pe. José Kentenich. Documento de Pré-Fundação
Texto lindo e de muita sabedoria, que nos inspira a estar na presença de Deus sempre, apesar das dificuldades e decepções.